Os governos talvez estejam à altura das expectativas do mercado e dos amigos empresários, mas prestam pouca atenção às necessidades do Brasil e dos brasileiros. Aqui, privatização é transferência de monopólio.
Por Alon Feuerwerker
As negociações entre a Oi (ex-Telemar) e a Brasil Telecom para a constituição de uma megacompanhia de telecomunicações ainda vão dar pano para manga, pelo tamanho do negócio, pelas relações dos negociantes com o governo e pela conhecida capacidade bélica dos protagonistas. Quem defende a fusão aponta as vantagens de se formar uma empresa de capital brasileiro com musculatura suficiente para ser um player global. Quem a ataca alerta para os riscos que a monopolização traz ao consumidor e ao próprio mercado. Acompanhemos os próximos capítulos.
O episódio, de todo modo, é uma nova oportunidade para que se discuta qual foi, enfim, o saldo das privatizações desencadeadas a partir do governo de Fernando Collor (1990-92) e levadas ao auge no mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Como todo debate de viés ideológico, nota-se aqui uma grande dificuldade para medir objetivamente a relação custo/benefício para o cidadão comum.
Na telefonia, por exemplo, é verdade que o uso do telefone universalizou-se. Especialmente o uso de telefone celular. É fato também que o brasileiro paga caro, muito caro pelos serviços telefônicos. No setor bancário, onde a privatização foi acompanhada da abertura do mercado nacional aos bancos estrangeiros, a situação do consumidor é pior ainda, massacrado que está pelos juros extorsivos, pelas tarifas abusivas e pelo péssimo tratamento que recebe — a não ser que esteja incluído na categoria dos com muito dinheiro.
E as estradas? A evolução das condições delas veio acompanhada de pedágios cuja rentabilidade já chegou a ser comparada publicamente, por um subprocurador da República, à obtida no tráfico internacional de drogas. O setor reagiu com indignação, é claro, mas ficou a dúvida. Especialmente depois que o governo federal leiloou recentemente concessões de rodovias pelas quais obteve preços de pedágio bem mais baixos. Ainda que isso tenha sido conseguido à custa de entregar, infelizmente, de graça a exploração de estradas federais a mãos privadas.
Sem falar no polêmico caso da venda da Companhia Vale do Rio Doce, recentemente reapelidada apenas de Vale, num esforço de popularização que coincide com crescentes questionamentos à legalidade do negócio feito lá atrás. O caso está na Justiça. Ela deverá se manifestar em algum momento sobre a entrega da companhia por cerca de trinta vezes menos do que vale (sem trocadilho) hoje. Os que defendem a privatização da Vale dizem que ela se valorizou exatamente por ter saído das mãos do estado. Do que discordam os adversários do negócio, apontando como exemplo a Petrobrás, que mesmo estatal vai muito bem, obrigado.
É uma polêmica e tanto. Assim como a Vale pode ter sido vendida teoricamente bem abaixo do preço, há situações no setor elétrico em que aconteceu o contrário. Em que a receita obtida pelos compradores não justificou o tamanho do investimento. Como na venda da Eletropaulo para a AES. Onde apareceu um transtorno de outro tipo. As garantias se mostraram um tanto frágeis, o que levou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a ter que absorver parte do problema. Mais uma vez, a conta ficou para o público.
Há casos em que a privatização deu em nada. Como nos trens. Não tínhamos um sistema ferroviário compatível com o tamanho do Brasil e continuamos não tendo. E não há sinal de que essa realidade vá mudar. Aliás, pode-se dizer que mesmo depois da privatização somos o país, entre os grandes, com a mais insuficiente malha ferroviária do planeta. O que se torna mais grave à medida em que avançamos para ser o principal produtor mundial de grãos. Uma nação com as nossas dimensões e a nossa produção transportar soja de caminhão é um completo absurdo. Para não falar na tragédia que é o bloqueio (supostamente) ambiental a uma agenda nacional de expansão das hidrovias.
De todo esse portfólio, resta a constatação de que os governos recentes talvez tenham estado à altura das expectativas do mercado e dos amigos empresários, mas vêm prestando pouca atenção às necessidades do Brasil e dos brasileiros. Aqui, privatização tem sido sinônimo de transferência de monopólio, das mãos do estado para as do setor privado. Sem que haja, aparentemente, vontade política de promover uma ruptura que favoreça o país e os consumidores.
Comentário do blogueiro: Uma matéria muito boa. As privatizações no geral foram cercadas de lances pouco republicanos. Há um mar de lama envolvendo muitas privatizações. Não é uma questão de ser contra ou a favor das privatizações. É apenas uma constatação de como se deu o processo. No caso da telefonia, alçada como sucesso da privatização, também não fugiu à essa regra. Apenas para refrescar a memória, lembro o caso dos grampos na privatização de Telemar. O escandaloso aqui é que os grampos mostram possível envolvimento do Presidente Fernando Henrique e do presidente do BNDES à época para favorecer determinado grupo no leilão de privatização. Mas tudo acabou em pizza. O problema político do governo no caso da fusão é justamente trazer para si uma podridão que estava no colo de seus adversários, não do governo atual. Dessa forma, sou da opinião de que o governo deverá fazer exigências para apoiar a mudança na legislação que permita a conclusão do negócio. Uma exigência poderia ser uma ação "gold share", uma ação especial que dá ao governo direitos de vetos. Outra questão é a garantia de fornecimento nacional de equipamentos. Além disso, a participação do BNDES deve ser condicionada, incluindo um acordo com os fundos de pensão que garanta maior governança corporativa.