As primárias americanas para a eleição presidencial de 2008 colocam em xeque alguns dogmas da política americana. Um freqüente é de que jamais uma mulher seria eleita presidente dos EUA. Outro é que um negro não seria indicado candidato numa eleição majoritária. E também há a crença de que a população hispânica não vota em candidato negro. Todas essas declarações estão sendo reescritas nesta eleição. Obama tem surpreendido não só entre os negros, como também entre hispânicos, tradicional reduto eleitoral dos Clinton. E, certamente, tornou bastante árdua a antes quase certa indicação de Hillary Clinton. Hillary, por outro lado, sendo indicada é grande sua possibilidade de chegar à Casa Branca. O problema é que sua indicação é cada vez mais incerta, ainda mais após os resultados da superterça.
Do lado republicano, é fácil apontar um vencedor: John McCain. Apesar do resultado da superterça não ter sido suficiente para confirmar sua indicação, sua vantagem sobre os oponentes no Partido Republicano Mitt Romney, ex-governador de Massachussets, e Mike Huckabee, ex-governador de Arkansas, o deixam em condições de lutar pela união do partido, o que poderá converte-lo em forte candidato para as eleições presidenciais de novembro. McCain tem a desconfiança dos setores mais conservadores do partido, mas certamente temem muito mais a vitória democrata.
No campo democrata, a superterça deixou embolada a disputa, sem uma definição. Barack Obama venceu em 13 (treze) estados, porém obteve menor número de delegados. Isso aconteceu por que Hillary Clinton venceu em três dos quatros maiores – Nova York, Califórnia e Nova Jersey - estados americanos. Perdeu em Illinois, estado do pré-candidato Barak Obama. Com vitória em 08 (oito) estados, Hillary Clinton contabiliza 825 delegados, contra 732 delegados de Obama, segundo a rede de tv americana CNN. A vitória de Hillary é parcial, tendo em vista que até duas semanas atrás liderava em 17 estados da superterça, mas só teve vitória em oito. Colorado ainda permanece indefinida a disputa. Como a contagem de delegados democratas é proporcional à votação, o resultado de Colorado não deve mudar em muito a situação de Hillary e Obama.
É emocionante essa disputa democrata. O que está praticamente certo é que nenhum dos candidatos obterá a indicação nas primárias do partido, ou seja, um total de 2025 delegados necessários para a indicação. A percepção que fica da superterça é de empate, em que cada um dos lados apresentará como vitória. A vantagem de Hillarry contrasta com suas dificuldades de manter o favoritismo. Não há qualquer dúvida de Obama cresceu perigosamente, e mesmo perdendo em estados maiores, tem alguns pontos a seu favor.
O primeiro e talvez mais importante é o dinheiro. Barack Obama arrecadou em janeiro 32 milhões de dólares para sua campanha, enquanto Hillary Clinton arrecadou apenas 13 milhões. Outro problema da campanha de Hillary é que a maioria de seus doadores bateu o limite legal. São lobistas e grandes doadores. Hillary poderá ter dificuldades em angariar mais fundos. Obama bate recorde de arrecadação em outra fonte de doadores, o cidadão comum. Há um vasto número de pequenos doadores mobilizados pela internet, que estão longe de qualquer limite legal. Dessa forma, a campanha Hillary pode ter um problema financeiro, o que dificultará para ela comprar tempo na televisão para continuar a campanha. Nesse cenário, Hillary deve começar a pedir debates, o tempo gratuito da televisão.
O segundo ponto a favor de Obama é a tendência geral do voto que favorece seu crescimento. Até pouco tempo atrás, Hillary Clinton parecia inevitável sua candidatura. Em pouco menos de um mês, Obama virou o jogo em estados em que era certa sua derrota. E conquistou apoio de figuras de Hollywood e de políticos de peso, como o senador democrata Ted Kennedy. A Obamania é um fenômeno cada vez mais forte nessas eleições americanas. A mensagem de mudança parece ter encantado parte do eleitorado americano, cansado da paralisia provocada pelas disputas partidárias de Washington. O infalível cálculo político de Hillary, bem como a experiência de primeira-dama, não favorece a esse desejo de mudança. São os clãs dos Clinton contra a esperança de renovação política de Barack Obama. Persistindo esse cenário, a candidatura de Obama deve continuar em crescimento, seguindo a tendência do voto.
Finalmente, o calendário das próximas primárias democratas não favorece Hillary Clinton. No próximo dia 09 de fevereiro, os democratas realizarão prévias em Washington State, Nebraska, Ilhas Virgens e Louisiana. No dia 12, as primárias democratas acontecem em Maryland (que tem uma significativa população negra) e Virgínia, onde Obama é favorito. Definitivamente, o calendário mais recente não favorece a candidatura de Hillary, que pode ver seu oponente aproximar-se ainda mais na quantidade de delegados para a convenção democrata nacional.
Um fator, no entanto, favorece Hillary Clinton. É o establishment do partido democrata. Na convenção nacional votam também os chamados super-delegados, os membros da hierarquia do partido. O peso do voto de um super-delegado supera a de um delegado eleito nas primárias. Essa foi uma maneira que o partido encontrou para dar poder as forças que controlam a máquina democrata, impedindo que as primárias definissem isoladamente os candidatos democratas. Obama obteve alguns apoios importantes na máquina democrata, como o senador Ted Kennedy. Mas ela é ainda amplamente favorável a Hillary Clinton.
A verdade é que Hillary pode ainda ter alguma vantagem. Não só sai com maior número de delegados na superterça como também poderá ter apoio da maioria dos super-delegados. Porém, a candidatura de Obama mexeu com o tabuleiro do jogo. A percepção é de que Barack Obama foi vencedor, embora Hillary possa dizer que venceu nos estados maiores. Essa percepção pode induzir o voto dos eleitores de outros estados que ainda não realizaram prévias, contribuindo para elevar a tendência de voto em Barack Obama. Se o pré-candidato Obama virar o jogo e super Hillary no número de delegados, e ainda mostrar-se o mais competitivo para chegar à Casa Branca, atraindo jovens eleitores, negros e hispânicos, a tendência de voto dos super-delegados pode não se confirmar. E a política americana poderá ter superado dois dogmas importantes: (a) um negro jamais seria indicado para uma eleição majoritária; (b) um negro eleito presidente. Só faltaria uma mulher chegar à presidência dos EUA, mudando completamente os dogmas da política americana.