Como esse blog é democrático, na medida que publiquei a carta do deputado Ciro Gomes à atriz Letícia Sabatella, também publico agora a resposta da atriz ao deputado.
Escrito por Imprensa em dezembro 23, 2007
LETÍCIA SABATELLA
Caro deputado Ciro Gomes,
Antes de visitar frei Luiz Cappio em Sobradinho, tinha conhecimento desse projeto da transposição de águas do Rio São Francisco, através da imprensa, e de duas conferências sobre o meio ambiente, das quais participei a convite de minha querida amiga, a ministra Marina Silva. Há alguns anos, quieta também, venho escutando pontos de vista diversos de ambientalistas, dos movimentos sociais, de nossa ministra do Meio Ambiente e refletindo junto com o Movimento Humanos Direitos (MHuD), do qual faço parte.
Escrito por Imprensa em dezembro 23, 2007
LETÍCIA SABATELLA
Caro deputado Ciro Gomes,
Antes de visitar frei Luiz Cappio em Sobradinho, tinha conhecimento desse projeto da transposição de águas do Rio São Francisco, através da imprensa, e de duas conferências sobre o meio ambiente, das quais participei a convite de minha querida amiga, a ministra Marina Silva. Há alguns anos, quieta também, venho escutando pontos de vista diversos de ambientalistas, dos movimentos sociais, de nossa ministra do Meio Ambiente e refletindo junto com o Movimento Humanos Direitos (MHuD), do qual faço parte.
Acompanho a luta de povos indígenas e ribeirinhos, sempre tão ameaçados por projetos de grande porte, que visam a destinar grande poder para um pequeno grupo em troca de tanto prejuízo para esses povos, ao nosso patrimônio social, ambiental e cultural.
Acredito que devam existir benefícios com a transposição, mas pergunto, deputado, quem realmente se beneficiará com esta obra: o povo necessitado do semi-árido ou as grandes irrigações agrícolas e indústrias siderúrgicas? Afinal, a maior parte da água (bem comum do povo brasileiro) servirá para a produção agrícola e industrial de exportação e apenas 4% dessa água serão destinados ao consumo humano.
Sabendo do desgaste que historicamente vem sofrendo o rio, necessitado de efetiva revitalização, sabendo do custo elevado de uma obra que atravessará alguns decênios até ser concluída e em se tratando de interferir tão bruscamente no patrimônio ambiental, utilizando recursos públicos, por que razão, em sendo sua excelência deputado federal, este projeto não foi ampla e especificamente discutido e votado no Congresso? Por qual motivo essa obra tão “democrática” foi imposta como a única solução para resolver a questão da seca no semi-árido, quando propostas alternativas, que descentralizam o poder sobre as águas, não foram levadas em consideração? No dia 19 de dezembro de 2007, o que presenciei na Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi a insensibilidade do Poder Judiciário, a intransigência do Poder Executivo, e a omissão do Congresso Nacional. Será que não precisamos mesmo falar mais sobre democracia republicana, representativa? Ou melhor, praticar mais? Quanto ao gesto de frei Luiz, sinto que o senhor não age com justiça, quando não reconhece na ação do frei uma profunda nobreza. Sinto muito que o senhor ainda insista em desqualificálo. Por tê-lo conhecido e com ele conversado, participado de sua missa na Capela de São Francisco junto aos pobres, pude testemunhar sua alma amorosa e plena de compaixão humana, pastor de uma Igreja que mobiliza e não anestesia, que ajuda a conscientizar e formar cidadãos. Ele vive há mais de trinta anos entre ribeirinhos, indígenas, trabalhadores rurais, quilombolas e é por eles querido e respeitado.
Conhece profundamente as alternativas propostas pelos movimentos sociais, compostos por técnicos e estudiosos que há muitos anos pesquisam o semi-árido. Uma dessas alternativas foi proposta pela Agência Nacional de Águas, com o Atlas do Nordeste, que foi objeto de seu debate com Roberto Malvezzi, da Comissão Pastoral da Terra, cuja honestidade intelectual o senhor publicamente enalteceu em seminário realizado na UFF. Ele mostrou que o projeto da ANA custaria R$ 3,3 bilhões, metade do custo da transposição, beneficiando com água potável 34 milhões de pessoas, abarcando nove estados: então, por que o governo não levou em consideração esta opção mais barata e mais abrangente? Infelizmente, caro deputado, Dom Cappio não exagerou quando decidiu fazer seu jejum e fortalecer suas orações para chamar a atenção de todos à realidade do povo nordestino. O governo do presidente Lula optou por um modelo de desenvolvimento neocolonial que, dando continuidade à tradição de realizar grandes obras para marcar seus mandatos, sacrifica o povo com o custo de seus empreendimentos, enquanto o que esperávamos deste governo era a prática de uma verdadeira democracia.
Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 2007
Letícia Sabatella