Desejos de poder

Se olharmos retrospectivamente para o ano que ora se encerra, não será difícil constatar que a política, honrando suas tradições, organizou-se em torno da disputa pela conquista, pelo uso e pela conservação do poder.

A determinação do presidente Hugo Chávez em ver aprovado o plebiscito que lhe daria condições de se candidatar sucessivas vezes ao cargo, tanto quanto a iniciativa de ex-comunistas e ex-democratas-cristãos italianos de se fundirem em um novo partido de centro-esquerda, fazem mais sentido quando pensadas tendo em vista a questão do poder. Boa parte da agenda brasileira de 2007 repercutiu um eventual interesse do presidente Lula em conquistar um terceiro mandato, fato por ele sempre desmentido mas deixado em banho-maria graças à iniciativa de deputados da base governista no Congresso. Foi também por questões de poder que as oposições se empenharam na derrota da CPMF, decisão que refletiu muito mais cálculos eleitorais (tendo em vista as eleições de 2008, momento formal de luta aberta pelo poder) e erros governamentais do que uma avaliação do significado daquele imposto e da função que ele desempenha na vida nacional. Foi como se o governo Lula devesse ser responsabilizado pela criação e manutenção de um tributo que existia há 14 anos, que foi adotado para financiar políticas da Saúde e que sempre foi controvertido. Supôs-se que a população toda seria contra a CPMF, encurralou-se o governo e partiu-se para um bem-sucedido ataque final. Os operadores políticos governamentais, por sua vez, limitaram-se à retórica mais ou menos abstrata da justiça social e não souberam usar o poder real de que dispõem para safar-se da armadilha.

Amado e odiado indistintamente, o poder perturba, leva pessoas à loucura, corrompe e alucina, mas também serve para que se movam montanhas e para que multidões dispersas se organizem. O poder reprime, incomoda e prejudica, mas também acalenta, protege, incentiva e beneficia. Costuma ser utilizado tanto para conservar quanto para revolucionar, tanto para promover mudanças quanto para preservar o status quo. É visto como instrumento e como fim último, como recurso e como meio de vida.

“É tendência geral de todos os homens um perpétuo e irrequieto desejo de poder, que cessa apenas com a morte”, escreveu Hobbes no Leviatã (1651). Ele reiterava uma idéia anterior, que Maquiavel havia exposto em seus Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio (1517): “não se pode determinar com clareza que espécie de homem é mais nociva numa república: a dos que desejam adquirir o que não possuem ou a dos que só querem conservar as vantagens já alcançadas”. Maquiavel não economizaria palavras: “a sede de poder é tão forte quanto a sede de vingança, se não for mais forte ainda”.

Não há política sem poder. Mesmo em suas formas mais generosas – as da ação que busca emancipar, livrar pessoas da desigualdade, viabilizar a “boa sociedade” ou resistir a governos tirânicos –, a política é uma atividade balizada pelo poder. Sempre se faz a partir do poder, tendo em vista o poder, contra ele ou em direção a ele, como observou várias vezes Norberto Bobbio.

Mas política não é somente desejo de poder. É também aposta nas vantagens da vida coletiva, um espaço em que se combate para ampliar as margens de liberdade e construir os fundamentos da vida comum.

Hoje nos deparamos com uma situação paradoxal. A democratização e a individualização modernas se expandiram expressivamente, do mesmo modo que a democracia parece consolidada como regime político, em que pesem falhas e sobressaltos. Temos mais poder como pessoas, mais direitos e mais liberdade para contestar a autoridade e fazer coisas, porém nos encontramos em uma situação geral na qual nos sentimos oprimidos pela incerteza, pela insegurança e pela inoperância da maioria dos centros que nos governam. Não sabemos visualizar com clareza a fonte desta opressão e deste mal-estar, e vivemos com a sensação de que governantes, chefes e dirigentes não têm assim tanto poder, permanecendo muitas vezes em segundo plano. O mercado e o capital são sempre mais poderosos, os Estados parecem sem força, cercados por sistemas que não conseguem regular. Há um clima de crise de autoridade e de “desinstitucionalização”, ao mesmo tempo em que se abrem novos horizontes e possibilidades.

O poder político tem hoje efetivamente menos poder. Diversos processos objetivos, associados ao que se costuma chamar de globalização e à radicalização da vida moderna, estão a reduzir o grau de controle que as estruturas governamentais têm sobre as sociedades. Quando territórios e pessoas são afetados por muitos fluxos (comerciais, de informação, culturais, políticos) ou sofrem os efeitos de decisões tomadas por diferentes atores ou protagonistas, ou quando simplesmente não podem ser alvo de opções governamentais voluntárias e soberanas, o poder político declina. Passa-se a viver sob os efeitos de uma rede de poderes cruzados, que se remetem uns aos outros e tendem a problematizar o poder central e a fazer sangrar o sistema representativo.

Podemos olhar para o ano que se inicia com uma dupla expectativa: não há como esperar, ingenuamente, que o poder político deixe de nos oprimir, não sirva para mais nada e nem possa ser útil, mas as circunstâncias da vida atual estão reduzindo a arrogância do poder e, nesta medida, criam muitas oportunidades para que se inicie uma fase social mais rica e interessante. Abrem-se novos espaços para que grupos, organizações e indivíduos façam política e interfiram na condução das coisas públicas. Isso, por enquanto, é somente uma possibilidade, mas não há porque desprezar o que ela carrega de potência, nem porque deixar de valorizar seus primeiros gestos e ruídos.

Bom ano novo a todos. [O Estado de S. Paulo, 22/12/2007]

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Escassez de estadistas

(Grazie, Liberati, pela ilustração.)

O inusitado bate-boca entre o rei Juan Carlos, da Espanha, e o presidente venezuelano Hugo Chávez, no início de novembro, em Santiago do Chile, na 17ª Cúpula Iberoamericana, pode ter trazido à mente de muitas pessoas a imagem de que já não se fazem mais estadistas como antigamente.

Convém começar demarcando o terreno. Palavras ásperas, modos grosseiros, agressividade verbal e destempero não são de modo algum atitudes estranhas ao universo da política. Disputam espaço, palmo a palmo, com o sarcasmo, a ironia, a simulação e a dissimulação, a coação, a chantagem e a força. São formas expressivas da palavra e do gestual específico da política. Não haveria porque ficarmos escandalizados, portanto, quando um rei e um presidente atacam-se com farpas e palavrões, por mais que isso seja feio e cause má impressão. Se fizerem isso em nome de uma boa causa, de um conteúdo oculto que venha a se manifestar mais à frente, obterão o beneplácito dos deuses.

No caso em questão, é aí que o carro pega. Tirando o fato de que a reunião de cúpula onde se deu a briga pouco produziu de importante, o confronto revelou uma face triste da política atual: a do vazio comunicacional, da falta de substância, da teatralização gratuita. O meritório esforço diplomático e ponderador do premiê espanhol José Luis Rodríguez Zapatero foi um fugaz facho de luz, que somente serviu para destacar a escuridão.

Já deveríamos ter nos acostumado com o histrionismo de Chávez, característica que praticamente organiza o seu self político. Sem ele, Chávez não é Chávez. Trata-se de uma forma de exercer comando e protagonizar a cena: espetacular, imagética, redundante, hiperbólica, como se a vitória política dependesse não do teor da argumentação ou da mensagem, mas da contundência verbal, da demolição ou da saturação do adversário, reflexo de certa obstinação em ganhar todos os confrontos e discussões. É um estilo decodificável, válido em certas circunstâncias, que requer dos interlocutores uma dose alta de paciência, serenidade e sangue-frio.

Não se pode recriminar Chávez por dele se valer. O presidente venezuelano não é um político qualquer e não há como criticá-lo por falta de apoio popular, muito pelo contrário. Seu governo não parece sustentado por nenhuma idéia particularmente brilhante, mas Chávez tem se mostrado muito eficiente no que diz respeito à comunicação com seu povo, sinal de que, ao menos na Venezuela, seu estilo político produz efeito.

Mas bastaria talento comunicativo, veemência e apoio popular para que se tenha um estadista? Do mesmo modo: teria se comportado como estadista o rei Juan Carlos, quando mandou Chávez calar a boca, para defender as cores e a honra da Espanha?

Poderíamos completar esta pequena galeria de maus passos políticos com a enigmática fala do presidente Lula, dias atrás, a respeito de democracia, sistemas de governo e permanência no poder. Com o intuito de defender Chávez das acusações de antidemocrata, e em nome da justa idéia de que se deve sempre “respeitar a soberania de cada país”, o presidente brasileiro atropelou a teoria política para definir a democracia como um regime cuja única e suficiente regra é a permanente consulta popular. Banalizou o fato de um governante querer se prolongar no cargo, usando como exemplo os longos períodos de governo de alguns primeiros-ministros, sob a alegação de que não há nenhuma distinção neste aspecto entre o presidencialismo e o parlamentarismo (“muda apenas o sistema, mas o que importa não é o regime, é o exercício do poder”). Não foi uma contribuição para a educação política da população.

Estadistas não são governantes que contam com apoio popular, discursam com paixão e se esmeram na defesa intransigente de seus países. Devem fazer isso também, mas espera-se que façam mais. Não são necessariamente pessoas cultas, educadas e corteses, ainda que se espere que se comportem de acordo com certos parâmetros de respeito e civismo e ajam prioritariamente segundo regras institucionais e procedimentos diplomáticos.

Estadistas são acima de tudo governantes que se destacam por possuir e encarnar um projeto coletivo, quer dizer, um projeto de sociedade ou de unidade nacional, que inclua mais que exclua e anuncie com clareza um futuro plausível e “desejável”, uma vida digna para todos, não somente para os que estão do seu lado ou pensam como ele. Não se distinguem pelo carisma ou pela lealdade às tradições de seu povo, por mais que isso seja relevante. Sua diferença específica repousa na capacidade de agregar diferenças, unificá-las e organizá-las em um Estado, em uma comunidade política, isto é, em uma associação que se movimenta segundo pactos simbólicos e institucionais que balizam e promovem a vida coletiva.

Deste ponto de vista, a nossa é uma época opaca, meio melancólica, condenada a governantes sem muita densidade, que atuam mais como operadores administrativos do que como formuladores de projetos ou construtores de consensos.

Estadistas andam escassos porque faltam talentos à política. Hoje, por carecer de paixão e sentido e não dispor de molduras institucionais coerentes, a política não está conseguindo selecionar as melhores lideranças. São escassos, também, porque os governantes dos nossos dias governam com limites elevados, que muitas vezes os impedem de ter papel de relevo. E são escassos, por fim, porque líderes e governantes não têm mais como cumprir a função precípua de unir o povo e organizar um projeto de sociedade. As sociedades da era capitalista global estão fragmentadas e individualizadas demais para que alguém, num estalar de dedos, as articule e mobilize para um empreendimento coletivo sustentável. [O Estado de S. Paulo, 24/11/2007]




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Eleições americanas: Obama vence Hillary e obtém o apoio de filha de John Kennedy

As primárias da Carolina do Sul recolocaram Barack Obama no centro da disputa pela indicação democrata para a Casa Branca. Com 55% dos votos, ele obteve mais que o dobro de Hilarry, que ficou com 26%, enquanto John Eduards ficou em terceiro com 18%. As prévias de Carolina do Sul eram a grande esperança de Eduards, que obteve vitória sobre John Kerry em 2004. A vitória de Obama foi esmagadora entre a população negra (8 de cada 10 votos), e teve vantagem também entre os eleitores jovens, brancos ou negros.

Houve ainda uma declaração de Bill Clinton atribuindo ao senador de Illinois a vantagem em Carolina do Sul ao fato de ser negro, comparando-o ao ex-postulante Jessé Jackson, que disputou com Clinton a indicação em 1992 e venceu nesse Estado. A declaração foi considerada desastrosa. Entrevistas feitas com participantes das prévias de Carolina do Sul demonstram que 68% dos eleitores brancos consideraram "injustas" as declarações de Bill Clinton, que atacou Barack Obama nos últimos dias.

Pesquisas de boca-de-urna indicam que 53% dos democratas escolheram o candidato por acreditar ser ele o melhor nome para mudar Washington. Não há como negar que houve uma polarização racial e parece ter ajudado Obama a vencer a disputa. Temendo ser prejudicado nos Estados de maioria branca, ele deu entrevistas evitando ser considerado o candidato dos negros.

"Nestas eleições não se trata de escolher segundo a região de cada um, a religião ou o gênero. Não se trata de ricos contra pobres, jovens contra velhos, nem brancos contra negros. Trata-se (de uma batalha) do passado contra o futuro", disse Barack Obama. "Estive vários dias viajando pelo Estado, e eu não vi uma Carolina do Sul branca e outra negra. Vi uma só Carolina do Sul", afirmou.

A vitória de Obama o coloca novamente no centro da disputa. Outros Estados do sul, como Geórgia e Tennesse têm população de maioria negra. Além disso, a vitória por grande vantagem na Carolina demonstra que Obama tem fôlego para competir na chamada Super Terça-feira (5 de fevereiro), em que mais de 20 (vinte) estados americanos realizarão prévias. Em alguns desses estados, é grande o peso dos eleitores de população negra.

O senador de Illinois também conquistou o apoio da filha do ex-presidente Kennedy, Caroline Kennedy. A filha de Kennedy publicou um artigo no mais influente jornal americano, New York Times, comparando Obama a seu pai. O título do artigo, “Um presidente como meu pai”. Barack Obama, ao declarar a vitória, disse que “a maioria dos votos, a maioria dos delegados e a coalizão mais diversa" de tempos recentes. "Temos jovens e velhos, ricos e pobres, negros e brancos, latinos e índios, democratas de Des Moines, independentes de Concord e até alguns republicanos da zona rural de Nevada, além de jovens de todo o país", afirmou Obama. "Queremos mudança", gritou a multidão em resposta.

O que se vê é que o controle da máquina democrata ainda não surtiu o efeito esperado em favor de Hillary. Sempre houve um temor de esse fato seria capaz de definir o candidato democrata, o que favorecia a candidata democrata. Porém, a força de uma candidatura mais representativa da mudança surpreende. Obama representa hoje o que muitos americanos desejam. Nesse sentido, a definição do candidato democrata ainda é uma incógnita. E cada vez mais o senador Obama fortalece na sua cruzada pela indicação democrata.

Na Flórida, onde os republicanos disputam sua prévia no dia 29, uma péssima notícia para o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, que decidiu iniciar sua campanha para valer no estado. O governador da Flórida anunciou seu apoio a John McCain. Uma derrota na Flórida pode acabar com as pretensões de Giuliani, deixando o campo livre para uma decisão entre McCain e o ex-governador de Massachussets, Mitt Romney.
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As leituras

Normal seria este caminho mesmo. Não pensei que fosse tão definitivo.

Eu queria poder dar meu depoimento para pesquisadores de opinião, mas eles não iriam entender, ou iriam lançar frases que só deturpariam o que penso, que virariam ppts para diretores burros. Bem, eu não tenho certeza se saberei expressar exatamente o que penso, mas vai a tentativa.

Não leio mais os jornalões e não assisto o JN. Eu só leio blogs. As pautas que estes trazem às vezes me levam aos melancólicos sites dos jornalões, que tantam dar "voz" aos seus leitores. O que é quase sempre motivo de risadas e uma certa tristeza, já que o leitor e comentarista médio de sites como o Estadao ou d'O globo são pessoas do tipo que apóiam pena de morte** ou que acham que Lula matou a Dora Bria.
(nesta linha, eu acho que foi o JK. Ele fez Brasília e a cultura automobilística, so...)

E sei que não estou só. A cada dia, os jornais impressos perdem mercado, o JN perde espaço, na última eleição presidencial blogs tomaram conta da pauta. Os blogueiros escrevem melhor e com português mais correto que os *jornalistas* que habitam redações decadentes.

Só falta alguém avisar aos editores que eles estão perdendo feio.

**. vale ler os comentários do globoonline no caso da mulher racista como exemplo do tipo de pessoa que dá as caras ali. medo



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Claro que é censura

leio no Blog do Mello as últimas do caso Requião. Ora, e ainda se perguntam se é censura?

Feliz 2008, estamos de volta.
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