Quando o assessor especial para assuntos de América Latina, Marco Aurélio Garcia, pede que os Estados Unidos tenham uma posição menos ambígua na questão, demonstra que nossa posição de protagonismo começa a ser colocada em dúvida.
Diplomaticamente é classificada como “irresponsável”, adjetivo que serve diretamente para Chávez, que se vangloriou de ter organizado a reentrada de Zelaya em Tegucigalpa, mas que cai como uma carapuça no governo brasileiro.
O subchefe da missão americana na OEA, Lewis Amselem, é considerado um linhadura, que já serviu em vários países da região, e pode estar tendo uma visão pessoal da questão. Se for assim, deveria ter sido desautorizado por sua chefe, a secretária de Estado, Hillary Clinton.
Mas a comissária para as Relações Exteriores da União Europeia (UE), Benita Ferrero-Waldner, também considerou que o retorno ao país do presidente deposto, Manuel Zelaya, “complicou” a solução para a crise local.
No seu depoimento de ontem no Senado, o chanceler Celso Amorim disse que o governo brasileiro não se considera usado por Chávez, embora reafirme que de nada sabia até meia hora antes de Zelaya se materializar na embaixada brasileira.
Uma atitude no mínimo estranha, que implica adesão à manobra guerrilheira chavista de reintroduzir em território hondurenho um presidente que estava no exílio.
Tanto a manobra quanto a adesão brasileira, permitindo que Zelaya se pronuncie abertamente convocando o povo à revolta, significam uma clara intromissão na política interna de outro país.
Sempre que os Estados Unidos invadiram países das Américas, e mesmo no caso do Iraque, o fazem alegando defender a democracia, o que não torna suas ações dignas de respeito pelos verdadeiros democratas.
O fato de a “comunidade internacional”, como salienta sempre que pode o chanceler Celso Amorim, ter condenado o “golpe” que tirou do poder o presidente democraticamente eleito não significa que tenha havido um golpe, mas apenas que a percepção internacional sobre as regras do jogo democrático varia de acordo com a importância geopolítica de cada país.
A Constituição de Honduras tem a mesma validade, e deve ser tão respeitada, quanto a de outro país qualquer de PIB maior ou de tradições democráticas mais sólidas. Não querer distinguir as diversas etapas do processo que levou Zelaya ao exílio ajuda a não encontrar saída para a crise regional que o Brasil tenta a todo custo transformar em internacional, colocando o Conselho de Segurança da ONU para atuar num campo em que o interlocutor deveria ser a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Se é verdade que o Brasil se transformou em defensor da democracia na América Latina, como exagerou o chanceler Amorim ontem no Senado, é também verdade que esse neobolivarista Zelaya estava colocando em perigo a democracia na mesma região, e ninguém se incomodava com isso.
Quando o protoditador Hugo Chávez manda fechar jornais, rádios e televisões na Venezuela, não aparece nenhuma autoridade brasileira para protestar, e a “comunidade internacional” não se mobiliza para evitar que a democracia seja ameaçada.
Quando o presidente Lula pede que a ditadura cubana seja recebida pela OEA e pela ONU sem condicionar seu retorno à convivência da tal “comunidade internacional” a compromissos democráticos, perde substância seu apelo a favor da democracia representada por Zelaya.
O governo interino de Honduras já se convenceu de que cometeu um erro político fundamental ao exilar o presidente deposto sem que fosse julgado dentro das normas legais, colocando-se também o governo substituto fora da legalidade.
Mas não ajuda para uma saída da crise abrigar em nossa embaixada o presidente deposto com direito a promover manifestações políticas e incitamentos a revoltas populares, assim como não ajuda a OEA recusar apoio à realização de eleições em novembro, que é a única maneira de salvar a democracia hondurenha.
Para se chegar a uma solução do impasse, é preciso reduzir o grau de radicalização dos dois lados, e esse é um trabalho da tal “comunidade internacional”.
A decretação do estado de sítio pelo governo provisório, e consequente invasão de órgãos de comunicação, foi mais um passo em falso que não favorece a que o governo de fato seja bem visto pela “comunidade internacional”, mas organismos como a OEA, que deveria ser o intermediário para uma solução, não podem adotar uma posição radicalizada, colocando condições para uma saída.
O grau de paranoia é tão acentuado que a delegação de representantes da OEA e alguns embaixadores estrangeiros foram barrados porque o governo interino temia que junto com eles chegariam ministros de Zelaya querendo instalar um governo provisório.
O governo já recuou das duas medidas insensatas, e o diálogo está para ser retomado.
Apesar da retórica oficial de que qualquer solução tem que levar em conta a volta de Manuel Zelaya ao poder, o governo brasileiro já parece disposto a aceitar qualquer saída que seja negociada, e essa parece ser a posição que a tal “comunidade internacional” está tendendo a aceitar, para que se chegue a um clima que permita a realização das eleições em novembro.
Merval Pereira