Radicalização periférica

Desde seu lançamento, Tropa de Elite viveu na polêmica. Foi recebido com bastante má vontade por parcela da imprensa e da intelectualidade brasileira. Semana passada, causou reações controversas do público e dos jornalistas presentes ao Festival de Cinema de Berlim. Recebeu críticas ácidas de publicações especializadas (como a revista Variety) e do grande Le Monde. Na noite de sábado, 16 de fevereiro, o filme levou o Urso de Ouro, uma das mais importantes premiações do cinema mundial, e foi aclamado de pé pela platéia que se aglomerou no Berlinale Palast. O júri, presidido pelo cineasta Costa-Gravas, premiou o filme de José Padilha por sua capacidade de “nos ajudar a compreender a sociedade brasileira, e não apenas ela. Corrupção e violência são pragas que avançam em todo o mundo, com as especificidades de cada lugar”.

Reproduzo abaixo artigo que publiquei no jornal O Estado de S. Paulo em outubro de 2007, quando o filme iniciava sua exibição nos cinemas brasileiros.


Logo no início de Tropa de Elite – o interessantíssimo e polêmico filme de José Padilha – fica-se sabendo que polícia, crime e tráfico fazem parte de um mesmo sistema: entrelaçam-se como fios de novelos gêmeos, corrompem-se e se degradam mutuamente. Quase de imediato percebe-se também que o entrelaçamento é mais profundo. Nos morros e na cidade, os desejos de consumo, os estilos, a linguagem e os comportamentos sugerem uma ausência de distância social, ainda que seja escandalosamente ostensiva a disparidade de renda, educação e oportunidades entre aqueles mundos unidos pela diluição ética e pelo ofuscamento do futuro.

Os morros retratados no filme são ambientes abandonados, assistidos por uma ONG bem-intencionada, mas não pelo poder público. Jovens burgueses e de classe média compartilham espaços e drogas com jovens pobres, marginais e crianças, misturando de modo louco universos que, na base da sociedade, são incomunicáveis e se rejeitam com veemência. Parece não haver classes naquela “comunidade” unida pelo desejo de sobreviver, de consumir, de “fazer algo” e acontecer, sempre que possível contra o Estado (a polícia). Mas a exclusão, a miséria, a falta de perspectivas explodem por toda parte, a evidenciar um dilaceramento social extensivo. A violência generalizada é seu fermento, a dificuldade comunicacional seu combustível. Não é somente a truculenta e fascista elite da tropa que se revela desqualificada para propor uma saída: todos – traficantes, universitários, políticos – chafurdam na mesma impossibilidade de ação positiva, dramaticamente abraçados.

Pode-se até dizer que o filme exagera na apresentação da violência, que nos morros também há gente decente dedicada a alcançar patamares consistentes de dignidade e sobrevivência. Que a polícia não é só aquilo que se vê, uma corporação corroída pela corrupção, pelo despreparo e pela luta interna. Como toda obra de arte, Tropa de Elite dá margem a muitas interpretações. Pode ter fascinado alguns brucutus de plantão e seduzido aquela parcela da população que acredita na lei do cão, mas não deixa ninguém indiferente. Ao desnudar uma situação lancinante, explosiva, faz um irrecusável convite à reflexão. Incentiva-nos a pensar no Brasil atual, onde o moderno está ao mesmo tempo radicalizado (repleto de tecnologia, individualizado e desinstitucionalizado) e aprisionado pela condição periférica do país, que nos mantém com boa parte do corpo submerso na pobreza, na ignorância e no atraso econômico-social.

O entrelaçamento destas duas “lógicas”, a da modernidade radicalizada e a da condição periférica, a do celular e a da miséria, dá cores ao Brasil atual. Voracidade produtiva e consumista, desejo contínuo de exposição, diversão e velocidade, conectividade fácil, desengajamento, fuga do Estado e da política – são fenômenos derivados do moderno que se radicaliza. Vida que escoa pelos dedos, sem direção e sem formato estável: “líquida”, na sugestiva linguagem metafórica de Zigmunt Bauman. A condição periférica, por sua vez, nos encharca de pobreza, de violência, de luta insana pela existência, de indigência e não-reconhecimento, de massas subalternizadas, vistas como ameaça e problema, não como fato humano ou gente. A interpenetração das duas condições produz um tipo de vida: dinâmica, frenética, desigual, efêmera, inevitavelmente insegura e perigosa. Se a inovação tecnológica infrene apaga as distâncias de tempo/espaço, ela ao mesmo tempo polariza a convivência, separando as pessoas, por exemplo, em incluídos e excluídos digitais ou informacionais. Ao passo que, para uns, drogas e celulares são meios de vida, para outros são fontes de prazer e entretenimento.

Encontramos traços deste modo de ser por onde quer que caminhemos. Ou será que as dificuldades e incertezas da escola e da educação têm a ver somente com fracasso pedagógico ou despreparo dos professores? A longa e interminável crise do Congresso seria por acaso o resultado exclusivo da mediocridade da classe política? E o que dizer da condição falimentar dos partidos? Podemos nos contentar em atribuir as seguidas tragédias (aéreas, rodoviárias, urbanas, hospitalares) de nossos dias somente aos “sistemas” e a seus operadores?

A modernidade radicalizada periférica está pulsando em nossos nichos sistêmicos e existenciais. A vida líquida, por aqui, é ainda mais informe. Não necessitaríamos de filmes como Tropa de Elite para saber disso. Bastaria olhar para os ambientes em que julgamos estar nossas maiores virtudes: nossas instituições, da família aos sindicatos, passando pelas escolas e pelos tribunais, pelo mercado e pelo Estado. Tudo parece meio desfocado e fora de controle: em transição acelerada, recomposição e “sofrimento”. Há coisas novas despontando, coisas velhas ruindo com estardalhaço, outras fenecendo em silêncio. O tom dominante é de dúvida, medo, incerteza e insegurança, mas não há como desprezar a potência positiva daquilo que emerge, nem achar que todos os cidadãos se deixaram contaminar por igual e não se orientam mais por nenhum valor cívico (a honestidade, a decência, a integridade) ou aposta política.

A questão, como sempre, está na contradição e na ambivalência. Aquilo que se mostra mais “emancipador” – a liberdade de escolha, a mobilidade, a democratização dos relacionamentos – também traz consigo novas injustiças e a reiteração de problemas já conhecidos: vantagens e oportunidades desigualmente distribuídas, hierarquias e assimetrias de novo tipo, exclusões inaceitáveis.

A época é estranha, turbulenta, difícil de ser decodificada. Ela está a nos dizer que problemas e conflitos não podem ser resolvidos por medidas unilaterais ou discursos fáceis. Dependemos sempre mais de pensamento crítico articulado e de políticas inteligentes, contínuas, democráticas, que valorizem as pessoas e produzam resultados sustentáveis. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 27 de outubro de 2007, p. A2]

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Popularidade do Governo Lula

O que mais me espanta é o espanto da mídia. Decididamente os caras ficam contrariados quando percebem, que por mais campanha que façam, por mais sistemática e baixa que esta campanha seja, ela simplesmente não cola.
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Pesquisa CNT/SENSUS aponta a maior aprovação ao governo Lula desde 2003

A avaliação do governo Lula é a maior desde 2003. O índice daqueles que consideram o governo ótimo e bom sobe de 46,5% para 52,7% em janeiro. Esse percentual chega a 85,2% de brasileiros quando se considera ótimo, bom e regular. Além disso, a aprovação pessoal do presidente cresce para 66,8% de ótimo e bom. Em contraste, apenas 13,7% dos brasileiros consideram o governo ruim ou péssimo. Houve um significativo crescimento na avaliação do governo e do presidente Lula. Os programas sociais e a melhoria na economia explicam a aprovação do Lula e de seu governo. Além disso, o discurso de fácil assimilação com a população do presidente Lula contribui para uma melhor avaliação junto às camadas de renda mais baixa.

A crise da febre amarela (uma epidemia que não houve) e as denúncias de mau uso dos cartões corporativos não foram capazes de atingir a aprovação ao governo Lula, que continua em alta. Mas a maioria dos entrevistados acredita que os cartões corporativos afetam a imagem do presidente Lula. A questão é que a população avalia o governo em seu conjunto, o que explica a elevação da popularidade mesmo em momentos de intensa agenda negativa na imprensa.

A maioria do eleitorado mostram confiança no crescimento do país. É um contraste quando se observa que grande parte dos entrevistados mostram preocupação com a crise americana. Outro destaque da pesquisa CNT/Sensus é a melhora significativa no índice de expectativa, que sintetiza as perspectivas para indicadores de emprego, renda, saúde, educação e segurança pública para os próximos seis meses. Segundo a pesquisa, o índice de expectativa subiu de 64,46 pontos em outubro de 2007 para 71,25 pontos em fevereiro. É sinal de otiminismo da população em relação aos indicadores sociais.

Em relação aos últimos seis meses, o índice de avaliação do cidadão, que pondera os mesmos indicadores do índice de expectativa, subiu de 44,72 pontos para 50,90 pontos. Em todas as categorias, houve percepção de melhora nos últimos seis meses. Ricardo Guedes, diretor da Sensus, pondera que isso explica o aumento na popularidade do presidente Lula e de seu governo.

A pesquisa também avaliou os cenários para a eleição de 2010. Serra continua sendo o nome mais forte para 2010. Aécio Neves está em crescimento contínuo. No lado do PT, os ministros Patrus Ananias e Dilma Rousself continuam com poucas intenções de voto. São poucos conhecidos do eleitorado. No campo governista, Ciro Gomes é o nome mais bem colocado em todas as simulações. Segundo Ricardo Guedes, do Sensus, o apoio do presidente Lula poderá levar o candidato para o segundo, seja ele do PT ou de outro partido da base aliada.

A pesquisa não apresentou nenhuma novidade com relação às eleições de 2010. O cenário é praticamente o mesmo de meses atrás. Mas confirma que Lula poderá influenciar a escolha de seu sucessor. A popularidade do presidente Lula pode garantir um candidato da base aliada no segundo turno das eleições. Além disso, uma parte do eleitorado poderá seguir às recomendações do presidente.

Para saber mais sobre a pesquisa CNT/SENSUS, clique aqui para ler o que foi publicado no sítio da CNT.
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Batalha Nassif/Veja: A grande imprensa na defensiva

Imperdível a série de denúncias do jornalista Luis Nassif contra a revista Veja. Este blog presta seu apoio à corajosa luta de Nassif para mostrar o tipo de jornalismo praticado pela revista. A podridão do jornalismo praticado pela Veja está exposta numa série de artigos disponibilizados na internet pelo Nassif em seu blog e no site googlepages. São negociatas, ataques desqualificadores contra todos que atravessam à sua frente, guerras comerciais como a “batalha das cervejas”. O mais puro esgoto jornalístico.

Os artigos publicados pelo Nassif oferecem o “modus operandi” da revista Veja. Luis Nassif dissecou parte da sujeira encoberta na teia de interesses por trás de grandes reportagens. Conforme destacou Rafael Galvão em seu blog, o que Nassif denuncia seria comum em todos os jornais e revistas espalhados pelo país. Para ele, o jornalzinho do interior faz algumas matérias batendo no prefeito para ganhar anúncios e calar a boca; segundo ele, há alguns anos a Globo se sentiu ameaçada por uma incursão da Legião da Boa Vontade, aquela do Paiva Netto, no mercado educacional; o resultado foi uma série de matérias denunciando irregularidades da entidade. São apenas alguns exemplos.

Em reação às denúncias de Nassif, a revista Veja entrou com ações na Justiça contra o jornalista. A revista não refutou nenhuma denúncia sequer. Apenas quer usar a Justiça como instrumento para retardar ou dificultar a publicação das denúncias. É um direito da revista procurar a Justiça por sentir prejudicada. Porém, sempre que a imprensa faz uma denúncia vazia e alguém entra na Justiça, é logo acusado por toda ela, sem defecções, de querer calar a imprensa ou de ato contra a sua liberdade. Dessa vez, nenhum veículo de comunicação ou grande jornal em circulação saiu em defesa da liberdade jornalística do Nassif. Dois pesos e duas medidas. Sempre assim.

O curioso é que a grande imprensa silenciou sobre as denúncias. É o assunto do momento, em todas as redações, nas páginas da web, mas não saiu uma linha sequer nos grandes jornais. Cadê o direito dos leitores desses jornalões à informação? Por que se calam? Papelão esse que nossa imprensa se presta. Sonegam informação a seus leitores. Como no caso dos cartões corporativos, se depender da grande imprensa, o déficit de informação será gigantesco.

São denúncias gravíssimas. Colocam em xeque a credibilidade da maior revista semanal do país. Não é apenas uma briga política na blogosfera – a pretensa guerra política na blogosfera não existe -, como sugere o texto publicado pelo Observatório da Imprensa. Os blogueiros têm opiniões divergentes, muitas vezes radicalmente opostas, mas é normal. Estranho seria se os blogueiros acompanhassem a grande mídia e acabassem com a diversidade.

A verdade é que não há transparência em nossa imprensa. Se não fosse a pressão da blogosfera, ninguém tinha conhecimento dos abusos praticados com os cartões de Serra. E mesmo assim, sem maiores explicações, a imprensa num passe de mágica sumiu com as matérias. Deram espaço para as explicações do governo paulista sem submetê-lo ao contraditório. Fez uma cobertura partidária de um problema de gestão. Alguém pode dizer que o problema é ético. E daí? Vale a mesma coisa. Os interesses políticos e empresariais por trás da linha editorial dos jornais estão distantes de seus leitores.

Impacientes com a blogosfera, a Folha classificou os blogs de política de “engajados”. É uma tentativa rasteira de desqualificá-los. É público e notório que os blogs trazem mais diversidade à informação política. Trata-se de um espaço bem mais democrático para a discussão política que o ambiente dos jornais. Desqualificá-los simplesmente é pura intransigência ou intolerância à diversidade de opiniões. Não aceitam a crítica. Como disse em outro post, não posso exigir neutralidade da imprensa, mas reservo-me o direito de não gostar de seu trabalho. A divergência não é monopólio da grande imprensa. Até mesmo porque há sempre solidariedade entre eles. Na batalha envolvendo Nassif e a Veja, a solidariedade é total.

Os fãs da revista estão raivosos. Dizem que no governo Lula surgiu uma onda anti-Veja. Nassif estaria defendendo os interesses do governo contra uma revista que denuncia seus abusos. É um tipo de defesa que não suporta uma crítica mais consistente. Não respondem às denúncias do Nassif. Se as denúncias são verdadeiras, Nassif faz um bom jornalismo. Se elas são falsas, onde estariam as evidências. Será que uma revista que usa dos expedientes denunciados é uma boa revista? Quer dizer que vale tudo para atingir o governo? Uma coisa é ser contra o governo, outra coisa é defender o jornalismo mercantil da revista Veja.

Dias atrás o blog “O biscoito fino e a massa” comentou sobre “a decadência da Fox” na cobertura eleitoral americana. A comparação da Veja com a Fox deveu-se ao extremismo de ultra-direita da Fox, como se isso representasse o centro do espectro político americano. A queda da Fox na importância da cobertura política daquele país é um bom sinal. Para os fãs da revista Veja, deveriam prestar muita atenção. O sinal vermelho ascendeu. Se a moda pega, quem sabe jornalismo direitista (e udenista) comece a perder importância aqui nos trópicos.

Na eleição de 2006, Lula foi reeleito apesar da mídia. Houve uma campanha forte contra sua candidatura, mas não foi suficiente para sua derrota. Na época, comentava-se que a mídia tinha perdido capacidade de influenciar as eleições. É óbvio que ela ainda influencia e muito. Na verdade, a mídia perdeu a vergonha de ficar contra o povo. Essa talvez seja a razão para que o povo preferisse ficar do outro lado. Não seguiram sua cartilha. Quem sabe a decadência de Fox já esteja acontecendo por aqui, mas a ausência de diversidade na imprensa impeça de aparecer tal fenômeno. É só uma hipótese.

(CLIQUE AQUI PARA LER A SÉRIE DE REPORTAGENS NASSIF/VEJA)

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ENTREVISTA DE CIRO GOMES À FOLHA DE SÃO PAULO: Lula e FHC contemporizaram com patrimonialismo, diz Ciro

“Entrevista muito boa do presidenciável Ciro Gomes ao jornalista Kennedy Alencar, da Folha de São Paulo. Ciro Gomes é um homem de idéias, de opiniões, não tangersiva. Seu problema é o temperamento explosivo. Para 2010, é o principal nome do arco governista. É hoje uma das maiores referências da esquerda brasileira. Vejam a entrevista logo abaixo”.

KENNEDY ALENCAR
Colunista da Folha Online

Presidenciável do campo governista mais forte nas pesquisas sobre a sucessão de 2010, Ciro Gomes diz que falta ao governo Lula "projeto estratégico", mas que "o Brasil melhorou" na gestão do petista. Afirma que Lula e o antecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), contemporizaram com o patrimonialismo.

"Tive uma conversa explícita com FHC, reclamando do excesso de concessões e da frouxidão moral a pretexto da sustentação no Congresso. Lá pelas tantas, ele me disse: 'Você é muito jovem e um dia vai se sentar aqui. Verá que caiu o presidente que não contemporizou com o patrimonialismo'. Ele usou essa expressão. Fiquei muito chocado. No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa", afirma.

Deputado federal do PSB cearense, ele acha "correta", mas "improvável" prosperar a tese de Lula de aliança dos partidos aliados em torno de um único candidato ao Palácio do Planalto. Admite ser vice para viabilizar tal tese.

A depender da circunstância, votaria no governador Aécio Neves (PSDB) para presidente. Diz que o governador de São Paulo, o presidenciável José Serra, é "um homem de valor, porém, sem escrúpulos".

Vê possibilidade de acordo futuro com setores do DEM e do PSDB em torno de um "projeto estratégico" que preveria incremento da poupança interna e reformas política, tributária e previdenciária. Defende plebiscitos e referendos para a população "mediar" essas questões. Prega um modelo econômico com maior intervenção do estado.

Dá nota sete ao governo Lula, no qual foi ministro da Integração Nacional, e oito à gestão Itamar Franco Tem simpatia pelos democratas Barack Obama e Hillary Clinton. Não quis dizer qual prefere, mas julga os dois melhores para o planeta. Considera McCain uma figura interessante e diz que, por tradição, republicanos são menos hostis ao Brasil.

Para ele, oposição tenta achar novo mensalão com caso dos cartões corporativos, mas não terá sucesso. A respeito do mensalão, diz que foi um escândalo de caixa dois e que não teria havido uso de dinheiro público.

Afirma que o bispo de Barra, dom Luiz Cappio, é messiânico e tem vocação para o martírio. Já a atriz Letícia Sabatella, outra opositora da transposição do rio São Francisco, obra que Ciro defende, seria "ingênua".

Aos 50 anos, diz que está "muito mais maduro" e que não estava "preparado" para ser eleito presidente em 2002. No entanto, afirma: "Não quero vender a alma para ser presidente do Brasil. Se for para ser presidente do Brasil conciliando com determinadas coisas, não quero ser, não deverei ser, não serei um bom presidente".

Segue a entrevista, realizada em seu gabinete na Câmara, no final da tarde de quinta-feira:

FOLHA - O governo FHC estabilizou a economia e deu início a uma rede de proteção social. Lula manteve a estabilidade, ampliou os gastos com os mais pobres e lançou um plano de investimentos em infra-estrutura e energia que ainda é uma incógnita. Quais deveriam ser as prioridades do próximo governo?
CIRO GOMES - Discordo da formulação da pergunta. Houve uma lavagem cerebral no Brasil protagonizada pelo Fernando Henrique Cardoso. O governo Itamar Franco fez a estabilização com a fundação do real. Sem diminuir o papel do Fernando Henrique, que foi ministro da Fazenda, foi o que aconteceu e hoje o brasileiro médio não sabe disso porque foi feito um trabalho impressionante de propaganda em que a paternidade política do real foi assumida em 100% pelo Fernando Henrique. E o Itamar foi jogado na lata do lixo, como se tivesse sido um presidente exótico, quando foi uma passagem benfazeja pela Presidência.
A marca do governo FHC foi uma instabilidade, uma irresponsabilidade fiscal e uma ruptura do crédito brasileiro com estrangeiro como pouquíssimas e raras vezes aconteceram nos piores momentos da vida pública brasileira.

FOLHA - FHC não teve méritos?
CIRO - Sem FHC não teria havido o real, como também sem o Itamar não teria havido o real. Quero pôr as coisas no seu justo lugar. Embora méritos haja, a irresponsabilidade fiscal do governo FHC não tem precedentes na história brasileira. Isso se aponta com números. As pessoas acham que tenho animosidade particular. Nenhuma. Quando FHC tomou posse, com praticamente 500 anos de história brasileira, havia uma dívida pública equivalente a cerca de 38% do PIB (Produto Interno Bruto). Ele saiu do governo e deixou essa relação em 58% do PIB. Sob o ponto vista fiscal, o colapso do crédito brasileiro, que repercute na vida do povo embora pareça um assunto abstrato, cobra um preço.

FOLHA - Não se trocou a inflação alta pela dívida pública?
CIRO - Uma parte, sim. Outra parte claramente eleitoreira foi financiar a paridade entre o real e o dólar por um tempo maior que o necessário. Em 1998, acabou a reeleição e se desvalorizou em janeiro de 1999. Quando FHC assumiu, a carga tributária brasileira estava mais ou menos estacionada em 27% do PIB, e havia graves problemas e defeitos nela. O FHC entrega em janeiro de 2003 uma carga tributária equivalente a 35% do PIB. Explodiu a dívida, incrementou a carga tributária praticamente um percentil por ano de governo. A infra-estrutura, em consequência de uma taxa de investimento deprimida aos menores valores desde a Segunda Guerra Mundial, levou o país ao colapso, inclusive na caricatura trágica do apagão do setor elétrico.

Então, é um modelo errado, não é o Fernando Henrique pessoa física. Ele teve uma passagem respeitável [pela Presidência]. Tem muita coisa interessante, havia uma obra política que o Sarney tinha começado e que também ainda não se viu direito o quanto importante foi. Vejo isso já com olhar de história. Mas, na medida em que o Fernando Henrique sai do lugar justo e merecido que tem na história, que é positivo no saldo, e vem para o debate do dia-a-dia, está por trás por exemplo de uma decisão desatinada da oposição de derrubar a CPMF...

FOLHA - O governo dele teve um saldo positivo na história?
CIRO - O governo não. Ele pessoalmente. O governo é um desastre sem precedente na história brasileira.

FOLHA - Por que pessoalmente tem saldo positivo na história?
CIRO - Pela obra política. Foi um tempo de paz, um tempo de avanços institucionais. Ele é uma pessoa que deu dignidade ao cargo, que tem uma presença respeitabilíssima.

FOLHA - Quais devem ser os próximos passos do país?
CIRO - Falta ao Brasil um projeto estratégico. Percebo avanços importantes, conceituais no governo Lula. Por isso, o apóio. Aceitei servir ao governo, ajudei a esconjurar as crises, a enfrentar o debate político nem sempre favorável ao nosso lado.

FOLHA - Falta ao governo Lula um projeto estratégico?
CIRO - Ao Brasil.

FOLHA - Ao Brasil ou ao governo Lula?
CIRO - Ao Brasil e ao governo Lula, evidentemente. Temos um privilégio hoje, mas que gera uma debilidade institucional dramática: a intuição do presidente Lula, o compromisso verdadeiro com a causa nacional, com a causa dos mais pobres. Esses dois valores, que parecem uma abstração, embrionam um conjunto de valores coerente com o projeto nacional com o qual sonho. O Brasil melhorou com Lula, mas há muita debilidade institucional. Há dependência da vontade do Lula, da presença pessoal dele. Não é análise distante, não. Eu vi isso.

Durante o primeiro mandato, toda a política do Banco Central tinha uma tarefa: encarecer o crédito para dissuadir a demanda agregada, diminuindo o consumo. Todas as providências que o Lula bancou pessoalmente no crédito rural, no Pronaf, no crédito consignado, no crédito da casa popular, na construção civil foram na contramão do que o Banco Central está fazendo. Hoje, o ciclo de desenvolvimento que o país está vivendo, com essa retração internacional, é fundamentalmente puxado pelo mercado interno.

FOLHA - As duas coisas não são necessárias, o BC ter esse papel e o Lula puxar para o outro lado?
CIRO - Claro, mas repare bem. Depende muito do Lula pessoalmente. Depende do Meirelles [Henrique Meirelles, presidente do Banco Central], que está fazendo um belíssimo trabalho, apesar do meu antagonismo. Dependeu muito do Palocci [Antonio Palocci Filho, ex-ministro da Fazenda]. Depende hoje muito do talento extraordinário do Guido Mantega [ministro da Fazenda], que, não sendo exuberante no debate, é um extraordinário quadro que está dirigindo a economia brasileira de forma brilhante.

Na questão da Previdência, na qual as pessoas transformam o debate numa coisa contábil, a questão basicamente é: o que deve fazer a atual geração em relação à geração futura? Deve gastar e deixar uma dívida para a geração futura pagar? Ou deve se sacrificar e poupar para deixar alguma coisa para a geração futura? Isso é 100% ideológico. O governo Lula não mexeu nisso. O governo tem uma solidariedade com os aposentados, procura mitigar, atenua a questão pelo salário mínimo, que também é uma decisão pessoal do Lula.

FOLHA - Resuma esse projeto estratégico.
CIRO - Construir com começo, meio e fim uma economia política que tenha algumas clarezas. A produção brasileira não dispõe, mesmo no melhor momento dos últimos 20 anos, das condições simétricas às do empreendedor global para competir no mundo e no Brasil. A taxa de juros é global? Não. Se a taxa continuar tão assimétrica, estrategicamente o empreendedor brasileiro será prejudicado. Vamos marcar passo, como estamos marcando, apesar de termos avançado. É a menor taxa de juros real dos últimos 20 anos, e é uma taxa de juros exorbitante. O que se podia fazer com ganho de eficiência, já se fez. Daqui para frente é com o institucional.

Outra equação é o financiamento da Previdência. Não estou falando que devemos revogar o capitalismo. Estou falando do empreendedor brasileiro que não suportará uma condição assimétrica. Essas assimetrias precisam de uma economia de base capitalista, mas é preciso trazer claramente a idéia de uma economia em que o Estado cumpra as tarefas de mediar as assimetrias que atingem o empreendedor brasileiro. Às vezes, como na questão tecnológica, a solução exige uma presença direta do Estado. Não tem conversa. O Brasil não superará o hiato tecnológico sem uma intervenção direta do Estado.

No macro, a meta estratégica é liderar um esforço de elevação do nível interno de poupança. O movimento na Previdência tem a ver com isso. Um movimento no sistema tributário, reformado, tem a ver com isso. No micro, recuperar o Estado nas suas funcionalidades vitais. Exemplo: planejamento estratégico. Não dá para imaginar uma bodega sem planejamento estratégica. Isso foi satanizado na questão pública. Exemplo: a Amazônia está sendo acossada por um esforço predatório que impõe um interesse econômico ao interesse preservacionista. Qual é a causa disso? É a sacanagem do agricultor? Com o sacana, você lida. Usa a lei e a cadeia. Falta é planejamento estratégico. Tem de dizer: a equação econômica tem esse regramento, esse balizamento e um conjunto de restrições econômicas, como zoneamento econômico-ecológico, proibição de financiamento a quem desmatar ilegalmente, certificação de origem. Nossas estradas e nossos portos estão arrebentados. A economia política neoliberal é um perversão porque deixa o empreendedor médio nacional competindo em condições desiguais com o empreendedor médio do mundo.

O Brasil tem uma das mais agudas concentrações de renda do mundo organizado. Vai se resolver pelo espontaneísmo das forças de mercado? Todos os ganhos de produtividade fenomenais do Brasil nos últimos 20 anos não foram apropriados pelos trabalhadores. Durante os oito anos do governo FHC não foram apropriados. Agora, com o governo Lula, a renda do trabalhador volta a se recuperar discretamente, muito mais pela elevação do salário mínimo e pela geração de emprego do que por apropriação de ganhos de produtividade.

FOLHA - É possível formar uma maioria no Congresso para implementar esse projeto? Com quais forças?
CIRO - Possível, sim. É mais fácil, sendo dificílimo, reunir esse apoio se o método de debater a realidade brasileira for o interesse do país e não a luta política. Vejo interlocução no PSDB e em parte do DEM, sendo eu do campo hostil a eles na política. A tática que imagino é a seguinte. Tive uma conversa explícita com FHC, reclamando do excesso de concessões e da frouxidão moral a pretexto da sustentação no Congresso. Lá pelas tantas, ele me disse: você é muito jovem e um dia vai se sentar aqui. Verá que caiu o presidente que não contemporizou com o patrimonialismo. Ele usou essa expressão. Fiquei muito chocado. No governo Lula, vi um pouco de novo a mesma coisa. Me incomodei muito. Mas a maturidade, a vivência, quem sabe essa lição importante que o Fernando Henrique me deu...

FOLHA - Lula também contemporizou com o patrimonialismo?
CIRO - É o que estou lhe dizendo. Hoje, compreendendo que isso é um traço lamentável da realidade. Não deveríamos aceitá-lo, deveríamos manter sempre uma disciplina crítica contra isso, mas devemos reconhecer que é um traço da realidade. Como atenuar? Um temário central estratégico do país deveria ser excluído desse dia-a-dia do confronto governo-oposição. Governo vai ter sempre corrupção. Vai ter sempre oposição pedindo uma CPI com a perspectiva de desmoralizar o governo para obter efeitos eleitorais. Isso tudo é normal. Não acho normal isso dominar 100% as energias do país, especialmente da imprensa. A responsável não é a imprensa. A responsabilidade é dos políticos, a sua vassalagem, incompetência, medo de assumir suas responsabilidades. Porém, a imprensa ajuda ao espetacularizar o escândalo, ao novelizar o escândalo. Não estou dizendo que o escândalo não deva ser tratado. Deve ser tratado duramente, mas não pode monopolizar as atenção da sociedade brasileira se temos tais e tantas questões graves.

Advogo que o modelo tributário, o modelo previdenciário e o marco central de economia política e a questão da institucionalidade política [reforma política] devam ser temas que fiquem fora do mundanismo do dia-a-dia do governo governando e oposição oposicionando.

Em certos momentos, é profundamente democrático e não significa enquadramento do Congresso, convocar a população diretamente para mediar determinadas questões, com plebiscitos e referendos. Via até mesmo o próprio Congresso. Exemplo prático: Previdência Social. O debate sobre reforma previdenciária deve ser aberto assim. Nossa geração se sacrifica para deixar alguma coisa para a próxima ou come o que puder hoje e deixa que os filhos se virem no futuro? O que tem de ser feito fere interesses atuais e organizados em nome do interesse difuso das gerações futuras. Por que não convocar a população para ajuizar um questão. Um referendo, por exemplo, porque o Congresso precisa fazer a reforma antes.

FOLHA - O Banco Central voltou a dar sinais de que pode elevar os juros. Seria uma medida acertada?
CIRO - Errada.

FOLHA - Lula não deu autonomia formal ao BC, mas a concedeu na prática. O sr. acha essa fórmula correta?
CIRO - Num país de institucionalidade precária, como o nosso, o BC tem que estar submisso à autoridade da população via o presidente legitimamente eleito. O que não quer dizer que o presidente eleito deva se meter na função do BC de manter a saúde da moeda.

FOLHA - A meta de superávit primário de 3,8% deve ser mantida nos próximos anos?
CIRO - Advogo que saúde fiscal é um valor que deva ser perseguido definitivamente. O Brasil deve manter uma política fiscal austera superavitária. Só assim daremos confiabilidade à nossa capacidade de administrar nossos passivos. Isso abre caminho, como demonstrado, de reduzir a taxa de juros para incrementar a geração de emprego e o investimento.

Nada contra o conceito. Entretanto, uma nação não tem uma contabilidade de padaria. Uma economia sem compromisso com o estratégico pode ser um economia em dois anos, cinco anos.

FOLHA - Está correta a de 3,8%?
CIRO - Está errada em ser fixa.

FOLHA - O sr. a reduziria?
CIRO - Vou propor uma outra coisa...

FOLHA - Resuma.
CIRO - Não vou resumir. Lamento, mas a vida é difícil. Como dizia Padre Vieira, desculpe, mas não posso ser breve. É tolerável faltar energia num país como o Brasil? Não. Sucede então que o investimento necessário para não faltar energia não pode estar submisso a nada, a uma apuração de curto prazo [para cumprir a meta de superávit]. Posso economizar em manutenção de estrada? Se não faz a manutenção preventiva, a manutenção com a estrada esburacada sai mais caro. Todo ano jogamos dinheiro fora fazendo manutenção com a base comprometida. Sai mais caro.
A meta deve ser todo o superávit possível para trazer a dívida pública na sua proporção com o PIB a um patamar que garanta ao Brasil trazer sua taxa de juros a um padrão competitivo.

FOLHA - Qual seria a relação ideal entre PIB e dívida pública?
CIRO - O ideal é o Brasil buscar o déficit nominal zero, que está contemplado no PAC. O maior crime da oposição ao derrubar a CPMF foi comprometer esse itinerário. A oposição, que fala em responsabilidade fiscal, que crítica gastos sem grande volume com cartões corporativos que devem ser criticados, porque aparentemente pouco austeros, cometeu um desatino fiscal ao tirar R$ 40 bilhões do caixa sem botar nada no lugar. Se ainda fosse numa reforma tributária, compreenderia.

FOLHA - Se fosse americano, gostaria de votar para presidente nos democratas Barack Obama ou Hillary Clinton ou no republicano John McCain?
CIRO - Sou brasileiro.

FOLHA - Qual dos três seria melhor para o Brasil?
CIRO - Há contradição entre a minha simpatia e o que a tradição histórica demonstra. Para a economia brasileira, os republicanos têm sido menos hostis, um pouco menos protecionistas.

FOLHA - O democrata Bill Clinton salvou FHC em 1999, ao bancar ajuda de mais de R$ 40 bilhões do FMI ao Brasil.
CIRO - O FMI socorreu. O Clinton ajudou. Mas, voltando à pergunta, o padrão de consumo que os EUA têm está matando o planeta. Uma lógica assentada no combustível fóssil e no automóvel não é sustentável. A idéia de uma ação unilateral de guerras preventivas choca-se com a busca de uma ordem mundial amparada na paz. Os dois democratas estão mais comprometidos com essa visão, que é melhor para o planeta. Não disfarço minha simpatia pelos dois, mas o senador John McCain é uma figura bastante interessante. A ultradireita americana, neopentecostal e belicista, está meio sem representação nessas eleições.

FOLHA - Tem simpatia por um dos dois democratas?
CIRO - Tenho, mas não digo.

FOLHA - Responda. Ajude a entrevista a ficar melhor.
CIRO - Não devo. Vá que eu me eleja um dia desses aí presidente do Brasil, tenho de tratar com um deles, com o maior respeito.

FOLHA - O sr. é favorável ao fim da reeleição e a um mandato de cinco anos? Por quê?
CIRO - Seria melhor para o Brasil. A tendência de abuso por quem está no poder é grave. FHC fez uma reeleição para si próprio. Para quem fala em ética, ele cometeu um atentado básico contra a ética, pois manipulou o Congresso com o poder imperial de um presidente no Brasil.

FOLHA - Lula prega uma aliança ampla dos partidos aliados com candidatura presidencial única em 2010 como mais eficaz para derrotar a oposição. O sr. concorda com a tese?
CIRO - Concordo.

FOLHA - É viável uma coalizão com PT, PMDB e PSB?
CIRO - Muito improvável.

FOLHA - Serão inevitáveis duas ou até três candidaturas do campo hoje aliado a Lula?
CIRO - Muito provável.

FOLHA - O sr. hoje é o nome do chamado campo lulista que está mais bem posicionado nas pesquisas, no patamar dos 20%. Petistas vão de 1% a 6%. Quais devem ser os principais critérios para definir os candidatos? Desempenho em pesquisa?
CIRO - Pesquisa hoje é muito mais uma forma de notoriedade do que propriamente voto sedimentado. Pesquisa mesmo na data, quando tem tendência mais reveladora, é um critério despolitizado. Os critérios devem ser quem tem mais clareza da tarefa que se impõe ao sucessor de Lula e quem é mais viável. A tarefa será preservar o espaço conquistado, aperfeiçoar alguns erros graves, erros que lhe foram impostos pela realidade, mas a grande tarefa será a institucionalização estratégica. Olhar para o futuro com o Brasil como uma potência intermediária, protagonista do mundo global sem vassalagens nem arrogâncias. Do nosso tamanho, temos um lugar. Construir isso significa dar mais poderes competitivos ao empreendedor brasileiro, fortalecer o acesso ao direito à educação, ao direito ao trabalho, ao direito à segurança e à saúde, que não estão no foco do debate.

FOLHA - O sr. admitiria ser vice numa chapa?
CIRO - Admito ser qualquer coisa. Não fui ministro do Lula, com a maior honra?

FOLHA - Na hipótese de o governador Aécio Neves (PSDB-MG) ingressar no PMDB e de o partido integrar uma coalizão governista em 2010 com apoio de Lula e do PT, ele poderia ser o cabeça de chapa?
CIRO - Não. Veja bem. Aécio é um dessas grandes e boas novidades que a democracia brasileira está produzindo. Falta a ele uma vivência nacional. Nada que o talento, o espírito público e o carisma dele não supram rapidamente. Votaria no Aécio em uma certa circunstância tranqüilamente.

FOLHA - Comporia uma chapa com ele?
CIRO - Nessa circunstância agora não é provável. Ele é do PSDB. Pertenço comovidamente ao arco de sustentação do governo Lula.

FOLHA - Se ele fosse para o PMDB?
CIRO - Não acredito nessa hipótese. O PMDB tem aquilo que, para mim, sempre teve. Um lado respeitabilíssimo e um lado com o qual tenho o maior antagonismo do mundo faz muitos anos.

FOLHA - Qual é esse lado?
CIRO - Isso é uma obviedade.

FOLHA - Na última disputa pela presidência da Câmara, o sr. criticou o PT, dizendo que o partido não estava sendo correto com Aldo, um aliado. Acha que o PT tem dificuldade para dividir poder?
CIRO - Muita. Todo partido tem dificuldade em dividir poder, mas no PT é mais grave. Uma parte do PT tem uma visão, por tradição, quase unipartidária.

FOLHA - O PT apoiaria um candidato a presidente de outro partido?
CIRO - Muito improvável. É legítimo o PT querer ter candidato. Ninguém pode dizer nada. No caso do Aldo era diferente. Havíamos saído de uma crise dramática [mensalão], na qual uma parte da elite brasileira escalou o golpe contra o Lula. Houve graves problemas, mas se escalou o golpe. Minha memória é implacável. O PSDB e o DEM elegeram Severino Cavalcanti presidente da Câmara porque acreditavam que ele poderia aceitar um pedido de impeachment. Com o Aldo, conseguimos esconjurar essa escalada.

FOLHA - O PT não foi grato e leal ao Aldo?
CIRO - A questão não é essa. A questão é quem é o seu parceiro, com quem você conta de verdade? Na hora crítica, conta com o seu companheiro. Na hora da bonança, descarta o companheiro e faz uma aliança com quem não tinha nenhuma afinidade [acordo do PT com o PMDB] sem conversar com os aliados antigos. Conversei com o presidente e com seus articuladores para dizer que era preciso criar uma dinâmica. Se achou que era importante uma aliança com o PMDB, que tem volume [maior partido da Câmara], e concordou em colocar o Geddel [Vieira Lima] no ministério [da Integração Nacional], que era um violento crítico do governo, é da vida. Não tenho nada contra. O erro foi fazer isso derrotando um companheiro que na hora crítica salvou a institucionalidade brasileira. Se perdoar se perdoa, porque já perdoamos. Mas não se justifica.

FOLHA - O sr. disse que a oposição tentou "impedir Lula de governar" ao rejeitar a CPMF. O sr. e aliados de Lula não exageram ao tachar a oposição de golpista? No passado, a oposição não fez o mesmo com FHC?

CIRO - Não foi um dos mais graves erros do PT? Justifica? Apesar de hostil a FHC, eu censurei o fora FHC que o PT propôs. Esculhambei pessoalmente o Tarso Genro [hoje ministro da Justiça] num debate no Rio Grande do Sul. Disse que era golpismo. Falei que amanhã a oposição chegaria ao poder e, no primeiro instante, ela veria ser proposto um fora Lula. Não é porque sou profeta, não. É porque sou velho.

FOLHA - No caso dos cartões corporativos, o governo diz que a oposição faz luta política para enfraquecer Lula. Já a oposição vê novo escândalo de corrupção e julga uma manobra diversionista investigar FHC. O sr. é favorável à CPI e qual é a sua opinião sobre esse tema?
CIRO - É um tema vulgar, desagradável. Evidentemente, há erros que devem ser pesquisados pelos órgãos institucionais que já estão fazendo o seu trabalho, como o Ministério Público, o Judiciário, a Corregedoria Geral da União. É um caso que terá menos peso na vida do país. É tão fortemente artificial que não vai colar. Não é todo dia que se acha um mensalão.

FOLHA - A oposição está tentando achar um mensalão?
CIRO - Claro. Setores da oposição adoram isso, porque simplifica o debate. Eles estão desarvorados. O PSDB aqui na Câmara começou o debate da CPMF indo para a tribuna defender a CPMF, falando de coerência. E terminou o debate no Senado com o PSDB inteiro votando contra. Estão desarvorados, perdidos, num mato sem cachorro. Parte dos defeitos graves do governo Lula são similitudes com eles. Os tucanos dizem: vamos examinar os cartões corporativos. Ok, então o governo diz: desde 1998. Acabou a CPI.

FOLHA - Por que o sr. não gosta de José Serra e vice-versa?
CIRO - Na política, quase sempre quando alguém diz que não gosto de fulano, digo que não é nada pessoal. No Serra, é a falta de escrúpulo dele. Eu era muito amigo dele. Quando eu governava o Ceará, ele era o cara de maior mérito na bancada do PSDB. Por excesso de méritos, porque ele é muito qualificado intelectualmente. Ninguém tolerava a idéia de o Serra ser líder da bancada. Porque não conversava com ninguém, não cumprimentava ninguém. É arrogante, prepotente, só ele sabe a verdade. FHC vivia esculhambando o Serra. O esporte preferido de FHC hoje ainda é falar mal do Serra na intimidade. Ele fez a intriga do Serra comigo.

Quando governador do Ceará, ajudei a bancar a eleição do Serra. Tinha penetração na bancada de Minas, em setores do partido. No auge da negociação da dívida externa brasileira, ele tirou o tapete do FHC, sem o qual o real não podia ser lançado. FHC me ligou possesso de Nova York. Briguei com o Serra. Mas ele não tem escrúpulo, não tem limite. Para você ter idéia, devo estar respondendo a uns 20 processos, entre já ganhos e alguns pendentes. Basta eu mencionar o nome dele. Vou arrumar outro com essa entrevista. Outro dia soube que um jornal distribuído gratuitamente no metrô de São Paulo pôs lá uma opinião minha. Entre aspas, dizia que eu achava que o Serra não gostava de pobre. E, se fosse negro e nordestino, era pior ainda. Resultado: processo.

FOLHA - O sr. disse isso?
CIRO - Que eu me lembre, não. Que ele não gosta de pobre, eu sei. Posso responder a 50 processos, mas isso é uma opinião política. Ele pode dizer: o Ciro é feio. Qual o problema? Nunca processei ele. Mas processa para me constranger, para me obrigar a contratar advogado, para perder dinheiro, para penhorar o meu salário, como ele fez. Ele penhorou agora o meu salário, mas a Justiça mandou devolver. Eu passei aqui um mês sem dinheiro para pagar as minhas contas, porque só tenho essa fonte de renda. Imagina uma coisa dessas na política!

FOLHA - Entre Ciro e Serra, com quem ficaria Tasso [Jereissati, ex-presidente do PSDB e senador]?
CIRO - Sempre ficou comigo. Evidentemente, tem obrigações com o seu partido e eu o respeito.

FOLHA - Setores do PT e do PSDB sonham com uma aliança futura dos dois partidos, que fizeram coisas parecidas no governo...
CIRO - Já defendi publicamente. Só não acontece pelo excessivo paroquialismo das elites políticas paulistas. Tenho todo apreço e respeito pelo povo e pelo grande Estado de São Paulo, mas as atuais elites paulistas são dramaticamente paroquiais. PT e PSDB são iguais lá, muito mais do que se supõe.

FOLHA - Por que o sr. não tem boa relação com a imprensa, sobretudo a escrita?
CIRO - Minha relação é boa. Como acho que a imprensa presta grande serviço ao criticar, a imprensa também tem de ter tolerância de ser criticada.

FOLHA - Quais suas críticas?
CIRO - Primeiro, é nepotista. Lamento, mas são cinco famílias que controlam a grande imprensa do país. Isso não quer dizer que não tenho apreço e respeito por pessoas dessas famílias. Muitos têm espírito público. Tenho saudade do sr. Frias [Octavio Frias de Oliveira, publisher da Folha que morreu em 29 de abril do ano passado]. Eu ia almoçar com ele duas três vezes por ano. Ele adorava minhas maluquices. Ele perguntava eu respondia. Ríamos para caramba. Tenho respeito e boa relação com outras pessoas da imprensa, mas a imprensa brasileira não é neutra. É conservadora. Vamos tratar isso como? Mais imprensa, mais liberdade de imprensa.

FOLHA - Na eleição de 2002, o sr. chegou a liderar as pesquisas no primeiro turno. Dois episódios simbólicos, quando chamou de burro um ouvinte de uma rádio e respondeu a uma pergunta dizendo que a função de sua mulher, Patrícia Pillar, na campanha era dormir com o sr., foram determinantes para não passar ao segundo turno?
CIRO - Foram duas das maiores besteiras das muitas que eu já fiz na vida. Nenhuma delas alcançou um centavo do dinheiro público. Me arrependo muito, mas aprendi amargamente com essas duas grandes besteiras. Hoje, sei porque disse essas coisas.

FOLHA - Por quê?
CIRO - Era despreparado, muito arrogante. No caso da Patrícia, estava com a minha vaidade ofendida. Fui prefeito no Nordeste, onde há uma tradição machista, e nomeei mulheres para metade do secretariado. No governo do Ceará, a mesma coisa. Metade. Pode ir lá conferir.
No caso da Patrícia, havia um elemento contratado pela campanha do Serra, com uma câmara na entrevista. No caso da rádio, a mesma coisa, um elemento com uma câmera dentro do estúdio. Mas nos dois episódios a culpa foi minha.

No caso da Patrícia, aprendi duramente uma lição. Mereci a repulsa das pessoas porque não podia ter feito essa concessão à minha vaidade. A pergunta tinha o sentido de quer dizer que eu estava bem na pesquisa por causa da notoriedade da minha mulher, que é extraordinária, minha parceira, minha companheira. Foi vaidade por achar que os votos eram por minha causa, não por causa dela. Besteira, né? Vaidade mesmo. Isso era sempre perguntado. Eu respondia a mesma coisa: minha parceira, extraordinária, é minha principal conselheira. Disse a mesma coisa, mas falei uma besteira. Só foi divulgada a besteira. Não me perdôo. Mereci a repulsa dos eleitores porque não é sintoma de um bom presidente.

FOLHA - Considera-se preparado hoje para ser presidente?
CIRO - Estou muito mais maduro do que jamais estive.

FOLHA - A fama de cabeça quente continua. Hoje [quinta-feira], no Senado, o sr. discutiu asperamente com o bispo dom Luiz Cappio e a atriz Letícia Sabatella sobre a transposição.
CIRO - Sou uma pessoa indignada e quero morrer assim.

FOLHA - Esse temperamento não é um obstáculo para chegar à Presidência e, uma vez lá, não poderá estimular crises?
CIRO - Pode ser. Já disse e vou repetir, agora com muita mais serenidade e moderação. Não quero vender a alma para ser presidente do Brasil. Se for para ser presidente do Brasil conciliando com determinadas coisas, não quero ser, não deverei ser, não serei um bom presidente.

FOLHA - O sr. mesmo falou que temperança é boa para um presidente.
CIRO - Mais do que boa, é necessária. Aprendi com o Lula.

FOLHA - O sr. terá essa temperança?
CIRO - Só o tempo vai dizer.

FOLHA - O sr. acha que houve mensalão no governo Lula no sentido de uso de dinheiro público para comprar apoio no Congresso?
CIRO - Não.

FOLHA - O que foi o mensalão?
CIRO - Ficou demonstrado que o PT tinha uma dívida de campanha. Uma parte da direção caiu na tentação de cometer o crime perfeito e quis usar o esquema que o PSDB usou para financiar buraco de campanha. Aliás, financiamento é um drama, que deveria ter sido tratado com muito mais profundidade, mas já se abandonou o assunto. Novelizou-se um escândalo, o país quase vai para o abismo, e o que podia se tirar dali para inovar institucionalmente foi abandonado. No governo FHC, ficou demonstrado que exatamente isso foi feito, o caixa 2 da campanha de 1998.

FOLHA - O repasse da Visanet a Marcos Valério não é uso de dinheiro público?
CIRO - Tudo de errado deve ser apurado e punido sempre, seja de quem for. No caso Visanet, tanto quanto eu saiba, ela é uma empresa privada.

FOLHA - O Banco do Brasil é seu maior acionista.
CIRO - Ainda que seja, isto é uma fragilidade institucional, como o onguismo. As ONGs são importantes e não podem ser satanizadas. Mas tem muita frouxidão ainda, tem muito bacana viajando para o estrangeiro, como há abusos no fundo partidário. O que fazer? Matar a vaca porque tem carrapato? Trate o carrapato.

FOLHA - Por que a transposição do São Francisco provoca um debate tão acalorado?
CIRO - Porque há três grupos contrários, que já são minorias e, como tais, muito agressivos. O primeiro bloco é o da reserva de valor. É o mundo conservador de Sergipe e da Bahia, que perdeu as eleições. O PFL [DEM] desses Estados que quer guardar essa água para mais monocultura, cana-de-açúcar. É um bloco que foi derrotado nas ultimas eleições. Outro bloco é dos protocomunistas. O protocomunismo é assim: boa fé. Não tem má-fé como o primeiro. Eles acreditam que o "small is beautiful" [as pequenas soluções são as melhores, numa tradução livre do inglês], que a solução estratégica não é replicar um modelo de desenvolvimento assentado na tecnologia, na cultura extensiva, na exportação. Acreditam que isso são valores neoliberais.

FOLHA - Cappio e Sabatella estão nesse grupo?
CIRO - O Cappio mais. A Sabatella é uma mocinha meio ingênua, meio inocente. O Cappio um pouco mais respeitável. O Cappio tem um traço a mais que não comentarei, derivado de sua vocação. Ele tem uma atitude messiânica e tem vocação para o martírio. Não é a primeira nem a segunda que ele fez essas coisas [greve de fome, martirizar-se]. No passado, teve uma crise de fé, o que não faz dele uma pessoa desprezível, mas profundamente respeitável, e saiu a pé. Saiu a pé da Barra. Foi no rumo de São Luiz do Maranhão a pé. A transposição ou a não-transposição não pode ser resolvida com messianismo nem com martírio.

FOLHA - E o terceiro bloco?
CIRO - São os safados. Aqueles que não querem ver uma obra dessa capacidade emancipar milhões de pessoas. São os que não querem o fim do carro pipa, quem teve terras desapropriadas na beira dos canais.

FOLHA - O sr. é a favor da legalização do aborto? Em quais hipóteses?
CIRO - O aborto é um mal. Ponto. Para os religiosos, um pecado. Para uma jovem, uma tragédia. Criminalizar o drama de uma jovem pobre que engravidou de forma imprudente, incauta, ou porque lhe faltaram contraceptivos, só produzirá mais aborto, mais violência. O aborto deve ser uma decisão da mulher. O Estado não tem nada a ver com essa decisão.

FOLHA - O sr. é a favor da descriminalização das drogas?
CIRO - Já fui, não sou mais. Estudei muito esse assunto. Os EUA adotaram regime de tolerância zero. Não funciona. Países da Europa, como a Holanda e Bélgica, resolveram descriminalizar. Não funciona. A droga é um flagelo para os jovens e é o caminho para a violência urbana assustadora que hoje domina o Brasil.

FOLHA - Como combater esse problema?
CIRO - Para enfrentar o cartel, repressão na proporção necessária. Dou todo apoio às iniciativas do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), nessa área.

FOLHA - Como tratar o usuário?
CIRO - É um doente. Como tal deve ser tratado. Deve ser cercado de muito carinho, muita compreensão. Cadeia jamais.

FOLHA - Acredita em Deus? Tem uma religião ou santo de devoção?
CIRO - Admiro a figura de São Francisco de Assis. Tenho uma crença em Deus. Crescentemente discordo da ritualística em que o amor a Deus deve ser materializado. Exemplos: o neopentecostalismo nos EUA, essa idéia de intromissão em nome de Deus no mundanismo da vida social, um garoto acreditar que vai para o paraíso se imolando, matando inocentes. Isso é uma tragédia.

FOLHA - Um ministro diz que o sr. faz um "cover honesto" do Fagner. Ele é seu cantor predileto? De quais canções gosta mais?
CIRO - É meu irmão querido. As músicas conheço todas. Já fiz "back vocal" dele, percussão em shows de verdade no interior do Nordeste, já me sentei ao lado dele horas a fio com ele compondo.

FOLHA - Tem uma canção preferida?
CIRO - Uma do Gonzaguinha que ele canta. É a canção que acho mais comovente de todas, chama-se "Guerreiro menino".

FOLHA - Como ela é?
CIRO - [Cantarolando] Um homem também chora, menina, morena. Também deseja colo, palavras amenas. Depois diz assim: "Porque o homem sem o seu trabalho, se morde, se humilha, se mata, não dá para ser feliz".

FOLHA - O sr. sente ciúme quando vê uma cena romântica da Patrícia Pilar numa novela ou filme?
CIRO - Já senti no passado. Hoje, compreendo que aquilo é pura arte. Ser casado com ela é mais um privilégio que Deus me deu. Ela não é só linda e de uma classe extraordinária. É uma pessoa humana fenomenal. Naquele momento estúpido meu? [na eleição de 2002] Quem me deu o maior apoio foi ela.

FOLHA - Quais são os seus programas de TV favoritos?
CIRO - Assisto quase nada nos canais abertos. Sou siderado no History Channel e no Discovery Civilization [TV a cabo].

FOLHA - Qual foi o último livro que leu e qual é seu predileto?
CIRO - Estou lendo uma biografia do Einstein. Meu livro predileto sempre é "Cem Anos de Solidão", do Gabriel García Márquez.

FOLHA - Qual foi o último filme que viu?
CIRO - Vejo todo dia. Ao cinema, vou com meu filho, com a Patrícia. Dois, três filmes por semana. Agora, com a Patrícia, vi um filme francês bonitinho, chamado "Melhor amigo.

FOLHA - Filme preferido?
CIRO - "Blade Runner" [de Ridley Scott].

FOLHA - É um dos meus prediletos.
CIRO - Já tem a última versão. Eu tenho todas.

FOLHA - Quais são suas bebidas preferidas?
CIRO - Não gosto do sabor, mas três uísques me dão uma descontração para uma grande festa, como essa que fui agora no Rio, no aniversário dos 70 anos do Martinho da Vila, a convite dele. Tomo sem gelo, engulo e toma uma Coca-Cola Zero em cima.

FOLHA - Três uísques são o limite?
CIRO - Não gosto de ficar bêbado. Nunca gostei.

FOLHA - Quantos maços de cigarro fuma por dia? Já tentou parar?
CIRO - Já parei uma vez e estupidamente voltei. É um péssimo hábito. Sou antitabagista. Minha geração foi vítima da desinformação. Cigarro na minha geração era símbolo de afirmação, de adultismo e de masculinidade. Fumei com 15 anos. O cigarro que fumo até hoje [Charm], eu vi pela primeira vez nas mãos de um educador. Achei bonito. Comecei a fumar detestando. Eu quero parar. Estou precisando parar. Vou parar. Hoje fumo um maço e meio por dia, um pouco menos do que fumava. Mas há épocas terríveis [fumou dois cigarros em 1h23min de entrevista].

FOLHA - Faz exercícios físicos? Qual é seu peso e altura? Controla o peso?
CIRO - Faço quando posso, mas não tenho regularidade. Meço 1,82 m e peso 86 quilos. Não preciso fazer dieta. Na campanha, emagreço drasticamente. Na última, emagreci 12 quilos. Simplesmente, esqueço de comer. Quando estou em paz, recupero os quilos.

FOLHA - Qual é seu time de futebol?
CIRO - Torço para o Guarani de Sobral, o único que me comove, fora a seleção brasileira.

FOLHA - O que tem achado da seleção do Dunga?
CIRO - Gosto.

FOLHA - Escalaria Kaká, Robinho e Ronaldinho Gaúcho para jogar juntos?
CIRO - Sem dúvida. Mais o Pato.

FOLHA - Os quatro no ataque?
CIRO - Os quatro, jogando em linha na intermediária ofensiva. Sou ofensivo. O futebol moderno é o futebol total. Tem de jogar com duas linhas de quatro, indo e voltando. Na Europa, os brasileiros aprendem isso. O Robinho, no Real Madrid, está jogando no campo inteiro. Volta para marcar. Sabia que fui comentarista esportivo em rádio no Ceará?

FOLHA - De zero a dez, que nota o sr. dá aos seguintes governos? Collor.
CIRO - Dois.

FOLHA - Sarney.
CIRO - Sarney tem uma contradição. A obra política dá a ele direito a uma nota muita alta. Eu diria 8. O desmantelo econômico e a vassalagem ao PMDB, nota dois. Oito mais dois, dez. Nota cinco. Só analiso o governo Sarney com esse critério.
FOLHA - Itamar.
CIRO - Nota oito. Não há nada que não tenha sido positivo. Houve crescimento econômico, emprego.

FOLHA - Por que não dez?
CIRO - Porque tinha problemas. Nota dez é difícil num governo. Nota dez eu vou dar para o Juscelino Kubitschek.

FOLHA - FHC.
CIRO - Quatro.

FOLHA - Lula.
CIRO - Sete.

FOLHA - Uma palavra ou definição sobre as seguintes personalidades: Getúlio Vargas.
CIRO - O conjunto da obra é uma das mais importantes intervenções de uma personalidade na vida do país. Devemos a ele a concepção do Brasil industrializado, moderno. Mas quando cedeu à tentação da ditadura, aconteceram coisas em seu governo impossíveis de serem contemporizadas a qualquer tempo que tenham acontecido.

FOLHA - Juscelino Kubitschek.
CIRO - O maior de todos.

FOLHA - Collor.
CIRO - Um equívoco.

FOLHA - FHC.
CIRO - Palavra muito forte veio aqui, mas, como agora sou um cara mais sereno, diria que foi uma grande frustração.

FOLHA - Lula.
CIRO - Uma grande surpresa.

FOLHA - Dilma.
CIRO - Extraordinária.

FOLHA - Marta.
CIRO - Uma mulher de valor.

FOLHA - Serra.
CIRO - Um homem de valor, porém, sem escrúpulos.

FOLHA - Aécio.
CIRO - O mais interessante jovem quadro da democracia brasileira.

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