PT e PSDB: Por Que as Divergências são Inconciliáveis

Artigo de José Dirceu, publicado na Revista Interesse Nacional

Nos derradeiros meses de 2009, procurou-se instalar no Brasil um debate mais profundo sobre o processo histórico vivenciado – no nosso país e no mundo – nos últimos quinze anos e sobre uma nova agenda que devemos adotar a partir de agora diante dessas transformações.

É compreensível o despontar de tal preocupação, se não por outros aspectos, devido a um conjunto de fatores e ao desenrolar de fatos, quais sejam: a ocorrência da mais grave crise econômica internacional desde o crash da Bolsa de Nova York, em 1929, responsável por consumir em apenas um ano US$ 3 trilhões em todo o mundo; a abertura da possibilidade de comparação, sob o mesmo parâmetro de oito anos, de dois governos distintos (governo do presidente Lula versus governo de Fernando Henrique Cardoso); e, finalmente, a aproximação das eleições presidenciais de 2010, que certamente acirrará tal debate.

As manifestações propositivas e críticas já apresentadas – algumas mais sensatas do que outras – perpassam, e são motivadas, direta ou indiretamente, pelos três acontecimentos citados. Além disso, têm como pano de fundo a reflexão inevitável que o aniversário dos vinte anos da Queda do Muro de Berlim nos instiga a fazer sobre o papel da esquerda e de suas bandeiras a partir de então, bem como a constatação, mesmo que não consciente ou não explicitada, de que os sete anos de governo Lula levaram o Brasil a encerrar um ciclo político historicamente arraigado e a alcançar um novo patamar de discussão do nosso futuro (ainda que subsistam problemáticas próprias ao período anterior, o que se constitui em condição sine qua non dos processos históricos).

Para citar apenas alguns dos nomes envolvidos no debate, nos mais diversos veículos de comunicação brasileiros, tais questões ganharam o interesse de Rubens Barbosa (ex-embaixador em Washington e Londres, integrante do conselho editorial desta revista), Renato Janine Ribeiro (filósofo e também membro do conselho editorial da Interesse Nacional), Fernando Henrique Cardoso (ex-presidente da República e uma das lideranças nacionais do psdb), Cândido Mendes (membro da Academia Brasileira de Letras e da Comissão de Justiça e Paz, presidente do “senior Board” do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco e secretário-geral da Academia da Latinidade) e, finalmente, Carlos Guilherme Motta (historiador da Universidade de São Paulo - usp).

Embora tenha sido o artigo de Fernando Henrique Cardoso o estopim para as manifestações de Guilherme Motta e de uma série de outros ecos, quero entrar no debate a partir das reflexões propostas por Rubens Barbosa e Renato Janine Ribeiro, ou seja, sem me preocupar com a sequência cronológica que desencadeou tais intervenções. Avalio que, assim, minha participação poderá ser mais profícua e esclarecedora.
 
A hipótese esboçada
 
O embaixador e o filósofo adotam como eixo central de suas contribuições uma imaginária convergência entre o Partido dos Trabalhadores e o Partido da Social Democracia Brasileira. Ambos defendem que tal hipótese seria uma grande novidade na política brasileira, por serem as duas legendas artífices dos governos de Lula e fhc, respectivamente. Mas tanto Barbosa quanto Ribeiro admitem, corretamente, que tal propositura não encontra respaldo na realidade.

De fato, a ideia soa estranha ao que se desenhou e ao que vem sendo desenhado no cenário político nacional nos últimos quinze anos. Antes de mais nada, não vejo possibilidades de união do pt com o psdb, para deixar claro, de pronto, meu posicionamento nesse debate. Mas considero válido esclarecer certos aspectos das colocações e argumentações que os dois pensadores listaram, para que se entendam as diferenças que tornam tal exercício de imaginação impossível de concretizar-se.

Sob o título “Seria Possível uma Grande Coalizão no Brasil?” (edição 7 desta Interesse Nacional), Renato Janine Ribeiro escreve que a oposição mútua entre pt e psdb trouxe o avanço de relegar a direita brasileira a um papel secundário na disputa presidencial e na formação dos seus governos de coalizão, mas que, na atual conjuntura, os males resultantes dessas coalizões estão levando a classe política a perder credibilidade e evitando a realização de reformas importantes – a principal delas, a política. Com essa avaliação, Ribeiro sustenta a necessidade de uma aliança entre os dois partidos em torno de uma agenda comum a partir de 2011, independentemente de quem venha a sair vencedor das urnas em outubro de 2010. O próprio autor reconhece as dificuldades dessa aliança, mas se equivoca ao considerar que os entraves são cada vez mais de ordem não-programática e/ou de concepções não-divergentes de país.

Ledo engano. Como as ideias ocultas no artigo de fhc nos revelam, há, sim, fortes divergências programáticas e de concepções entre pt e psdb, como veremos mais adiante. Por ora, devemos ressaltar que um fator que pode ter criado a quimera concebida por Ribeiro seja a existência de temas sobre os quais os dois partidos se posicionam. Mas isso não é suficiente para identificar uma convergência de propostas e interesses.

Se recuarmos um pouco no tempo, veremos que tal fabulação é assunto recorrente para Ribeiro. Em 2003, ele publicou o texto “pt versus psdb”, na revista lusa O Mundo em Português. Tratava antes da distância que se consolidou ao longo dos anos entre os dois partidos, mas vislumbrava como ponto de partida desse distanciamento as eleições de 1994. De fato, a clareza que o passar do tempo nos dá permite enxergar que o dna dos partidos já era distinto desde as eleições presidenciais de 1989, quando Lula foi ao segundo turno contra Fernando Collor de Mello, e os tucanos, puxados por fhc, hesitaram em um apoio de primeira hora ao então candidato do pt. Podem tentar esconder, mas setores do psdb cogitaram um flerte com a direita que animava Collor, tendência que o tucanato acabou concretizando e intensificando anos depois.
 
Se o embrião das disparidades entre os dois partidos já estava sendo gestado em 1989, Ribeiro tem razão quando aponta a data de cinco anos depois, 1994, como o nascimento do verdadeiro psdb – até então incubado. Novamente liderado por Fernando Henrique Cardoso, os tucanos guinaram à direita para buscar no Partido da Frente Liberal, aquele mesmo de tantos personagens que adornaram a Ditadura no Brasil, os lençóis de seu futuro governo. Mas não foi só. Juntos, a direita e o psdb importaram e aplicaram o programa neoliberal em solo brasileiro – aí, mais uma divergência de concepção.

Em sua análise dos dois partidos, o filósofo se concentra em identificar no pt a expressão da vertente democrática brasileira, a partir de seu anseio de igualdade, enquanto que o psdb expressaria a vertente republicana, em forma de busca da universalidade. Mas já nessa ocasião, o autor apontava para o problema de ser o psdb mais republicano no discurso do que na prática, ao elevar o capital (uma particularidade) ao status universal. Essa elevação se deu justamente na gestão fhc com o programa neoliberal abraçado e incorporado pela aliança com o pfl (ex-pds, ex-Arena na Ditadura, hoje, dem). Em contrapartida, o Partido dos Trabalhadores seguiu com a busca da igualdade.

Outro artigo de Ribeiro, “Três saídas para a crise”, publicado em série no jornal Valor Econômico, em 2005, repisa a tese de que o distanciamento entre o pt e o psdb foi importante para acuar a direita e que esse ciclo estaria terminado. Assim, evoca a “grande coalizão” na Alemanha Ocidental de 1966, quando a direita se aliou ao spd, para acreditar na possibilidade de uma aliança pt-psdb. “Não é uma aliança para sempre. O psdb simpatiza mais com o capital, o pt nasceu do mundo do trabalho”, escreveu ele. E, novamente, apresentou uma diferença essencial entre as duas legendas.

O embaixador Rubens Barbosa se inspira nas palavras de Renato Janine Ribeiro, mas também cita o artigo de fhc, que a seu ver ensejou o debate. Ciente de que a aliança imaginária não tem como prosperar, já que “o ideário dos dois partidos tem origens bastante distintas e, sob muitos aspectos, são irreconciliáveis”, Barbosa projeta a construção de uma agenda em comum em favor do Brasil para 2011. Cita também a Alemanha, lembrando que lá as coalizões se dão pós-sufrágio, não antes, como aqui. E inclui na agenda os temas da estabilidade da economia, a democracia, os avanços no campo social, a projeção externa do país e as reformas estruturais que “melhorarão a competitividade dos produtos brasileiros e simplificarão a vida do cidadão e das empresas”: política, tributária, trabalhista e da previdência social. Barbosa parte do pressuposto de que o novo governo terá pouco tempo para negociar junto ao Congresso Nacional as mudanças necessárias ao avanço do país, forçando-o à composição com outros partidos. Em caso de impasse, há riscos de comprometimento dos avanços realizados até aqui. É nesse contexto que o embaixador propõe uma convergência (“uma trégua”) entre pt e psdb para os cem primeiros dias de governo, para a aprovação de uma agenda mínima na qual os demais partidos agregariam os votos para a formação de maioria qualificada, sem os custos políticos que o atual sistema impõe.

Ocorre que o embaixador apresenta temas importantes para a nova agenda, aos quais podemos agregar, entre outros, o papel do Estado e sua reforma, o papel dos bancos públicos, o crescimento sustentável, o desenvolvimento de novas tecnologias para produção de energia limpa associadas ao aprofundamento das técnicas já qualificadas de obtenção de combustível fóssil, as políticas industrial e de inovação dentro das políticas de fortalecimento da indústria nacional e do mercado interno, a intensificação das ações de distribuição de renda e o incremento da infraestrutura nacional. À luz desse conjunto de temas, fica claro que alguns pressupostos do exercício que Barbosa faz encontram entraves no alto grau de mudança da realidade, de acordo com os ares da política.

A primeira variável intransponível é a que se refere ao exemplo alemão, pois em nosso país o processo de escolha do chefe de governo se dá de forma inversa à germânica. Além disso, embora ambos sejam Repúblicas Federativas, a Alemanha é parlamentarista, e o Brasil, presidencialista. Aqui, são as alianças formadas antes e ao longo da campanha que irão dar sustentação ao novo governo e, inclusive, permitir que uma candidatura seja sólida durante todo o período eleitoral. Mas o mais relevante é que a lógica das eleições brasileiras pode pôr em xeque o segundo pressuposto de Barbosa, o de que o próximo governo no Brasil irá encontrar dificuldades e pouco tempo para negociar com o Congresso, com risco de impasse e paralisação das reformas. Ora, essa condição só será conhecida depois de transcorrido todo o processo eleitoral, que vai desde a formação das alianças até a abertura das urnas, quando soubermos a nova configuração do Legislativo nacional. Nesse sentido, é perfeitamente possível um cenário no qual a ministra Dilma Rousseff saia vencedora das urnas, com apoio de amplo arco de alianças partidárias – pmdb, pc do b, psb, pdt, pr – com um programa definido de reformas capaz de intensificar as iniciadas no governo Lula, dispondo de maioria parlamentar e nos estados, formada a partir da eleição de quadros dos partidos que a apoiaram na campanha.

Esse cenário diverso do imaginado pelo embaixador Rubens Barbosa tem sido trabalhado diuturnamente pelas lideranças do pt e, a cada dia, tem conseguido caminhar para sua concretização junto às demais legendas. Portanto, não nos podemos arriscar a tecer prognósticos sobre realidade política tão distante no tempo.

A agenda neoliberal

Como já disse acima, as divergências entre psdb e pt são inconciliáveis. Para além das razões que pontuei de forma rápida, o nó górdio dessa incompatibilidade de concepções que distancia de maneira definitiva o que pensam e como atuam pt e psdb pode ser identificado em duas vertentes: o tratamento conferido ao Estado (seu tamanho, seu papel, sua atuação) e o tratamento dado às classes historicamente desfavorecidas.

Considero o texto “Para onde vamos?” de Fernando Henrique Cardoso, publicado no Estado de S. Paulo (1º de novembro de 2009), um excelente exemplo dessas divergências. Destaco, primeiramente, que toda a narrativa fernandista é acompanhada de um pouco-caso em relação à vontade popular. Assim, a qualidade de Lula que o aproxima do povo (sua capacidade oratória) é criticada. Da mesma forma, a aprovação do governo Lula por sete em cada dez brasileiros é vista como indício de risco autoritário e totalitário. Lembremos que havia grande aprovação na população à ideia de mudar a Constituição para que fosse permitido um terceiro mandato presidencial (ainda hoje Lula é citado nas pesquisas de intenção de voto para 2010). Mas, democraticamente, em mais uma mostra de respeito às regras do jogo, a mudança constitucional foi descartada. Anos antes, no governo fhc, a Constituição foi alterada para que ele concorresse à reeleição. Se seguirmos o raciocínio do ex-presidente, com o psdb no poder é que devemos temer tentações atentatórias à democracia.

A par do tom de superioridade acadêmica que empresta à discussão, fhc acaba por tecer não uma crítica, mas um lamento em forma de suposta análise política do governo Lula. Nesse sentido, conduz suas palavras pela opção de elencar os feitos, os avanços e as novas temáticas surgidas no governo Lula, associando-as a uma censura a não se sabe exatamente o quê. Sua formulação é a de que se avizinha um “autoritarismo popular, cuja herança será um subperonismo, formulação que conta com a concordância, manifestada também no jornal O Estado de S. Paulo, pelo historiador da usp Carlos Guilherme Motta. Para tentar qualificar sua natimorta tese, menciona, de forma ofensiva, os discursos do presidente Lula, a relação Estado–economia–sociedade, o marco regulatório do pré-sal, a compra de aviões pela Força Aérea Brasileira, a participação estatal na Vale, as viagens de Lula pelo país, a visita do presidente do Irã, a existência de grandes obras (Transnordestina, o trem-bala, a Norte-Sul, a transposição do São Francisco e os projetos do Plano de Aceleração do Crescimento), o programa “Minha Casa, Minha Vida”, os investimentos em biocombustíveis (cita o biodiesel de mamona e o etanol), os resultados da agricultura familiar e o papel do bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social) e dos fundos de pensão. Curioso o tucano não ter incluído em sua lista o Bolsa Família (por que será?).

Sinceramente, fhc parece perdido em meio a tantos temas que hoje fazem parte da pauta nacional por conta dos avanços que o país conquistou nos últimos sete anos. Digo parece porque seu artigo, no fundo, é tentativa vã de buscar uma bandeira, uma marca para uma aliança do psdb com a direita, que atualmente se encontra sem condições de formular alternativas ao projeto de Brasil que o governo Lula tem implementado. Ciente da proximidade cada vez maior das eleições, fhc dá um salto para tentar romper a “inércia” da oposição e fugir da comparação dos governos do psdb e do pt. Não por acaso ele concede entrevista a El País na qual diz não haver diferença entre as políticas econômicas adotadas em seu governo e as do presidente Lula. Talvez tenha sido essa miragem a responsável pela inspiração de Renato Janine Ribeiro e Rubens Barbosa para enxergar convergências entre os dois partidos. Mas o que incomoda fhc e o psdb é que todo o conjunto de medidas e políticas que criticam é resultado de um planejamento que rompeu com a agenda neoliberal para imprimir um viés nacional popular, isso mesmo, e desenvolvimentista, responsável por colocar o Brasil em novo patamar, interna e externamente, e amplificar os anseios populares ao redor do país, atendendo-os de forma estruturada.

Relembremos 1994, quando o psdb inicia sua fusão com a direita, perceptível na aliança com os descendentes da Arena, que se estendeu por anos e perdura até os dias atuais, e na direção que imprimiram ao chegar à Presidência da República. A concepção que implementaram foi importada do Consenso de Washington, difundido no vácuo da Queda do Muro de Berlim, e prescrevia: privatização das empresas estatais, para diminuição do Estado; ilusão do câmbio fixo na paridade real-dólar; política de juros elevados, atraente ao capital especulativo; aumento da carga tributária (7% do Produto Interno Bruto), para sustentação da irrealidade do câmbio e dos juros; controle inflacionário; terceirização da gestão pública; e corte dos gastos públicos. No campo social, políticas tímidas com caráter compensatório. O receituário foi cumprido à risca e, quando resultou na explosão da dívida pública e do desemprego, além dos choques causados pelas crises da Rússia e do México, a saída encontrada foi enxugar ainda mais a máquina, aumentar mais os juros e acentuar a carga tributária (àquela altura o patrimônio do Estado já havia sido dilapidado). Não havia planejamento para a indústria e desenvolvimento tecnológico, mas muito favorecimento ao capital externo nas privatizações. Antes mesmo da crise econômica iniciada em 2008, o modelo já estava desgastado no Brasil.

A bússola do governo Lula

No momento em que o pt e Lula chegaram à Presidência da República, com amplo apoio popular, houve alimentação de incertezas por parte da imprensa junto ao mercado e aos setores empresariais. Começa-se, então, a implementar uma série de políticas públicas completamente diversas das aplicadas na gestão do psdb, em uma real retomada da agenda desenvolvimentista e do projeto de desenvolvimento nacional, pré-ditadura militar, que deveriam ter sido abraçados pelos tucanos, mas não foram. Na economia, o cuidado teria que ser maior, pois era necessário enfrentar a crise herdada e desfazer, uma a uma, as armadilhas neoliberais introduzidas ano a ano no governo fhc. Mas a existência de um projeto de Brasil sustentou a elaboração de um planejamento que, hoje, todos sabem, tem sido acertado. Um projeto em que o Estado é recuperado em suas funções mais básicas de gestor e pode, de fato, atuar com firmeza onde é necessário. Como bem expressou Cândido Mendes nesse debate, em seu artigo “Para onde não vamos”, publicado na Folha de S. Paulo, “o governo Lula reassegurou a presença do Estado para a efetiva mudança da infraestrutura, que pede o desenvolvimento, atrasado durante o progressismo liberal do psdb”.

A partir dessa nova compreensão do Estado, foram trabalhados cuidadosamente inúmeros vetores de desenvolvimento que, associados, permitiram que o Brasil chegasse hoje a uma posição muito melhor do que aquela em que estava ao final do governo do psdb, tanto no plano nacional como no cenário internacional. A começar pela preocupação com a inclusão social e a distribuição de renda. Se há crítica ao superlativo no governo Lula, é porque em muitos setores não há mesmo grau de comparação com outros governos do passado. O Bolsa Família retirou da linha da miséria mais de quarenta milhões de pessoas (“uma Colômbia”, frisa Cândido Mendes).

Mas há o “Minha Casa, Minha Vida”, o ProUni, o Luz para Todos, o programa de cisternas e o incentivo à agricultura familiar, iniciativas de grande poder de transformação da vida das pessoas mais pobres. Os bancos públicos (Caixa Econômica Federal, Banco do Nordeste e Banco do Brasil) foram fortalecidos para ampliar a oferta de crédito e permitir o acesso da população aos mais básicos direitos econômicos. O bndes foi alçado à condição de maior banco de desenvolvimento das Américas, cujo papel é fundamental para o crescimento sustentável do Brasil, pois atrai a iniciativa privada para projetos de interesse nacional e realiza investimentos de longo prazo (foram R$ 92,2 bilhões investidos na indústria e em infraestrutura em 2008). Essa aliança estratégica do Estado com as empresas foi criticada por fhc em seu artigo, como um sinal de atraso.

Foi feito mais. A infraestrutura brasileira nunca foi tão cuidada como no governo Lula. Obras de grande porte, fundamentais para o crescimento do país sem a formação de gargalos, passaram a figurar na agenda. É o caso da Transnordestina, da transposição do São Francisco e dos projetos do pac, mas é também o caso de falarmos da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, os maiores eventos esportivos do globo, capazes de atrair investimentos que resultarão em benefícios permanentes à sociedade.

Os fundos de pensão têm sido importantes e eficientes para: estimular a política industrial e a inovação; incrementar as exportações de capital, tecnologia e serviços; financiar o desenvolvimento tecnológico e externo das empresas; garantir energia, petróleo e gás; e retomar a implantação e desenvolvimento de nossa infraestrutura. A economia assiste hoje a empresas estatais fortes que contribuem para o direcionamento do mercado, pois têm peso. Nesse capítulo, destaque para a Petrobras, que alcançou patamares tecnológicos em grau de excelência, levando à autossuficiência em petróleo e à descoberta de petróleo abaixo da camada de sal. Tal recurso natural deve ser usado de maneira também planejada, para que possamos conduzir o Brasil, de forma definitiva, ao desenvolvimento sustentável.

A legislação do pré-sal prevê a criação de um Fundo Social com parte das riquezas resultantes da exploração desse petróleo e parte desse fundo será destinada à preservação ambiental. Ou seja, montaremos um ciclo virtuoso de exploração desse importante recurso, que se somará a outras metas ambientais já anunciadas, como redução do desmatamento, corte entre 36% e 39% das emissões de dióxido de carbono até 2020 e investimentos em biocombustíveis e em fontes limpas de energia.

Nossos juros estão na casa dos 8% (taxa Selic) e ainda há espaço para reduzi-lo, nossas reservas foram ampliadas consideravelmente, nossa inflação está controlada, começamos a impor barreiras ao capital especulativo, e podemos ampliá-las. Mas a terceirização da gestão pública feita pelo psdb e o abandono do funcionalismo tornaram imprescindível um esforço com Lula de reorganização dos Ministérios, do restabelecimento dos planos de carreira e da atualização salarial acima da inflação, porque a máquina pública havia sido sucateada.

A opção por uma política externa de valorização da relação Sul-Sul, com retomada do Mercosul, do fortalecimento da relação com os países vizinhos e da busca dos organismos e fóruns internacionais (como Organização Mundial do Comércio, por exemplo) para a proteção dos interesses comerciais brasileiros é igualmente aspecto que diferencia o que pensam psdb e pt. Não fosse essa diferença e o prestígio do Brasil no mundo não teria sido tão ampliado. Nosso país é hoje respeitado internacionalmente e considerado um ator importante para qualquer decisão (um player). Isso muito se deve ao Itamaraty ter acentuado nossa tradição diplomática de receptividade e diálogo. Fossem os tucanos os governantes e não estaríamos abrindo novas portas no mundo, mesmo que sejam com o Irã (que hoje carece de interlocutores para evitar um isolamento e buscar uma saída negociada para seu programa nuclear).

Ora, todo esse conjunto de medidas deixou o Brasil em situação privilegiada para enfrentar a crise econômica de 2008, iniciada justamente por conta de todo o receituário neoliberal seguido por diversas nações, inclusive por nosso país sob a égide do psdb. Mas a solidez construída ao longo do governo Lula não bastava, pois era preciso dar mais respostas. Então, o País pôde perceber que o enfrentamento de uma crise é mais eficaz quando o Estado tem força e condições para intervir na economia. Foi o que se viu ao redor do mundo, mas principalmente no Brasil. Cortamos juros, estimulamos o consumo, ampliamos significativamente a oferta de crédito e reduzimos alíquotas de cadeias produtivas estratégicas. A resposta não tardou: fomos o último país a entrar e o primeiro a sair da crise, com previsão de crescimento de 1% em 2009 e de 5% em 2010. É nesse contexto que o governo cobrou a Vale, uma das poucas a demitir fortemente durante a crise. Quando o governo sinalizava que o caminho era um, a Vale escolheu a aposta no sentido contrário.

Ora, não é exagero considerar a crise internacional um momento histórico em que partidos divergentes, como o pt e o psdb, podem e devem buscar agendas em comum. Nesses momentos de crise institucional ou de ruptura, espera-se essa união nacional, como aconteceu na luta contra a Ditadura. Mas não aconteceu na crise internacional quando o psdb se recusou a votar determinadas medidas anticrise propostas pelo governo. Foi graças à atuação do governo e à resposta da população, que seguiu consumindo e aquecendo a economia, que os índices de geração de emprego retornaram ao período pré-crise – em 2010, a previsão é de dois milhões de novos postos com carteira assinada, contrastante com o desemprego que marcou o primeiro mandato de fhc e os oitocentos mil empregos criados nos quatro anos do segundo mandato.

É preciso lembrar que nas reformas política, trabalhista e previdenciária os dois partidos também possuem visões diferentes e buscam objetivos diversos. No caso da reforma política, que devia ser um tema suprapartidário, a conduta do psdb revelou apego ao atual sistema político-eleitoral que estimula a corrupção, o caixa dois nas eleições, as barganhas por emendas e nomeações, as licitações dirigidas e o desvio de dinheiro público. Já aprovado no Senado, inclusive com o apoio do psdb, o texto da reforma política foi rejeitado na Câmara dos Deputados porque o psdb mudou de lado. Sem a reforma política, aliada a outras medidas, não será possível aprimorar a administração pública, adotando melhorias como o voto uninominal, o financiamento público nas campanhas e a fidelidade partidária.

Nesse sentido, não há uma divergência de antemão a uma agenda comum em casos extremos e graves, mas não posso concordar com o diagnóstico de que a não-aliança ou não-coalizão é consequência da incapacidade das lideranças ou das divergências paulistas de pt e de psdb, porque ambos nasceram no estado de São Paulo. Porque são as diversas medidas citadas, seus resultados já colhidos e seus frutos vindouros que nos impedem de concordar com o embaixador Rubens Barbosa e com o filósofo Renato Janine Ribeiro quanto a uma suposta similaridade entre pt e psdb. Definitivamente, as concepções de Estado, de governo, de políticas socioeconômico-ambientais são divergentes, não convergentes. Tanto é verdade que a ausência de um projeto alternativo transforma os antigos defensores do neoliberalismo em verdadeiras birutas de aeroporto, sem saber para onde o vento sopra. Felizmente, por tudo o que foi dito, do outro lado, a bússola está sendo usada e o avião Brasil está prestes a levantar voo.

José dirceu, 63, é advogado e ex-ministro-chefe da Casa Civil
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CELEBRAÇÃO AOS QUATRO SENTIDOS

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Votura - Indaiatuba/SP, 14/01/11.
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