Fidel Castro afasta da presidência de Cuba

Lula classificou Fidel Castro como o único mito vivo da humanidade. Está certo o presidente Lula, ninguém encarna hoje em dia como ele o mito da esperança por maior justiça social e de uma vida melhor para todos. Uma sociedade deve ser capaz de oferecer condições de existência digna para seus cidadãos. O sonho que norteou a revolução cubana continua vivo nas mente de todos os povos.

As palavras de despedidas de Fidel: “A mis entrañables compatriotas, que me hicieron el inmenso honor de elegirme en días recientes como miembro del Parlamento, en cuyo seno se deben adoptar acuerdos importantes para el destino de nuestra Revolución, les comunico que no aspiraré ni aceptaré- repito- no aspiraré ni aceptaré, el cargo de Presidente del Consejo de Estado y Comandante en Jefe”.

O órgão oficial do governo cubano, Granna, publicou a íntegra da sua carta de renúncia (clique aqui para ler a mensagem de renúncia). Fidel Castro não concorrerá à eleição indireta para presidente, mas permanecerá como deputado. O comandante afastou-se da presidência em definitivo, mas certamente continuará balizando a orientação política de Cuba por algum tempo. Continuará tendo um importante papel político na ilha, mas não mais como Comandante-Chefe.

Não há dúvidas de que é um momento histórico para Cuba, mas também para toda a América Latina. A Revolução cubana chegou ao poder em janeiro de 1959, e desde então, Fidel Castro dirige os destinos do país. Os avanços sociais do regime cubano é uma referência para toda a esquerda latino-americana. Gostem ou não do regime de Fidel Castro, ainda hoje é uma das mais importantes lideranças políticas do continente.

Embora a carta de Fidel Castro não mencione um sucessor estabelecido, seu irmão Raúl Castro deverá sucedê-lo. Fidel expressou o desejo de formar um novo comando (governo) com a união da velha guarda e os jovens da revolução cubana. Neste domingo, a Assembléia Nacional de Cuba, com 614 deputados, escolherão o novo chefe do Conselho do Estado, o principal órgão do Executivo de Cuba. Raúl deverá ser escolhido, mas a renúncia de Fidel não elimina totalmente as incertezas sobre sua sucessão. Isso porque há outros potenciais candidatos a substituí-lo.

Existe uma expectativa de maior abertura econômica e distensão política em Cuba pós-Fidel. O que está claro é que o afastamento de Fidel não representa o fim do regime. Nos últimos meses, Raul Castro vinha ocupando espaço político e acenando para reformas. Segundo o jornalista Kennedy Alencar, da Folha de São Paulo, Raúl Castro em encontro com Lula pediu ajuda para aumentar os investimentos internacionais e melhorar as relações de Cuba, sobretudo com os EUA. O Brasil seria um dos poucos países com condições de dialogar ao mesmo tempo com o regime cubano, Hugo Chávez e o governo americano.

Segundo o colunista da Folha, Lula disse a Raúl que avanços econômicos deveriam ser acompanhados de maior abertura política. Para o petista, Raúl deveria fazer um gesto na área de direitos humanos (prisioneiros políticos) para demonstrar que deseja uma transição de verdade e não somente replicar o modelo chinês (abertura na economia e mão-de-ferro na política).

Com certeza Lula foi direto ao ponto. Como a transição na ilha será controlada, é importante que haja sinalizações para a comunidade internacional. A libertação de prisioneiros políticos é um gesto de boa vontade do novo governo, o que contribui para um melhor reconhecimento internacional.

Que o povo cubano aproveite o novo momento político do país para transformações em direção à melhoria de suas condições de vida. Mais liberdade política e econômica é um passo nessa direção. Porém, que isso não seja feito com a destruição (ou regressão) de suas conquistas. Avançar sem perder a ternura. É a torcida que nós brasileiros devemos ter em relação ao futuro de Cuba.
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Jornalismo de resultados


Nicolaes BERCHEM, Merchant Receiving a Moor in the Harbour, Oil on canvas transferred from oak, 94 x 98,5 cm, Gemäldegalerie, Dresden
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Don´t bother me!

Estava passando batido pela comemoração da vitória em Berlim do “Tropa de elite” e a retomada da polêmica em torno do filme. Mas, hoje, quando li a crítica do The Guardian desancando o prêmio, dizendo que o filme é fascista, o argumento é infeliz, os diálogos são fracos, repletos de clichês, fiquei incomodado. Como assim? Fui relar o que aqui escrevi antes da mídia publicar uma única linha de análise, até então apenas visto em cópias piratas, e continuo com a mesma visão. O filme é parcial como análise daquela realidade, restrito a uma visão policial, hipócrita, que mente sobre a existência de um Bope incorruptível. Mas, onde a coisa hoje me incomodou, ele é melhor que muita baboseira da produção internacional. Como que vem um inglesinho mauricinho falar de que a nossa classe média não conhece a favela, nunca lá pôs os pés, não tem como falar sobre o assunto. Que papo é esse? Deseja que temos que acompanhá-los em suas visitas guiadas e protegidas, todos de mãozinhas dadas pelas vielas para poderem registrar o nosso exotismo?

Estava com essa sensação quando leio o Alon Feuerwerker que coloca um ponto interessante:

No Brasil, infelizmente, muita energia foi desperdiçada na polêmica inútil sobre o suposto viés ideológico da obra. Até hoje os atores e o diretor sentem-se na obrigação de "explicar" o que o filme "quis dizer". Que importância tem isso? Nenhuma. Se se fizer um balanço de todas as críticas dirigidas ao filme, ele não foi acusado em nenhum momento de deficiência estética ou técnica. Nem foi dito que retrata uma realidade inexistente. Tropa de Elite é mais uma prova da superioridade do realismo sobre escolas artísticas de inspiração subjetivista e abstrata. Tropa de Elite é o nosso Resgate do Soldado Ryan.

Interessante. Nem compactuo com o restante do texto e o entusiasmo do jornalista, que vai mais longe, exagerando em que o filme é um “ Vidas secas” do Brasil urbano e coisas do tipo. Gostei da comparação com Spielberg. De fato, o que faz um soldado americano ser mais factível que o Capitão Nascimento? Mais humano? Quer maior hipocrisia ou clichê imaginar a situação do enredo em que um soldado alemão é poupado? Vocês acreditam nisso? O exército americano não começou agora no Iraque seu barbarismo, seu aprendizado de tortura. Foram séculos de experiência. Trucidaram populações indefesas nas Filipinas, verdadeiro holocausto patrocinado pelos seus primeiros interesses geopolíticos no Oriente. Mark Twain que o diga. E não pararam aí. A lista é grande, e chega aos nossos dias, quase sem interrupção. Quando filmam, o fazem como sofridos homens vítimas da história, que deram o sangue pela “liberdade” do ocidente. Baboseira. Quando filmarão a verdade histórica de que pouco os americanos fizeram na Europa, comparados ao que a União Soviética sofreu com seus exércitos, seu povo? Seu interesse era o Japão e cercanias, para onde seu capitalismo desejava ampliar-se. Liberdade? Conta outra.
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Radicalização periférica

Desde seu lançamento, Tropa de Elite viveu na polêmica. Foi recebido com bastante má vontade por parcela da imprensa e da intelectualidade brasileira. Semana passada, causou reações controversas do público e dos jornalistas presentes ao Festival de Cinema de Berlim. Recebeu críticas ácidas de publicações especializadas (como a revista Variety) e do grande Le Monde. Na noite de sábado, 16 de fevereiro, o filme levou o Urso de Ouro, uma das mais importantes premiações do cinema mundial, e foi aclamado de pé pela platéia que se aglomerou no Berlinale Palast. O júri, presidido pelo cineasta Costa-Gravas, premiou o filme de José Padilha por sua capacidade de “nos ajudar a compreender a sociedade brasileira, e não apenas ela. Corrupção e violência são pragas que avançam em todo o mundo, com as especificidades de cada lugar”.

Reproduzo abaixo artigo que publiquei no jornal O Estado de S. Paulo em outubro de 2007, quando o filme iniciava sua exibição nos cinemas brasileiros.


Logo no início de Tropa de Elite – o interessantíssimo e polêmico filme de José Padilha – fica-se sabendo que polícia, crime e tráfico fazem parte de um mesmo sistema: entrelaçam-se como fios de novelos gêmeos, corrompem-se e se degradam mutuamente. Quase de imediato percebe-se também que o entrelaçamento é mais profundo. Nos morros e na cidade, os desejos de consumo, os estilos, a linguagem e os comportamentos sugerem uma ausência de distância social, ainda que seja escandalosamente ostensiva a disparidade de renda, educação e oportunidades entre aqueles mundos unidos pela diluição ética e pelo ofuscamento do futuro.

Os morros retratados no filme são ambientes abandonados, assistidos por uma ONG bem-intencionada, mas não pelo poder público. Jovens burgueses e de classe média compartilham espaços e drogas com jovens pobres, marginais e crianças, misturando de modo louco universos que, na base da sociedade, são incomunicáveis e se rejeitam com veemência. Parece não haver classes naquela “comunidade” unida pelo desejo de sobreviver, de consumir, de “fazer algo” e acontecer, sempre que possível contra o Estado (a polícia). Mas a exclusão, a miséria, a falta de perspectivas explodem por toda parte, a evidenciar um dilaceramento social extensivo. A violência generalizada é seu fermento, a dificuldade comunicacional seu combustível. Não é somente a truculenta e fascista elite da tropa que se revela desqualificada para propor uma saída: todos – traficantes, universitários, políticos – chafurdam na mesma impossibilidade de ação positiva, dramaticamente abraçados.

Pode-se até dizer que o filme exagera na apresentação da violência, que nos morros também há gente decente dedicada a alcançar patamares consistentes de dignidade e sobrevivência. Que a polícia não é só aquilo que se vê, uma corporação corroída pela corrupção, pelo despreparo e pela luta interna. Como toda obra de arte, Tropa de Elite dá margem a muitas interpretações. Pode ter fascinado alguns brucutus de plantão e seduzido aquela parcela da população que acredita na lei do cão, mas não deixa ninguém indiferente. Ao desnudar uma situação lancinante, explosiva, faz um irrecusável convite à reflexão. Incentiva-nos a pensar no Brasil atual, onde o moderno está ao mesmo tempo radicalizado (repleto de tecnologia, individualizado e desinstitucionalizado) e aprisionado pela condição periférica do país, que nos mantém com boa parte do corpo submerso na pobreza, na ignorância e no atraso econômico-social.

O entrelaçamento destas duas “lógicas”, a da modernidade radicalizada e a da condição periférica, a do celular e a da miséria, dá cores ao Brasil atual. Voracidade produtiva e consumista, desejo contínuo de exposição, diversão e velocidade, conectividade fácil, desengajamento, fuga do Estado e da política – são fenômenos derivados do moderno que se radicaliza. Vida que escoa pelos dedos, sem direção e sem formato estável: “líquida”, na sugestiva linguagem metafórica de Zigmunt Bauman. A condição periférica, por sua vez, nos encharca de pobreza, de violência, de luta insana pela existência, de indigência e não-reconhecimento, de massas subalternizadas, vistas como ameaça e problema, não como fato humano ou gente. A interpenetração das duas condições produz um tipo de vida: dinâmica, frenética, desigual, efêmera, inevitavelmente insegura e perigosa. Se a inovação tecnológica infrene apaga as distâncias de tempo/espaço, ela ao mesmo tempo polariza a convivência, separando as pessoas, por exemplo, em incluídos e excluídos digitais ou informacionais. Ao passo que, para uns, drogas e celulares são meios de vida, para outros são fontes de prazer e entretenimento.

Encontramos traços deste modo de ser por onde quer que caminhemos. Ou será que as dificuldades e incertezas da escola e da educação têm a ver somente com fracasso pedagógico ou despreparo dos professores? A longa e interminável crise do Congresso seria por acaso o resultado exclusivo da mediocridade da classe política? E o que dizer da condição falimentar dos partidos? Podemos nos contentar em atribuir as seguidas tragédias (aéreas, rodoviárias, urbanas, hospitalares) de nossos dias somente aos “sistemas” e a seus operadores?

A modernidade radicalizada periférica está pulsando em nossos nichos sistêmicos e existenciais. A vida líquida, por aqui, é ainda mais informe. Não necessitaríamos de filmes como Tropa de Elite para saber disso. Bastaria olhar para os ambientes em que julgamos estar nossas maiores virtudes: nossas instituições, da família aos sindicatos, passando pelas escolas e pelos tribunais, pelo mercado e pelo Estado. Tudo parece meio desfocado e fora de controle: em transição acelerada, recomposição e “sofrimento”. Há coisas novas despontando, coisas velhas ruindo com estardalhaço, outras fenecendo em silêncio. O tom dominante é de dúvida, medo, incerteza e insegurança, mas não há como desprezar a potência positiva daquilo que emerge, nem achar que todos os cidadãos se deixaram contaminar por igual e não se orientam mais por nenhum valor cívico (a honestidade, a decência, a integridade) ou aposta política.

A questão, como sempre, está na contradição e na ambivalência. Aquilo que se mostra mais “emancipador” – a liberdade de escolha, a mobilidade, a democratização dos relacionamentos – também traz consigo novas injustiças e a reiteração de problemas já conhecidos: vantagens e oportunidades desigualmente distribuídas, hierarquias e assimetrias de novo tipo, exclusões inaceitáveis.

A época é estranha, turbulenta, difícil de ser decodificada. Ela está a nos dizer que problemas e conflitos não podem ser resolvidos por medidas unilaterais ou discursos fáceis. Dependemos sempre mais de pensamento crítico articulado e de políticas inteligentes, contínuas, democráticas, que valorizem as pessoas e produzam resultados sustentáveis. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 27 de outubro de 2007, p. A2]

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Popularidade do Governo Lula

O que mais me espanta é o espanto da mídia. Decididamente os caras ficam contrariados quando percebem, que por mais campanha que façam, por mais sistemática e baixa que esta campanha seja, ela simplesmente não cola.
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