1. O capitalismo destroi a natureza e o trabalho (Tese a priori sobre a natureza do capitalismo)
2. A quantidade de natureza e de trabalho a ser destruída está acabando (É um problema de oferta e procura!)
3. Se não há natureza ou trabalho a destruir, então o capitalismo acaba (Primeiro condicional boffiano)
4. Portanto, o capitalismo está a ponto de acabar (Segue de 1, 2 e 3)
Tirando a vaga menção ao nome de Karl Marx, acompanhada do adjetivo “profético”, o qual é interessante quando usado por um teólogo, não há o devido esclarecimento sobre nada disso. Ao invés da clareza e da precisão de Saul Leblon, Boff só nos apresenta afirmações sem bases adequadas, e um adjetivo. É claro, a premissa 3 recebe arremedos de esclarecimentos. Um deles é uma pergunta retórica:
«Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.»
É intrigante que Boff considere que o capitalismo, especificamente, não possa “se reproduzir sem a natureza”, mas nada diga sobre outros modos de organização econômica e política, seja esse a sociedade neolítica ou o mundo burguês dos Jetsons. Ele por acaso conhece alguma alternativa social que “se reproduz” sem ecossistema algum, “sem a natureza”? Sou todo ouvidos. Caso ele não conheça tal alternativa social, a qual seria independente de mundo algum, eu diria que ele deveria ter dito algo um pouco diferente de 3. Por exemplo:
3’. Se não há natureza, então não há organização social alguma
O que é apenas uma trivialidade, dado que para haver alguma organização social, capitalista ou não, é preciso haver seres humanos, e esses requerem um habitat, como ocorre com todos os animais. Vamos combinar que seria abuso colocar na boca de Marx um lugar comum desses.
As explicações de Boff sobre o trabalho são mais intrigantes. Lembre que ele está dizendo que o capitalismo precisa da oferta de trabalho a “destruir” para “se reproduzir”. Assim sendo, o capitalismo chegaria ao fim por não ter mais trabalho a explorar. Mas Boff, no seu arremedo de explicação, nos diz que ocorre o contrário: há cada vez mais desempregados – logo, haveria cada vez mais trabalho a explorar! A razão de Boff para aceitar que o capitalismo vai acabar por não haver mais trabalho a explorar nos leva a crer no contrário, isto é que há cada vez mais trabalho a explorar. Bizarro, indigno da vizinhança de Saul Leblon,
Immanuel Wallerstein e Amartya Sen.
Em seguida Boff apresenta uma “segunda razão” para seu apocalipse. Só que é uma razão para um argumento diferente:
5. Se o capitalismo gera uma crise humanitária em nível global, e os cidadãos do mundo todo se rebelam contra o capitalismo, então o capitalismo acaba (Segundo condicional boffiano)
6. O capitalismo tá gerando uma crise humanitária em nível global, e os cidadãos do mundo todo se rebelam contra o capitalismo (Baseado nas reportagens sobre os indignados da Espanha)
7. Portanto, o capitalismo tá acabando (Segue de 5, 6)
O problema aqui é, primeiro, a ambiguidade da rebelião contra o capitalismo. Certo, como Boff indica, há protesto aqui e ali (não global...), principalmente na Europa, contra o rentismo. Mas isso não quer dizer, por si só, que os indignados querem algo diferente do capitalismo. A meu ver, o que eles querem é, justamente, oportunidades para prosperarem na sociedade capitalista, o que eles não tão tendo.
O problema também é, segundo, que crises humanitárias não são suficientes para acabar com um sistema social, nem hoje nem nunca. É mero pensamento positivo achar que um sistema cai porque faz mal pra saúde.
Em seguida vem uma pérola sobre ensino técnico e esclarecimento, mais ou menos assim:
8. Se alguém faz ensino técnico, então passa a conhecer a natureza perversa do capitalismo (Terceiro condicional boffiano)
9. O capitalismo faz cada vez mais pessoas cursarem ensino técnico (Que seja)
10. Portanto, o capitalismo faz cada vez mais gente conhecerem sua natureza perversa (Segue de 8, 9)
Este argumento é curioso por três motivos. Antes de tudo, por motivos sociológicos: o ensino técnico, tão apedrejado por certos defensores de Paulo Freire, ganhou Boff como defensor!
O argumento também é curioso por supor que aprender a pilotar uma empilhadeira é descobrir a natureza profunda do capitalismo. Ler O capital pra quê?
Por fim, o argumento é curioso por implicar, de maneira hilária, que se alguém descobre que algo é “perverso”, então essa pessoa tenta destruir tal fonte de perversidade. ¡LOL!
Enfim, este tipo de geleia mental não é digna de um site que nos dá bases sólidas para a formação de opiniões, como a Carta maior. Tá mais pra notícia do Sensacionalista.