A oposição no divã

De Lúcia Avelar*, publicado na Carta Capital

As legendas de centro-direita terão de mudar a forma de recrutamento e de organização e apresentar seu programa de governo com mais clareza

A vitória de Dilma Rousseff tem bases mais sólidas do que parece à primeira vista. Não se deve apenas à popularidade de Lula e ao bom desempenho da economia. Há um realinhamento eleitoral que vem se desenhando desde 1994, o adensamento da sociedade civil organizada, a percepção de que há governos que fazem diferença – para melhor – na vida das pessoas, a emergência de um sentimento de identificação e solidariedade com a coletividade destituída, e de que é possível governar também para ela.

Quanto ao realinhamento eleitoral, principalmente nos municípios, a disputa entre PSDB, DEM/PP e PT se instalou e os partidos tradicionais vêm perdendo sua hegemonia histórica. O caso que mais expressa essa disputa é o confronto entre o DEM e o PT, o primeiro caindo vertiginosamente enquanto o segundo cresce e o sobrepuja. A disputa entre o PSDB e o PT nas eleições presidenciais reflete esse balanço de forças, com a ressalva de que o PT e outros partidos de esquerda, seus aliados, passaram por mudanças ideológicas e programáticas sem perder o horizonte da questão social brasileira.

A clivagem direita/esquerda é, mesmo se usada com reservas, parte do quadro atual. Ela é uma dimensão simbólica útil para organizar um conjunto de posições políticas de candidatos, partidos e eleitores. Em toda a América Latina a clivagem é por demais discutida como parte da emergência política de minorias e da relativa desconcentração do poder. É o caso de Chile, Argentina, Bolívia, Uruguai e Equador, por exemplo.

Nesse cenário regional é indiscutível a liderança de Lula. Seus críticos salientam os traços personalistas e populistas de sua liderança. Como mostra o economista argentino Ricardo Aronskind, o termo populismo é usada de modo depreciativo para todos os políticos da América Latina que tentam alguma estratégia de mudança dos beneficiados pela política. Além da liderança de Lula, outros aspectos devem ser levados em conta na vitória de Dilma, entre eles a organização e a coesão partidária do PT. Ao apontar sua candidata, Lula cuidou da coesão do partido; investiu e cedeu em alianças que revertessem em ganhos na corrida presidencial, como foi o caso de Minas Gerais.

Não foi o que ocorreu com o partido de oposição e seus aliados. O PSDB jamais foi um partido coeso, mas a negativa em realizar uma consulta interna numa eventual disputa entre os candidatos José Serra e Aécio Neves abriu uma trinca ainda maior. E o programa de Serra, favorável a um Estado enxuto e maior liberdade do mercado, funciona em São Paulo, quase o único exemplo onde o capitalismo liberal é bem-sucedido no País. A grande maioria dos estados depende do governo federal para impulsionar o desenvolvimento e combater a pobreza. Para o bloco tucano, em termos sucintos, as políticas sociais universalizantes conduzem à dependência dos assistidos, e os problemas de desigualdade estrutural devem ser solucionados no plano individual, pela ajuda humanitária, como a filantropia e o voluntariado. Na visão dos adeptos da cidadania, as políticas de bem-estar, mesmo que não modifiquem a forma como se redistribui a renda, atuam nos segmentos em condições extremas de pobreza, projetando melhoras para as gerações seguintes. Sem revolução ou reformas, sem o ethos estatista ou socialista, o governo Lula foi um governo de programas, principalmente no tratamento da questão social em sintonia com as lideranças socialmente avançadas do País.

Não há dúvidas de que neste governo entrou em cena a problemática da cidadania. Fábio W. Reis, citando George Armstrong Kelly, discute a ambiguidade desse conceito, ao distinguir entre a sua dimensão civil e sua dimensão cívica. Do ponto de vista civil, corresponde à afirmação dos direitos individuais garantidos constitucionalmente. A dimensão cívica está associada aos deveres e responsabilidades do cidadão com a sua coletividade. É a propensão ao comportamento solidário, a uma disposição de entregar ao Estado parte de seus recursos e autoridade para governar a favor dos destituídos. Os indivíduos recebem prestações sociais não como indivíduos, mas como membros de um corpo coletivo que por circunstâncias dos processos estruturais de distribuição da riqueza encontram-se em situação de extrema pobreza.

Sob tal perspectiva, há convergência quanto à ideia de não haver livre jogo das forças de mercado que dê conta de uma dívida social construída pelo modelo de desenvolvimento concentrador de renda e pelo passado escravocrata. “Governar a pobreza” é, portanto, uma decisão política com o objetivo de criar cidadãos, de execução administrativa e com o apoio da coletividade. Entramos neste caminho, ao que tudo indica.

Outra mudança foi a abertura de canais de interlocução do governo com a sociedade. A diferenciação democrática que presenciamos hoje, com um mosaico de participação da sociedade difícil de ser mapeado, é uma construção que vem do desencanto e do mal-estar com os partidos tradicionais, com a arrogância das elites, com seu distanciamento dos problemas sociais. O PT nasceu da sociedade organizada, depois dela, quando os movimentos das décadas de 1950 e 1960 amadureceram e se adensaram contra a ditadura. A interlocução com o sindicalismo urbano e rural, com as comunidades eclesiais de base, associações de bairro e de luta por moradias, ONGs ambientalistas, entidades de mulheres, de jovens, de defesa da igualdade racial, de direitos humanos e combate à homofobia não foi descartada durante o governo Lula.

“Ainda é pouco”, afirmam os adeptos da democracia participativa, numa expressão da mudança de valores das democracias contemporâneas, mudanças estas que não foram assimiladas ao contexto dos partidos tradicionais. Eles não se deram conta da emergência de comunidades críticas, do ativismo de mais de meio século e de ativistas que aprenderam a usar as regras eleitorais e partidárias para influenciar a escolha de candidatos.

Em 2002, ou seja, oito anos atrás, segundo os dados, havia 276 mil associações civis no País empregando 1,5 milhão de pessoas, 62% das quais foram constituídas a partir de 1991. A difusão das ideias de igualdade e de direitos são a seiva desses movimentos. Pouco sabemos a respeito do relacionamento entre associativismo e número de votos para este ou aquele partido, mas é plausível a hipótese de que o crescimento dos partidos de esquerda se relacione com o crescimento do associativismo político. Os movimentos formam uma base corporativa com influência no processo eleitoral, ao se declararem por este ou aquele candidato. Estaria a difusão das ideias de direitos e de igualdade na base da perda de poder político dos partidos de direita?

Outro aspecto a ser mencionado é a melhora da autoimagem do Brasil, mesmo que com muitas ambiguidades. Um líder de oposição chegar ao final de dois mandatos e eleger uma sucessora é um ganho institucional histórico indiscutível e tem a ver com um novo ciclo da política latino-americana. A autoimagem do País está fortalecida e, ao mesmo tempo, carrega muitas tensões. A percepção de que se pode construir uma história diferente, de que a miséria pode ser extirpada, de que há um horizonte de muitas possibilidades, convive com a visão dos universos de muitas necessidades que serão atendidas apenas com políticas de muito longo prazo. Os desafios de educar a população jovem para o mundo do trabalho, na hipótese da continuidade do desenvolvimento e para uma sociedade complexa, são evidentes. Estão aí os estudos do Ipea com projeções demográficas, alertando para as prementes e necessárias modificações no campo educacional. Ao lado disso a percepção de uma política menos subordinada à ordem internacional e a valorização de parceiros emergentes e dos países vizinhos têm a ver com o papel do Ministério das Relações Exteriores e que, para os opositores, não passa de devaneios. Sabemos que não são, pois basta consultar as análises da imprensa internacional.

Nesse quadro, o que esperar do futuro dos partidos de direita e centro-direita? De onde virá a oposição ao lulismo? Em documento publicado em 2007 pelo Transnational Institute chamado “No olho do furacão”, líderes de esquerda e antigos militantes do Partido dos Trabalhadores falavam de certo mal-estar diante do fortalecimento de Lula em relação às outras correntes do partido. Depois disso, e principalmente no decorrer do segundo governo Lula, o lulismo foi tomando conotações das mais diversas, recebendo o apoio geral, mas sobretudo da população alvo dos programas sociais e dos ascendentes da nova classe média. Do lado dos opositores, a pauta é identificar o lulismo com o populismo. É claro, o termo populismo continua sendo terreno de disputa política e ideológica, principalmente na América Latina.

Mas, caso se confirmem na próxima década políticas de bem-estar e melhora da vergonhosa desigualdade social, o lulismo desaparecerá na esteira do protagonismo de um Estado de contínua agenda positiva para o País. E há muitas personalidades com sensibilidade social, mesmo que discretas, para realizar essa agenda. Permanece a questão do futuro dos partidos de direita. Estes sim terão de mudar suas formas de recrutamento e de organização, apresentar com mais clareza seus programas e convencer o eleitorado popular de que suas propostas redundariam em melhora para a vida. Uma disputa antiga, de raízes filosóficas, que só agora chega até nós porque a oposição aos partidos tradicionais logrou governar pela primeira vez e, até agora, com sucesso.

* Lúcia Avelar é professora titular de Ciência Política/Instituto de Ciência Política/Universidade de Brasília. Pesquisadora do CNPq. Membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz
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Cartum Primaveril

É primavera, época do ano em que as ruas de Porto Alegre tingem-se com o roxo dos jacarandás. O cartum acima foi feito há um ano, para um projeto que acabou não dando certo. Mas serviu para me obrigar a fazer o cartum.
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Voce sabe que Lula privatizou 60% da Petrobras?

Mas entao como e que voce acredita em quem quer implantar o Comunismo no Brasil? Gente que nao tem ideia nenhuma a respeito. Gente que acha que apoiar ditaduras genocidas e moderno. Qual e o problema se os Estados Unidos ajudaram os militares na derrubada de Jango? Ele era um maldito comunista. Eles sao a maior democracia do mundo e estavam evitando a tomada comunista no nosso pais. Nao e pela
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Nobreza-Rastaqüera Brézilienne


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A culpa é da geladeira


O chororô dos derrotados com a eleição da primeira mulher presidente é diverso, não está restrito aos partidos da oposição de direita e seus aliados, neste amplo leque que juntou conservadores de variados naipes aos integralistas e até monarquistas. Setores identificados com a esquerda também lamentam, e apontam culpados: a ignorância das massas populares. Vejam esta pérola do pensamento do esquerdismo mais tradiconal ao justificar seu desencanto:

Parodiando Herbert Marcuse, poderíamos afirmar que a massa do povo, incluindo-se, é claro, a tão falada massa proletária, se encanta com pequenos ganhos obtidos no seu dia-a-dia, sejam esses ganhos fruto de sua luta ou obtidos como dádiva "generosa" dos senhores do poder.
 
Um diminuto espaço para morar, uma geladeira, um freezer, uma TV LCD e (suprema felicidade!) um automóvel são elementos suficientes para levar as camadas populares ao conformismo e à fácil cooptação política pela classe ora dominante.
 
Tal comportamento das massas populares não é próprio apenas do Brasil, e sim de todos os recantos do mundo. Aqui, tivemos o exemplo patente do populismo lulo-petista, oferecendo ao capitalismo a paz social para que pudesse usufruir grandes lucros sem nenhuma ameaça.


Está dito claramente pelo autor que as massas populares só podem pensar corretamente, fazer melhores escolhas, se não tiverem uma geladeira, uma casa para morar. Se, tranformando-se portanto em lumpesinato, seriam mais revolucionárias. Coitado do Marx. É o “quanto pior melhor”, do velho esquerdismo pequeno burguês, bem conhecido de Lênin que o combateu, dedicando ao tema um livro para as futuras gerações, que parecem não o leram, ou entenderam corretamente.

Chega a ser perverso o pensamento, incluindo um forte preconceito, moldado em um erro crasso de análise: Dilma teve votos generalizados em várias classes sociais. O final do texto é um exemplo de arrogância:

Diante desses fatos, resta-nos a nós, socialistas revolucionários, a tarefa de despertar as massas populares de sua inocência, e nunca acalentar suas fantasias, como tem feito o PT, o PCdoB e o PSB, que funcionam como o braço esquerdo do sistema.

Para o messianismo de Gilvan Rocha, militante do PSOL, desejoso de ser o senhor dos desígnios de amplas massas, primeiro seria conveniente um bom investimento em seu próprio quintal. Seu partido tem dezenas de tendências internas, cada uma com visão própria do que seria o socialismo. Façam sua lição de casa em chegar a uma conclusão do que pretendem. E guardem seus preconceitos de classe no mesmo lugar onde fica seu reformismo, que imagina mudar o país apenas no voto.

O povo merece geladeiras, como saúde, como educação. É assim, também, que as grandes mudanças acontecerão um dia, mesmo que tentem atrapalhar as velhas, mofadas e preconceituosas tendências do esquerdismo pequeno-burguês.
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