Um pesadelo para a velha mídia

Por Nick Davies, do jornal britânico The Guardian, no sítio Carta Maior:

Londres - Olhemos primeiro para os pesadelos que não se tornaram realidade.

O governo não está sendo convidado a assumir o controle da imprensa. Todos as propagandas de página inteira que ligavam o lorde Brian Leveson a Robert Mugabe e Bashar Assad, toda a cobertura dos jornais The Sun e Daily Mail sobre a “imposição de uma coleira à mídia” e a ameaça de “regulação estatal da imprensa livre britânica” se provou não mais do que bobagens ditas por marqueteiros, não mais do que outro round da velha distorção que, afinal, tanto fez para a criação deste inquérito.

O relatório tampouco afirma que Fleet Street deva ser recompensada pelo repetido abuso de poder com concessão de ainda mais poder. Este, aliás, era o plano criado pelo lado conservador de Fleet Street, ainda cegamente confiante de que seriam nomeados os que tornariam a fiscalização da mídia confortabilíssima para Richard Desmond, proprietário do Express (que, quando perguntado sobre a ética que a imprensa deve seguir, respondeu “não conhecer o significado da tal palavra”), e que executivos do News International de Rupert Murdoch - que enganaram a imprensa, o público e o parlamento – ocupariam cargos nas investigações. Lorde Leveson rejeitou esse plano com uma frase só: “assim, a indústria se manteria dando nota para a própria lição de casa”.

Também, não estamos diante de uma catástrofe para o jornalismo britânico. Do ponto de vista de um repórter, o núcleo do Relatório Leveson, seu sistema de “auto-regulação independente”, não apresenta problemas óbvios.

Esse sistema desempenha três funções. Em primeiro lugar, ele lida com as reclamações. Mas o faz com um corpo organizado que nem é indicado nem responsável pela Fleet Street. A parte mais obscura da indústria reclama que essa é uma ameaça terrível à mídia livre, situação análoga à de um estuprador alegando que a polícia é uma ameaça ao amor livre. Por que devemos temer um julgamento independente? Por que não deveríamos nos envergonhar da velha Comissão de Queixas contra a Imprensa que, como diz o relatório, “falhou, não é, de modo algum, um regulador, carece de independência e provou seu alinhamento com os interesses da imprensa”? É difícil pensar em outra resposta decente ao testemunho de Kate e Gerry McCann, falsamente acusados do assassinato do próprio filho. Ou ao de Christopher Jefferis, difamado perversamente como homicida.

Em segundo, a nova regulação investigaria violações sistêmicas. Aqui, o relatório apresenta fraquezas. Não há (nem deve haver) qualquer sugestão de que o regulador detém o poder de obrigar a divulgação de documentos ou de vasculhar a mesa de um repórter. Isso diz respeito à investigação de quebras sistêmicas do código de conduta – por exemplo, entrevistar crianças sem o aval de seus pais ou fotografar a privacidade de alguém. Sem poderes policiais, o órgão regulador acaba apoiando-se no voluntarismo dos jornalistas. A história sugere que haverá os relutantes, já que as carreiras de alguns estarão em jogo.

Finalmente, e mais importante, a regulação se conduziria num novo sistema de arbitragem, mais barato e mais rápido do que as cortes civis.

Isso parece uma ótima notícia para repórteres que atualmente trabalham sob uma legislação relativa à difamação, privacidade e confidencialidade que realmente restringe a liberdade de imprensa, uma vez que estão ameaçados de danos e custos legais de uma escala tal que encoraja a supressão da verdade. Gente como Jimmy Savile acaba se dando bem nessas condições. O sistema de Leveson nos ajudaria a lidar com isso.

Há nisso tudo um pesadelo, mas ele pertence à velha guarda de Fleet Street. A perda do controle do regulador é a perda da permissão que eles têm para fazer tudo que querem.

Enquanto a atenção política foca-se nos planos de Leveson para o futuro, o real poder do relatório está no detalhamento do que essa permissão autorizou. “Partes da imprensa atuaram como se seu próprio código inexistisse. Houve muita imprudência em relação ao sensacionalismo, ignorou-se os danos que as histórias podiam causar. Desconsiderou-se qualquer rigor, alguns jornais lançaram mão de volumosos ataques extremamente pessoais àqueles que os contestavam”.

O relatório afirma que o Daily Mail e seu editor, Paul Dacre, “foram longe demais” ao acusar Hugh Grant de “vilipêndios mentirosos” em seu testemunho à investigação e questiona a decisão do diário The Sun, que noticiou a fibrose cística do filho de Gordon Brown, uma vez que “não havia qualquer interesse público que justificasse a publicação sem o consentimento do senhor e da senhora Brown”, além de reconhecer a possibilidade da informação ter sido obtida por “meios ilícitos e antiéticos”.

Ainda, o relatório detalha o comportamento dos periódicos Daily Mail, The Sun e The Telegraph que, enquanto Leveson conduzia sua sessão, optaram por publicar materiais sobre a morte de um garoto de 12 anos, decorrentes de um acidente de ônibus na Suíça, o que “inegavelmente suscita dúvidas quanto à conduta do editor”.

Isso não quer dizer que o relatório não apresente problemas para o jornalismo.

Em suas letras mais miúdas, ele parece mesmo sugerir que policiais não devem poder oferecer instruções aos repórteres. Se essa lei fosse aprovada há 10 anos, o jornal The Guardian provavelmente não teria sido capaz de expor o escândalo das escutas telefônicas. Uma seção implica que repórteres só poderão manter ocultas as identidades de suas fontes se tiverem uma prova do que foi acordado com a fonte, como um documento escrito por ela – coisa praticamente impossível se sua fonte é um criminoso descrevendo corrupção policial ou uma prostituta infantil falando de seu cafetão.

Mas o verdadeiro problema é que, quando se declara a guerra, o diabo alarga o inferno. Esse debate não passará a ser resolvido com fatos e argumentação razoável, ele será conduzido sob as já conhecidas regras: falsidade, distorção e ameaças. Algum governo se levantará contra isso? Talvez more aí o verdadeiro pesadelo.

* Tradução de André Cristi
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Um basta à violência em São Paulo

Editorial do jornal Brasil de Fato:

Até quando a população de São Paulo será vítima das ações criminosas do Primeiro Comando da Capital (PCC) e da canhestra política de segurança pública dos governos tucanos? Para ambos, organização criminosa e governo, a vida dos seres humanos não vale um centavo.

De janeiro a novembro, mais de 95 policiais foram assassinados. Desde agosto, relatórios dos serviços de inteligência da Policia Federal, da Policia Civil e do Ministério Público alertavam o governo tucano que o PCC iniciaria uma nova onda de violência na capital paulista. O governo, cego pela arrogância e autossuficiência, nada fez. Deu a entender que a situação estava sob controle. Ainda, ignorou a ajuda oferecida pelo governo federal. Incompetência política e administrativa que custou a vida de quase uma centena de policiais.

Frente à ofensiva dos criminosos e da inoperância do governo, os setores mais truculentos e violentos da Policia Militar (PM) sentiram-se autorizados a agir e a assemelhar-se com os que dizem combater. Iniciou- se, desde outubro, uma guerra particular entre esses setores da PM e o PCC.

A maior vítima é a população pobre, da periferia da cidade. Desde a ofensiva do PCC, mais de 270 civis foram assassinados, quase sempre em chacinas. Só em outubro, foram 149 assassinatos. Há fortes indícios e suspeitas que as ações criminosas têm ligação com a força policial. Agem indiscriminadamente para assassinar possíveis criminosos, usuários de drogas e pessoas que freqüentam locais identificados com a influência e atuação do PCC.

Não raras vezes, em número superior, pessoas inocentes foram assassinadas nessas ações de extermínio. O que antes era uma vida humana, transformou-se num registro policial repetido diariamente: “resistência seguida de morte”. Nas palavras do governador Geraldo Alckmin, olhando para os corpos mortos em chacinas, “quem não resistiu está vivo”. Nas palavras do presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), Ivan Seixas, há uma lógica macabra de violência imposta ao aparato de segurança no governo tucano.

Por que é tão fácil matar pobre na periferia? A pergunta é respondida pelo seu próprio formulador, o ex-delegado geral da Polícia Civil Paulo Carneiro de Lima: “Existe uma grande parcela da sociedade que acha que matar pobre hoje é matar o marginal de amanhã”.

Essa visão não nasce espontaneamente. Ela é construída diariamente pela chamada grande mídia, quando apresenta o tráfico de drogas restrito à população pobre e acoberta com um conivente silêncio os verdadeiros grupos que lucram com essa atividade ilegal. Estes não moram na periferia da cidade. Não são alvos do PCC e muito menos da truculência da Polícia Militar.

A mesma mídia, fazendo uso da opinião publicada, não hesita em difundir que a própria população pobre defende as ações repressivas da força policial. Há maior incentivo do que este, para truculência policial?

Há sim! A própria política de segurança pública do governo tucano de São Paulo impulsiona a violência policial contra a população pobre. A violência praticada contra as famílias do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, contra os usuários de drogas na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, o tratamento dado às favelas, a militarização das subprefeituras paulistanas, apenas exemplificam a militarizada política de segurança publica dos tucanos em relação aos pobres.

É fácil matar pobre porque o governo tucano tem, e difunde, um preconceito contra os pobres. O candidato tucano derrotado na eleição à prefeitura de São Paulo neste ano, José Serra, verbalizou muito bem esse preconceito quando disse que iria fazer uma parceria com a Fundação Casa (ex-Febem) para identificar dentro das escolas o aluno com potencial de ser criminoso ou usuário de drogas. Não é necessário muito esforço para imaginar em quais escolas e regiões d a cidade esse trabalho seria realizado.

No governo desde 1995, os tucanos priorizam a construção de presídios, em detrimento da adoção de políticas de bem-estar social nas regiões carentes. A única face do Estado que os pobres conhecem é a repressão policial.

Há brigas e disputas entre a Polícia Civil e a Policia Militar agravadas pelo atual governo. Hoje 90% dos crimes não são investigados. As causas passam pela falta de investimentos, recursos humanos e materiais. Mas também se deve à decisão do governo de retirar o poder investigativo da Polícia Civil e repassá-lo à Militar. E, diante da incapacidade de identificar, encontrar e prender criminosos, se naturaliza a ação de executar os suspeitos.

Combater o crime organizado é uma tarefa difícil e complexa. Exige serviço de inteligência, conhecimentos técnicos, sinergias com outras áreas do Estado, combate às autoridades e policiais corruptos, agilidades e transparência nos processos judiciais.

É, também, preciso convencer o governo tucano de que o “combate firme ao crime organizado e os Direitos Humanos não são incompatíveis” como disse o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, no discurso de posse do cargo, dia 22 de novembro.

Mas é imprescindível que os governos, da esfera federal à municipal, promovam uma real distribuição de renda em nosso país e adotem políticas de bem-estar social beneficiando a população pobre e carente, totalmente desassistida de políticas públicas.

Sem o combate à vergonhosa desigualdade social existente em nosso país, a população pobre continuará sendo vítima das organizações criminosas e do aparato policial.
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A classe média e a corrupção no Brasil

Por Flavio Lyra, no sítio da Adital:

O tema da corrupção, especialmente em sua existência associada ao desvio de recursos públicos para o favorecimento de empresas, de políticos e de pessoas comuns, constitui a pièce de résistance, o prato principal, do cardápio político da classe média.

Não sem fortes razões é assim, pois os membros da classe média conhecem de perto o funcionamento dos mecanismos da corrupção, seja como observadores, seja como executores das práticas envolvidas, através das posições que ocupam nas empresas e na administração pública; seja como beneficiários parciais dos resultados das fraudes.

A atitude de indignação que os membros da classe média revelam frente aos casos mais notórios de corrupção que chegam ao conhecimento público deve-se, em boa medida, a razões de ordem moral. Entretanto, não cabe descartar dois aspectos: os casos de corrupção de menor importância são muito difundidos e geralmente aceitos como normais; e os casos realmente importantes beneficiam apenas pequenos grupos contra os quais se levantam as vozes dos que ficam de fora dos esquemas: não há necessidade nem recursos de corromper a todos que aceitariam ser corrompidos. Existe um dito popular que define corrupção como "todo bom negócio para o qual não fomos convidados”.

As denúncias de casos de corrupção, bem como a insinuação de suspeitas a respeito, assumem assim em nossa sociedade a condição de arma política importante, porquanto fácil de ser mobilizada e acionada, quando conveniente, contra competidores e adversários, especialmente com a utilização dos meios de comunicação controlados por grupos minoritários vinculados à classe dominante.

Seu uso para fins políticos é sobejamente conhecido e muito bem aproveitado pela mídia que faz das denúncias e dos escândalos comprovados, material fértil para aumentar a venda de seus serviços ao público em geral e aos interessados diretos na divulgação das notícias pertinentes.

Para que a corrupção possa continuar sendo usada para atingir inimigos é indispensável que os atos que lhe são inerentes sejam vistos como desvios da normalidade. Os corruptos acabam sendo apenas aqueles que, em virtude de circunstâncias desfavoráveis, foram flagrados com a mão na massa e não tiveram o poder suficiente para corromper os responsáveis pela aplicação da lei ou para desviarem de si o foco das atenções.

À classe dominante não interessa, de modo algum, que venha à luz o fato de que a corrupção é inerente à forma de organização econômica em que vivemos, baseada na concentração da propriedade privada nas mãos de uma minoria, na exploração do trabalho e na acumulação de riqueza. Enfim, na organização capitalista. Daí que se esmere em manter a classe média, usando o controle que exerce sobre meios de comunicação, convencida de que o grande problema nacional é a corrupção, sem apontar suas causas reais.

O ofuscamento da questão política central, que é a luta de classes entre capitalistas e trabalhadores, por uma simples disputa dos partidos políticos em torno da questão da corrupção, mostra-se amplamente favorável à perpetuação do sistema capitalista e, portanto, é estimulado e promovido, a preço de ouro, pelos formadores de opinião vinculados às minorias que controlam a empresa privada e suas associações.

Aliás, fenômeno semelhante ocorre nos países capitalistas centrais. Nestes, a corrupção sistêmica inerente ao funcionamento do sistema de livre empresa, hegemonizado pelas grandes corporações privadas, que controlam de modo avassalador o poder político, não permite sequer a posta em prática de políticas que fortaleçam os mecanismos estatais de regulação da atividade econômica, que poderiam atenuar as formas fraudulentas de atuação das grandes empresas privadas, especialmente, os bancos.

Nos Estados Unidos e na Europa a disputa política central entre capitalistas e trabalhadores não vem à tona, pois aparece sob o disfarce de um conflito em torno do tema da intervenção estatal na economia, com os conservadores (Tea Party) defendendo à volta ao ‘paraíso perdido’ da máxima liberdade de empresa e os liberais defendendo um maior poder de regulação do Estado.

Para ambos contendores, não fica claro que o problema real reside exatamente na forma de organização econômica predominante, cujo funcionamento é dirigido para favorecer a acumulação da propriedade nas mãos de poucos e o empobrecimento da classe média.

Anteriormente ao primeiro governo do PT (antes de 2003), a bandeira da luta contra a corrupção estava nas mãos do PT. Nos anos subsequentes, os partidos derrotados nas eleições e as organizações de direita encontraram no combate nominal à corrupção o instrumento eficaz para demonizar o governo, o PT, e os movimentos de esquerda.

Por certo, que o PT, em sua ingenuidade ideológica, não percebeu a armadilha em que estava se metendo, ao copiar os métodos dos grupos políticos tradicionais no que respeita ao uso de recursos públicos para financiar arranjos políticos e atender a insaciável demanda de recursos desses grupos.

Para essa mudança de mãos da bandeira anticorrupção têm jogado papel primordial os quatros grandes grupos empresariais familiares que controlam os meios de comunicação no país: Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Globo e Veja.

A mudança deu-se com grande receptividade na classe média que, em sua ânsia de condenar o PT, como represália pela perda de privilégios que vem sofrendo para dar lugar à ascensão social dos segmentos mais pobres da população, chega a esquecer que os maiores escândalos de corrupção ocorridos no país, nos últimos tempos, não estiveram ligados ao PT: as privatizações nos governos de FHC, as operações financeiras de Daniel Dantas (operação Satiagraha), a operação Gautama, as fraudes do governo Arruda no Distrito Federal, e o recente caso de Carlos Cachoeira, que envolveu o Senador Demóstenes Torres.

Para entender o verdadeiro espírito da empresa capitalista e sua propensão natural à corrupção, basta concentrar a atenção no significado do lucro, que nada mais é do que o resultado do uso da capacidade da empresa para gerar receita e para reduzir custo. As formas como a receita é gerada e o custo é reduzido, dispensam qualquer juízo moral. Aplica-se ao caso o dito chinês: "não importa a cor do gato, o fundamental é que come ratos”.

O poder de mercado das empresas privadas é usado para aumentar as receitas e/ou reduzir os custos, portanto, para aumentar os lucros, sem qualquer justificativa ou preocupação social. Os oligopólios da indústria farmacêutica, por exemplo, aumentam seus lucros à custa da vida dos que não podem pagar seus preços exorbitantes. A Nike, mantém suas altas taxas de lucro, pagando míseros salários a trabalhadores asiáticos e contando com vultosos subsídios fiscais dos governos. A alma da empresa capitalista é a ideia de que tudo que aumenta a receita e diminui o custo, é meritório, pois aumenta o lucro e favorece a acumulação de riqueza

Quem aceita o discurso liberal de que o mercado é um mecanismo justo e eficiente de alocação de recursos e distribuição renda desconhece as poderosas forças que estão por trás da fixação de preços e de salários. Não existem mercados perfeitos, nem neutros, os preços a que compramos os produtos e vendemos nosso trabalho são apenas o reflexo das relações poder na sociedade. São eles que viabilizam a acumulação das grandes fortunas privadas nas atividades realizadas dentro da lei. Os preços e os salários, portanto, já são em si mesmos formas "corruptas” de realização das transações econômicas consideradas legais.

No mundo empresarial a corrupção é um elemento importante da estratégia de negócios, uma arma adicional para enfrentar a competição. Nenhuma empresa bem sucedida sobrevive sem um caixa dois que lhe permita registrar as operações que realiza fora do controle do fisco, nem sem o pagamento de comissões e propinas aos que com ela mantêm transações econômicas e financeiras.

Os inúmeros paraísos fiscais existentes no mundo, sinônimo de corrupção, são uma peça importante do sistema financeiro mundial, pois sem eles os recursos de origem ilícita (dos lucros que fogem à tributação, das rendas do tráfico de drogas e de armamentos, dos valores subtraídos aos países, através de operações de sub e superfaturamento do comércio, as propinas aos políticos e aos funcionários públicos) não teriam onde ser acumulados e transformados em "dinheiro limpo” para retornarem aos países de onde provieram, como investimentos.

Vivemos numa cultura em que o objetivo primordial é acumular riqueza. Uns o fazem respeitando em alguma medida as leis, outros o fazem através do roubo, do contrabando, do tráfico de drogas, da apropriação ilícita de recursos públicos.

Imaginar que em nossas sociedades os organismos do Estado pairam acima das formas corruptas de operação das empresas privadas é uma grande ilusão. Estado e empresas acham-se inteiramente imbricados. Os tentáculos das empresas privadas, especialmente das grandes empresas penetram em toda a estrutura do Estado. Para os partidos de esquerda que chegam ao poder, constitui uma tarefa verdadeiramente hercúlea governar sujeitos às pressões corruptoras inerentes à realidade econômica.

Não é crível admitir que, numa sociedade em que o financiamento das campanhas dos candidatos a postos eletivos é feita por empresadas privadas, a maioria dos políticos não atue em favor dos interesses das empresas financiadoras. Quem conhece o funcionamento do Legislativo brasileiro sabe precisamente quem são patrocinadores de seus membros.

Nossas sociedades são fundamentalmente corruptas, pois sua forma de organização econômica, voltada para a acumulação de riqueza por indivíduos e grupos de indivíduos, em detrimento do resto da sociedade, estimula permanentemente tais comportamentos.

A eliminação total da corrupção é, portanto, praticamente impossível, mantidas as instituições atuais. Ao contrário do que pensa a classe média, somente com a crescente participação das organizações populares no controle do poder econômico e da política é possível reduzir a corrupção. O desafio que está diante de nossas sociedades é enveredar pelo caminho de novas formas de organização econômica, social e política. Essa solução só pode surgir da classe trabalhadora e das organizações populares, as quais são as grandes prejudicadas pelas formas de organização atual.
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O desespero da oposição demotucana

Por Mauricio Dias, na revista CartaCapital:

Acostumada a se regalar com o controle do poder no Brasil, a oposição conservadora vive horas, dias, semanas, meses e, para ser mais exato, dez anos de desespero. E ainda pode ficar sem perspectiva por mais seis se aos dois anos restantes do primeiro mandato de Dilma Rousseff se somem outros quatro, em caso de reeleição da presidenta.

Pesquisa do Ibope, realizada entre 8 e 12 de novembro, aponta a dimensão da dificuldade da oposição numa disputa com ela. Está marcada para perder nas condições de agora. Ressalve-se, é claro, uma hecatombe política ou econômica e, ainda, uma interferência inesperada como, por exemplo, a do “Sobrenatural de Almeida”, personagem das ­elu­cubrações ficcionais de Nelson Rodrigues, especialista em criar surpresas.

Caso a eleição fosse hoje, mostra o Ibope, Dilma esmagaria todos os potenciais ­adversários ainda no primeiro turno. Ela obteve 58% das intenções de voto, contra 11% de Marina Silva (sem partido), 9% de Aécio Neves (PSDB) e 2% de Eduardo Campos (PSB).



Pesquisa Ibope mostra um cenário de reeleição de Dilma

É curioso destacar o resultado da ­sondagem espontânea: Dilma foi lembrada por 26% dos eleitores e Lula vem logo após, com 19% das menções. José Serra teve 4% de citações e Marina Silva, 2%. Ambos beneficiados pelo recall da disputa de 2010. Aécio Neves foi citado espontaneamente por 3%.

Aécio e Campos, ressalve-se, são pouco ­conhecidos. Dilma, dois anos antes da vitória, em 2010, também não existia. Lula fez a diferença.

Tabela inédita da pesquisa Ibope mostra a tendência e a lógica da distribuição das intenções de voto por região. A presidenta Dilma cresceu em todas as regiões e, como já se sabia, alcançou melhor apoio do eleitorado do Sul do País do que Lula.

Marina tem bom desempenho na área dela: os rincões do Norte/Centro-Oeste, Aécio Neves desponta no Sudeste, onde mora e faz política, e Eduardo Campos, com base em Pernambuco, é melhor no Nordeste.

Tudo é possível a dois anos da disputa para a Presidência. A oposição percebeu, no entanto, que para construir uma candidatura ­viável para 2014 tem de começar agora. E o ambiente político reflete claramente a disputa pelo poder. Uma disputa não necessariamente tendo em vista a conquista de votos, já que a maioria do eleitorado não abandonou o PT, como se viu na eleição municipal.
Os petistas, em 2010, conseguiram quase 17,5 milhões de votos. Um número superado, por pouco, se somados os votos do PSDB (13,9 milhões) e DEM (4,5 milhões), os dois partidos que, organicamente, mais expressam a reação conservadora. Nessa conta, a grande diferença é que o PT cresceu quase 4,5%. Pouco em relação a 2008. No mesmo período, entretanto, o PSDB e o DEM encolheram. A queda dos tucanos foi pequena (4,18%), mas, a do DEM foi superior a 50%.

A oposição, desnorteada por isso e, principalmente, sem programa alternativo, tem dificuldade para encontrar um candidato. Esgotaram-se as opções paulistas. José Serra perdeu duas vezes. Uma vez perdeu Alckmin. O mineiro Aécio Neves se oferece. O pernambucano Eduardo Campos vacila.

Isso projeta o ciclo Lula-Dilma ao menos por mais quatro anos, se não for interrompido abruptamente. Isso porque o desespero, quando não leva ao suicídio, empurra o desesperado para o crime.
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O público, o privado e FHC

Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Acabo de ler uma mensagem de um leitor que merece as luzes do holofote, porque faz pensar. O autor dela se chama Manuel Henrique.

O texto é auto-explicativo, e demonstra apenas que o PT pode ser culpado de muitas coisas, a maior das quais é ter frustrado as expectativas de muita gente que acreditava que o partido tinha um código de ética puro como São Francisco de Assis.

Mas não dá para acusá-lo de ter inventado a nomeação de amigos e fazer o que FHC definiu, hoje, como uma “mistura entre o público e o privado”.

Ao texto de Manuel:

Hoje, os jornais destacaram a fala de FHC em um seminário, em que criticou subrepticiamente Lula por misturar o público e o privado. Seria cômico, se não … Mesmo nos comentários anti-FHC poucos lembraram do quanto ele misturou o público e o privado. FHC sabe bem do que fala. Afinal, como presidente da República, nomeou o então genro David Zylbersztajn como diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo (sem nem passar pela sabatina do Congresso) e para o Conselho Administrativo do Banco do Brasil. Também garantiu emprego para o filho Paulo Henrique no comissariado-geral responsável pelo pavilhão do Brasil na Expo 2000, na Alemanha. O comissariado, criado por decreto presidencial, geriu projeto orçado em R$ 14 milhões, mas realizado por 18 milhões, com recursos públicos. Para montar o estande foi contratada (sem licitação), por R$ 13,7 milhões, a Artplan Prime, uma agência de publicidade (!) dirigida por Fernanda Bornhausen Sá e Ricardo Dalcane Bornhausen, filha e sobrinho do então senador Jorge Bornhausen, na época presidente do então PFL (aliado do governo e hoje renomeado DEM). E olha que nem falei na “boquinhas” que Fernando Henrique conseguiu para o mesmo filho nas ex-estatais Companhia Siderúrgica Nacional na Light. Tudo isso enquanto ocupava a Presidência da República. Temos que reavivar essas memórias.
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