Agreste alagoano!
Um novo padrão de discurso político
Da Coluna de Maria Inês Nassif, do Valor Econômico
O capítulo seguinte desse estágio da democracia brasileira será a mudança do paradigma oposicionista, que hibernou durante a ditadura militar (1964-1985) e submergiu, intacto, depois desse período. O padrão que subsiste é o da antiga União Democrática Nacional (UDN), que no pré-64 representou, na história política do país, o que talvez tenha sido a conexão mais orgânica entre um aparelho privado de ideologia (um partido político) e um aparelho público de ideologia (as Forças Armadas), que resultou no uso do monopólio da força por segmentos da sociedade civil em favor da manutenção de um status quo - o golpe foi um ataque preventivo a mudanças trazidas pela disputa entre as forças políticas numa sociedade democrática.
O padrão de discurso da UDN, em especial de seu líder Carlos Lacerda, mantido até hoje, é o da agressividade, de ataque que confunde a vida pública com a vida privada, de desqualificação do poder - quando ele não está nas mãos das forças que lhe são favoráveis - e de desqualificação dos ocupantes do poder, quando eles são do partido a que se opõe. Disso decorre também a desqualificação da democracia - o voto ignorante, o voto analfabeto e o voto não esclarecido teriam dado a pessoas pouco capazes a possibilidade de acesso a um poder que se vulgarizou e mostrou-se o espelho do atraso do país. Inicia-se num terreno de consenso - o moralizante, contrário à corrupção - até polarizar e confrontar com o poder. Torna-se inevitável, assim, a radicalização política.
Esse padrão retornou ao cenário político depois da redemocratização. A emergência do discurso lacerdista foi claro, por exemplo, nas eleições de 1989, quando o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello, disputou literalmente aos gritos a preferência do eleitor com o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Margeou a oposição feita pelo PT aos governos pós-85, até 2002, quando Lula ganhou as eleições. E foi reproduzido intensamente depois de 2005, quando as oposições a Lula, em especial o hoje DEM, antes PFL, e o PSDB, tentaram aprofundar o desgaste do governo com o escândalo do mensalão e os que o sucederam.
A UDN pré-64 movia-se num terreno onde a intervenção militar era cotidiana na cena política. O discurso lacerdista magnetizou a classe média e teve grande repercussão na caserna; o discurso anticomunista era capaz igualmente de atrair os militares e os setores conservadores da sociedade. O universo dos eleitores era restringido por um alto índice de analfabetismo e a proibição do voto ao analfabeto. Havia uma exclusão, de fato, de uma parcela grande da população da dinâmica da democracia representativa, uma grande influências das classes médias como formadoras de opinião e uma cultura de intervenção militar na política.
Em 2006, na reeleição do presidente Lula, a reedição do modelo udenista encontrou o seu auge. Tinha contra ele, todavia, uma realidade onde o eleitor analfabeto e pobre movia-se da mesma forma que as classes de maior poder aquisitivo na cena democrática; o poder de formação de opinião pública foi subtraído da classe média; e existia um líder carismático com acesso aos novos eleitores, e que não dependia para isso dos meios tradicionais, como os líderes locais e a mídia. Na eleição presidencial passada, onde a oposição exerceu um discurso radicalizado, não foi capaz de, por si só, mudar a popularidade do presidente que disputava o segundo mandato.
Na eleição de 2010, a oposição terá a seu favor o fato de o líder carismático estar saindo de cena - Lula não pode disputar um novo mandato. Mas o discurso udenista conflita com uma situação consolidada de popularidade de Lula, principalmente nas regiões mais pobres, onde as políticas sociais compensatórias foram mais massivas. Um discurso antilulista está fadado ao fracasso.
O discurso udenista de hoje cola nos setores de classe média e alta, assim como no pré-64, mas, ao contrário de antes, parece não ter influência sobre a corporação militar. Existem alguns movimentos de luta interna pelo controle de aparelhos públicos de ideologia - burocracia estatal e justiça, em especial - mas eles têm sido neutralizados por um líder pouco afeto à radicalização, e por uma sociedade que está mais radicalizada nas elites do que na base. Lula, de alguma forma, representa um fator de estabilidade para a sociedade civil, inclusive para setores hegemônicos na sociedade.
O governador de São Paulo, José Serra, virtual candidato do PSDB, que tem o apoio do DEM, teria que rever o padrão de discurso oposicionista, concentrando-se na imagem de bom administrador e gestor. Seria uma forma de neutralizar uma posição que foi extremada nas eleições de 2010, quando o candidato tucano foi o ex-governador Geraldo Alckmin. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, concorre nessa faixa com Serra - ela tem a mesma imagem de "técnica" que sempre teve o governador paulista, e esta parece ter sido a intenção do presidente Lula, quando praticamente a ungiu candidata do PT à sua sucessão. Para neutralizar ideologicamente o seu discurso, Serra teria que frear não apenas os seus aliados de direita, como sua própria tendência - ele tem assumido, ao longo do tempo, uma posição mais conservadora, em parte também levado por um padrão oposicionista que encontra na radicalização a sua principal estratégia.
A grande oportunidade dessas eleições, para todo o quadro político, é sair desse paradigma de oposição montado no discurso udenista. Ao longo da história, ele tem substituído a obrigação institucional de os partidos apresentarem um projeto de país ao eleitor - quando a oposição estabelece o padrão de ataque, a própria situação se vê desobrigada de defender as suas propostas. A crise econômica internacional coloca novos parâmetros de discussão. A experiência democrática também. Eleição não é só ataque a adversário. É defesa de projetos políticos diferenciados.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br
O capítulo seguinte desse estágio da democracia brasileira será a mudança do paradigma oposicionista, que hibernou durante a ditadura militar (1964-1985) e submergiu, intacto, depois desse período. O padrão que subsiste é o da antiga União Democrática Nacional (UDN), que no pré-64 representou, na história política do país, o que talvez tenha sido a conexão mais orgânica entre um aparelho privado de ideologia (um partido político) e um aparelho público de ideologia (as Forças Armadas), que resultou no uso do monopólio da força por segmentos da sociedade civil em favor da manutenção de um status quo - o golpe foi um ataque preventivo a mudanças trazidas pela disputa entre as forças políticas numa sociedade democrática.
O padrão de discurso da UDN, em especial de seu líder Carlos Lacerda, mantido até hoje, é o da agressividade, de ataque que confunde a vida pública com a vida privada, de desqualificação do poder - quando ele não está nas mãos das forças que lhe são favoráveis - e de desqualificação dos ocupantes do poder, quando eles são do partido a que se opõe. Disso decorre também a desqualificação da democracia - o voto ignorante, o voto analfabeto e o voto não esclarecido teriam dado a pessoas pouco capazes a possibilidade de acesso a um poder que se vulgarizou e mostrou-se o espelho do atraso do país. Inicia-se num terreno de consenso - o moralizante, contrário à corrupção - até polarizar e confrontar com o poder. Torna-se inevitável, assim, a radicalização política.
Esse padrão retornou ao cenário político depois da redemocratização. A emergência do discurso lacerdista foi claro, por exemplo, nas eleições de 1989, quando o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello, disputou literalmente aos gritos a preferência do eleitor com o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Margeou a oposição feita pelo PT aos governos pós-85, até 2002, quando Lula ganhou as eleições. E foi reproduzido intensamente depois de 2005, quando as oposições a Lula, em especial o hoje DEM, antes PFL, e o PSDB, tentaram aprofundar o desgaste do governo com o escândalo do mensalão e os que o sucederam.
A UDN pré-64 movia-se num terreno onde a intervenção militar era cotidiana na cena política. O discurso lacerdista magnetizou a classe média e teve grande repercussão na caserna; o discurso anticomunista era capaz igualmente de atrair os militares e os setores conservadores da sociedade. O universo dos eleitores era restringido por um alto índice de analfabetismo e a proibição do voto ao analfabeto. Havia uma exclusão, de fato, de uma parcela grande da população da dinâmica da democracia representativa, uma grande influências das classes médias como formadoras de opinião e uma cultura de intervenção militar na política.
Em 2006, na reeleição do presidente Lula, a reedição do modelo udenista encontrou o seu auge. Tinha contra ele, todavia, uma realidade onde o eleitor analfabeto e pobre movia-se da mesma forma que as classes de maior poder aquisitivo na cena democrática; o poder de formação de opinião pública foi subtraído da classe média; e existia um líder carismático com acesso aos novos eleitores, e que não dependia para isso dos meios tradicionais, como os líderes locais e a mídia. Na eleição presidencial passada, onde a oposição exerceu um discurso radicalizado, não foi capaz de, por si só, mudar a popularidade do presidente que disputava o segundo mandato.
Na eleição de 2010, a oposição terá a seu favor o fato de o líder carismático estar saindo de cena - Lula não pode disputar um novo mandato. Mas o discurso udenista conflita com uma situação consolidada de popularidade de Lula, principalmente nas regiões mais pobres, onde as políticas sociais compensatórias foram mais massivas. Um discurso antilulista está fadado ao fracasso.
O discurso udenista de hoje cola nos setores de classe média e alta, assim como no pré-64, mas, ao contrário de antes, parece não ter influência sobre a corporação militar. Existem alguns movimentos de luta interna pelo controle de aparelhos públicos de ideologia - burocracia estatal e justiça, em especial - mas eles têm sido neutralizados por um líder pouco afeto à radicalização, e por uma sociedade que está mais radicalizada nas elites do que na base. Lula, de alguma forma, representa um fator de estabilidade para a sociedade civil, inclusive para setores hegemônicos na sociedade.
O governador de São Paulo, José Serra, virtual candidato do PSDB, que tem o apoio do DEM, teria que rever o padrão de discurso oposicionista, concentrando-se na imagem de bom administrador e gestor. Seria uma forma de neutralizar uma posição que foi extremada nas eleições de 2010, quando o candidato tucano foi o ex-governador Geraldo Alckmin. A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, concorre nessa faixa com Serra - ela tem a mesma imagem de "técnica" que sempre teve o governador paulista, e esta parece ter sido a intenção do presidente Lula, quando praticamente a ungiu candidata do PT à sua sucessão. Para neutralizar ideologicamente o seu discurso, Serra teria que frear não apenas os seus aliados de direita, como sua própria tendência - ele tem assumido, ao longo do tempo, uma posição mais conservadora, em parte também levado por um padrão oposicionista que encontra na radicalização a sua principal estratégia.
A grande oportunidade dessas eleições, para todo o quadro político, é sair desse paradigma de oposição montado no discurso udenista. Ao longo da história, ele tem substituído a obrigação institucional de os partidos apresentarem um projeto de país ao eleitor - quando a oposição estabelece o padrão de ataque, a própria situação se vê desobrigada de defender as suas propostas. A crise econômica internacional coloca novos parâmetros de discussão. A experiência democrática também. Eleição não é só ataque a adversário. É defesa de projetos políticos diferenciados.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br
A Paraíba, quem diria, virou exemplo
Um ótimo artigo relacionando a cassação de Cunha Lima (PSDB-PB) e o desgoverno de Yeda Crusius (PSDB-RS). Segundo o autor, a tucana mandatária do Rio Grande do Sul é uma ex-governadora em atividade. Não vou me ater muito às trapalhadas de Yeda. Seguindo o exemplo do Blog RS Urgente, republiquei esse artigo do Terra Magazine porque acredito que quanto mais gente souber das coisas estranhas que ocorrem no ninho tucano, melhor para o Brasil. Aliás, a turma do Blog RS Urgente tem boas matérias sobre a corrupção da governadora tucana Yeda Crusius. É uma boa referência para quem quiser tomar conhecimento do que está ocorrendo nas terras gaúchas. Segue o artigo abaixo:
Eduardo Tessler*, de Salvador (BA)
Aos olhares dos sulistas, quem nasce acima do Rio de Janeiro é Paraíba. Não importa de onde venha, do Ceará até a Bahia todo mundo é Paraíba. O apelido nada carinhoso é depreciativo e pouco tem a ver com os paraibanos de verdade e carteirinha, como Ariano Suassuna - é bem verdade que o escritor optou por viver em Recife, mas isso é outra história. Ser Paraíba, hoje, é quase uma ofensa.
Mas a Paraíba acaba de dar um exemplo de lisura política ao Brasil, ao conseguir afastar o governador Cassio Cunha Lima, acusado de distribuir cheques no valor de R$ 3,5 milhões disfarçados de programas assistenciais. Cunha Lima bem que tentou se manter no poder de todas as formas, mas o TSE foi enfático na cassação e entregou o cargo ao candidato derrotado em 2006, o ex-governador e ex-senador José Maranhão (aliás, o que faz alguém de nome Maranhão na Paraíba???). O novo governador assume com oito processos nas costas e talvez não consiga chegar ao fim do mandato, vai depender outra vez dos tribunais.
Cassio Cunha Lima, herdeiro de uma tradição política que domina a Paraíba há anos, parecia ser um cidadão acima de qualquer suspeita. Aos 45 anos, expoente do PSDB (de Fernando Henrique Cardoso, José Serra e outros tucanos), Cunha Lima naufragou. Agora precisa cumprir as regras de inelegibilidade.
Cerca de 4 mil quilômetros ao sul da Paraíba, outra expoente do mesmo PSDB tenta segurar-se de todas as formas nos corrimãos do Palácio Piratini. A economista Yeda Crusius, ex-ministra sem expressão de Itamar Franco e ex-deputada com algum brilho na década passada, lidera o mais instável governo da história do Rio Grande do Sul. Uma sucessão de escândalos, brigas, picuinhas, desvio de dinheiro e agora até morte misteriosa - a do ex-representante do escritório do RS do Distrito Federal, Marcelo Cavalcanti, encontrado morto no Lago Paranoá pouco antes do Carnaval. O executivo é citado nos autos dos processos de desvio de verba do Detran gaúcho.
Com a licença da expressão criada pelo jornalista Paulo Cesar Vasconcellos e utilizada com brilho por Nelson Motta no Rio, Yeda Crusius é uma ex-governadora em atividade. As façanhas de Yeda são incomparáveis, ela bem poderia estar do livro dos recordes, tamanha ineficiência política. Alguns exemplos:
- Depois de prometer em campanha não subir impostos, tentou aprovar antes de sua posse um projeto de aumento de ICMS, causando o primeiro incidente de governo. Três secretários escolhidos da sua base aliada renunciaram antes de assumirem as pastas;
- Ao completar 100 dias de governo, exonerou o secretário da segurança Enio Bacci, que começava a desmontar uma rede de corrupção entre o Jogo do Bicho e delegados de polícia. Yeda considerou-o "personalista" e no seu governo a ordem parece ser que ninguém brilha mais que ela própria;
- Rompeu com o vice-governador Paulo Feijó (DEM) ao tomar posse, mantendo-o longe da mesa de decisões do Palácio. Até que Feijó gravou uma conversa com um dos principais secretários de Yeda, Cesar Busatto, que tentava - a pedido da governadora - acertar algumas comissões para que Feijó ficasse calado;
- Comprou uma casa para uso próprio avaliada em R$ 1 milhão. Alegou ter pago pouco mais de R$ 500 mil, embora não tenha declarado fonte de renda para tanto. Até hoje ainda não há uma versão aceitável para tal matemática;
- Envolveu-se no escândalo do Detran, descoberto pela Operação Rodin. Trata-se de um esquema de corrupção utilizando-se de fundações ligadas à Universidade de Santa Maria, onde cada envolvido saia com os bolsos cheios e a governadora fazia caixa para a campanha de reeleição;
Yeda Crusius pertence ao PSDB, como o governador cassado da Paraíba. A dignidade gaúcha aconselharia Yeda a renunciar, enquanto se investigam os inúmeros escândalos de seu governo. Yeda, nascida em São Paulo, prefere permanecer no Piratini. Semana passada, quando o PSOL encaminhou proposta de impeachment à Assembléia - logo apoiada pelo PT - Yeda preocupava-se em enfrentar o Cpers (Centro de Professores do Estado) e mais 10 sindicatos, descontentes com a falta de diálogo da governadora. Mais que isso, Porto Alegre amanheceu coberta com cartazes dizendo: "O PSOL exige: Fora Yeda". Menos de 24 horas depois, a palavra "Fora" era substituída por um adesivo do mesmo tamanho escrito "Fica".
Ou seja, se o marketing pessoal da governadora vai de mal a pior, sua estratégia pública parece ser ainda pior, ao querer ludibriar o cidadão, mesmo que para isso tenha que beirar o ridículo (ou alguém imagina que o PSOL coloque cartazes na rua pedindo a permanência de Yeda?).
A ex-governadora em atividade está na rota de Cunha Lima. Só ela ainda não se deu conta.
*Eduardo Tessler é jornalista e consultor de empresas de comunicação.
Leitura de férias
O Longo Adeus, escrito por Raymond Chandler em 1953. Naquela época Chandler já percebia o óbvio, mas que muitos, ainda hoje, não conseguem se dar conta.
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