Crônica de uma guerra anunciada
O que era para ser festa pelos 458 anos de São Paulo virou vergonha, preocupação e convite à reflexão.
O estopim foi aceso no domingo, 22, ao raiar da madrugada, quando a Polícia Militar paulista removeu à força os moradores de um terreno vazio do município de São José dos Campos, o Pinheirinho, pertencente à massa falida do investidor Naji Nahas. Cerca de 6 mil pessoas viviam na área de 1,3 milhão de metros quadrados.
A operação tinha o respaldo de uma decisão judicial estadual, contestada por setores da Justiça Federal.
Decisão judicial emanada, a PM foi a campo. O ambiente era de conflito, pois os ocupantes organizaram-se para resistir. E o que era para ser mero ato jurídico converteu-se numa batalha campal. Os militares expulsaram as pessoas de seus barracos, que foram sucessivamente destruídos por tratores. O confronto foi inevitável. Carros queimados, feridos, dezenas de presos, choques e pancadaria, cenas que se repetiriam nos dias seguintes. Tudo em doses desproporcionais ao que se tinha de fato no Pinheirinho: 1.500 famílias convencidas de que seria possível ter ali um canto para viver. Não havia exércitos inimigos nem “classes perigosas”, mas uma guerra terminou por eclodir.
A ocupação do Pinheirinho ocorreu em 2004. O acampamento proliferou. Converteu o terreno num bairro, com comércio e igrejas. Deu perspectivas de vida e moradia a milhares de pessoas. Ao longo do tempo, suas lideranças procuraram negociar a desapropriação pública do terreno e a atenção dos poderes municipais. Talvez não tenham tido a habilidade necessária, talvez não tenha sabido buscar os apoios e os meios necessários, certamente encontraram resistência, protelação e má vontade. Nos últimos tempos, era clara a vontade de se ter uma saída negociada. A solução, porém, foi sendo postergada pelo poder municipal, desprovido de inteligência e de política urbana. Município, Estado e União assistiram ao crescimento do bairro e nada fizeram para gerenciar o que ali estava se gestando. Tiveram 8 anos para isso. Aí, de repente, na calada da noite, decide-se remover à força os ocupantes. Insensatez.
É fácil criticar a PM, mas a ação foi estatal, autorizada. Teria agido a PM à revelia do governador ou a principal autoridade paulista não teve como escapar do fato de que “decisão da Justiça não se discute, cumpre-se”? Tão correta quanto esta máxima, é a consideração do modo como uma decisão deve ser cumprida, a avaliação de suas consequências. Não era evidente que a remoção levaria a choques e confrontos? Que milhares de pessoas seriam prejudicadas? Sabia-se disso tudo porque tudo era de conhecimento público. Processos de desocupação à força ferem direitos, produzem vítimas e criam muito mais problemas que soluções.
Apesar disso, não houve uma voz que ponderasse e suspendesse a operação. Que freasse o massacre que se anunciava. A falta de flexibilidade horroriza porque, no dia anterior, o Tribunal Regional Federal interrompera a reintegração de posse e também porque, uma semana atrás, estava bem avançado um acordo entre as partes envolvidas. Faltou política com P maiúsculo. Não apareceu ninguém – partidos políticos, lideranças democráticas, poderes públicos – para facilitar o encontro de uma solução negociada. Somente as lideranças do Pinheirinho mobilizaram-se, com a ajuda efêmera de alguns ativistas. Deu no que deu.
A repercussão foi imediata. As redes ferveram. A mídia repercutiu os acontecimentos. A OAB classificou como ilegal a reintegração de posse, realizada apesar de ordem da Justiça Federal mandando suspender a ação. Exacerbou-se o conflito de competências federativas. O governador de São Paulo prometeu verificar se houve abusos na operação. Da sociedade civil e de Brasília choveram críticas a ele e ao PSDB. Houve manifestações. A questão se politizou. O que era para ser ato pontual converteu-se em tema nacional, eleitoral, alimentado por uma tragédia social.
Por trás dele, um mar de dúvidas e perplexidades. Por que beneficiar proprietários em detrimento de moradores pobres? Não seria por um desejo não revelado de especulação imobiliária, por acertos espúrios entre alguns “anéis burocráticos”? Por que nada se fez pelo Pinheirinho no correr dos últimos anos, tempo em que os gestores públicos assistiram impassíveis à consolidação do bairro? Uma nódoa manchou os governos estadual e municipal, e o PSDB por implicação. Será difícil apagá-la. Ela respingou no sistema político como um todo, chegou a Brasília, ao Ministério das Cidades e não só a ele. Sempre é fácil apelar para o pacto federativo quando se trata de justificar a ausência de políticas e o abandono dos mais fracos. Também é fácil falar em soluções ex-post facto.
A falta de ação política positiva, capaz de gerar consensos e soluções, ficou evidente no Pinheirinho. Mas está em toda parte. Os ambientes atuais estão congestionados de posições referenciadas por princípios que não se compõem com facilidade: o desejo de justiça, igualdade e liberdade versus a exigência de controle. É uma polarização que só tem feito se agravar. Aparece no modo como se pensa e se pratica a política hoje, na tensão despropositada entre representação e participação. Mostra-se na face autoritária e no particularismo dos governos, sempre prontos a defender os mais fortes.
Será preciso esforço, ideias e tempo para que amadureçam soluções democráticas consistentes para os problemas que estão a emergir da revolução atual, que está revirando os fundamentos do viver coletivo, e desta crise orgânica que está fazendo com que o capitalismo aprofunde suas imperfeições, desorganize os sistemas de produção e distribuição, as formas de vida, as identidades e os modelos políticos, complicando e problematizando as capacidades coletivas de reação e emancipação. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 28/01/2012, p. A2].
A VELHA MARMITA RANÇOSA DA MÍDIA BRASILEIRA
Por Cristóvão Feil, do Diário Gauche (publicado originalmente no Jornalismo B*)
O jornal britânico Financial Times, uma das bíblias do neoliberalismo, caiu na real e está fazendo uma série de matérias sobre a crise estrutural do capitalismo, se dando a liberdade de cogitar que estamos experimentando o limiar de um novo sistema de produção, mesmo não se sabendo ao certo aonde iremos.
Esse não é qualquer jornal. O FT é uma publicação que circula desde 1888, tem uma tiragem diária de 2,1 milhões de exemplares, circula em 140 países e tem agências editoriais em 50 países.
.
Corte rápido.
.
O diário paulistano O Estado de S. Paulo estampou em suas páginas, no dia 23 de janeiro último, um artigo do ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, em que ele afirma que os altos ganhos salariais são um dos fortes fatores da atual crise econômica da eurolândia. Pronto, sobrou para os assalariados! É inacreditável que a essa altura da crise alguém ainda atribua a mesma motivações que não as das finanças hipertrofiadas, o descontrole do crédito e a desregulação geral da atividade econômica, em especial a liberdade de ação dos grandes capitais bancários na Europa e no mundo todo.
Observem que enquanto um jornal de reputação internacional – podemos questionar a sua afiliação político-ideológica – trata da crise de forma direta, frontal e corajosa, o outro, um jornal provinciano como o Estadão, insiste em manter um séquito de especialistas em produzir vianda requentada, como se fora algo fresco e atual, para assuntos tão relevantes como a crise do capitalismo.
Essa é a grande dificuldade da mídia brasileira: servir marmita rançosa como se estivesse oferecendo peixe fresco grelhado sobre folhas tenras. O problema não é o proselitismo de direita tout court, o problema é o proselistismo de direita, proferido por velhos funcionários da ditadura civil-militar (como Maílson e tantos outros) envolto no papel engordurado do palpite manjado, da opinião pessoal e interessada travestida de vontade geral e republicana.
Prestem atenção: a mídia está coalhada de indivíduos, colunistas, apresentadores, leitores de telepromter e outros quetais que estão ali para expressarem as vozes dos seus donos (ou dos seus patrões e dos amigos dos seus patrões). Entretanto, querem representar o papel de porta-vozes do universal, do democrático e do espírito de nosso tempo.
Ainda bem que eles são péssimos atores e atrizes.
Coisas da vida.
*O blog Jornalismo B está em campanha de assinatura da sua publicação em papel. Clique aqui e prestigie.
Pedágios: concessões não serão renovadas e tarifas mais baratas no RS
Em consonância com o Relatório de Concertação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-RS), o governo estadual decidiu não renovar as concessões de pedágios no RS. Uma consultoria contratada por licitação irá apresentar nos próximos meses estudo sobre o novo modelo a ser implementada a partir de 2013, quando vencem os atuais contratos estabelecidos durante o governo de Antônio Britto. Os estudos da consultoria deverão apresentar pelo menos três alternativas: pedágios privados, comunitários e sem as rodovias federais.
Segundo o secretário de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque, “o atual contrato possui uma taxa interna de retorno de 22%, o que é irreal para a atual situação econômica do Brasil”. A taxa de retorno representa o lucro das concessionárias a partir da cobrança de pedágio. A cada R$ 6,00 pagos pelo usuário, R$ 1,32 não são revertidos em obras de manutenção, conservação e ampliação das estradas. Numa rodovia com volume d tráfego diário, isto representa uma rentabilidade de aproximadamente R$ 198 mil ao mês em uma única praça de pedágio. Beto destacou que o atual modelo também não prevê investimentos na qualificação e ampliação das estradas. “Queremos um modelo que garanta maiores investimentos”, completou o secretário. Mesma opinião do chefe da Casa Civil Carlos Pestana, que anunciou uma nova licitação. “Faremos nova licitação que deverá atender duas premissas: tarifas mais baixas e investimentos nas rodovias”, informou.
A questão do atual modelo de concessões de pedágios no RS é polêmica desde o seu início, em 1998. Na época, o governo do PMDB optou por dividir o estado em pólos rodoviários concedidos onde a mesma tarifa seria cobrada em todas as praças, desrespeitando as realidades e necessidades regionais e a prática de escolha do consórcio de administração de cada praça a partir do binômio maior trecho concedido e menor tarifa praticada. Também não estabeleceu serviços de apoio aos usuários e estabeleceu como compromisso das concessionárias apenas a manutenção e conservação, deixando de forma a qualificação e ampliação das estradas.
Nos primeiros dias de sua gestão, o governador Tarso Genro criou no âmbito do CDES-RS a Câmara Temática Pedágios, responsável por realizar o diagnóstico da situação e apontar diretrizes para um novo modelo. Entre as decisões da Câmara estão a de não renovar os atuais contratos e estabelecer um modelo híbrido, contendo pedágios públicos e concessões conforme a necessidade e realidade de cada região e estrada, o estudo do impacto social, econômico e ambiental sobre cada praça de pedágio, a necessidade de qualificação e ampliação das rodovias, segurança nas relações contratuais, programa permanente de pesagem atendimento ao usuário 24 horas por dia e o estabelecimento de mecanismos de fiscalização pública, controle social e transparência sobre o volume de tráfego, arrecadação e investimentos.
Assinar:
Postagens (Atom)