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O crime no poder

Decisões de Marco Aurélio de Mello o transformam no mais polêmico entre os juízes do Supremo Tribunal Federal  

Marco Aurélio de Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal, tem um apartamento no Golden Green, condomínio cinco-estrelas na Barra da Tijuca. Piscinas, quadras de tênis, pistas de corrida, ciclovia e um campo de golfe de 60 mil metros quadrados tornam o empreendimento um dos mais valorizados do Rio de Janeiro. O lugar ganhou notoriedade por abrigar inquilinos conhecidos. Um deles é Salvatore Cacciola, dono do extinto Banco Marka, acusado de provocar um rombo de R$ 1,6 bilhão nos cofres públicos.

Há duas semanas, o ministro decidiu a sorte do vizinho. No dia 14 de julho, valendo-se das prerrogativas de presidente interino do STF, Marco Aurélio determinou a libertação de Cacciola, preso havia cinco semanas. A sentença foi revogada cinco dias depois, quando o ministro Carlos Velloso reassumiu a presidência. Era o tempo de que Cacciola precisava para fugir do país. “Foi apenas uma coincidência”, diz Marco Aurélio. “Meu apartamento ainda está em obras e nunca encontrei Cacciola.” A sentença juntou-se à lista de decisões controvertidas que dão colorido ao currículo do ministro.

Há quase nove meses uma liminar concedida por Marco Aurélio impede o Tribunal de Contas da União de tentar a recuperação dos R$ 169 milhões desviados da construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. O ministro atendeu a um pedido da Incal, empreiteira responsável pela obra. Outra decisão proibiu o Ministério Público de São Paulo de investigar os laços que unem a Incal ao Grupo OK, do ex-senador Luiz Estevão. Amigo da família de Estevão, o magistrado define como “social” o convívio entre ambos. “É preciso examinar com cuidado sentenças contra a investigação de desvio de verbas públicas”, afirma o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Na quinta-feira 27, a Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou nota em defesa de Marco Aurélio. “Atacar a figura de um magistrado que chegou ao mais alto degrau do Judiciário em nada contribui para o fortalecimento da democracia”, diz o documento. Quem critica o ministro invoca mais antecedentes. Em 1996, ele inocentou um adulto acusado de estupro por manter relações sexuais com uma garota de 12 anos. Entendeu que não houve violência porque a menina concordara em fazer sexo. “Nos dias de hoje, não há crianças, mas moças de 12 anos”, justificou.

Sucessivas divergências com seus pares na Suprema Corte lhe renderam o apelido de “senhor Voto Vencido”. O governo encara com desconforto um ministro que, por ter concedido liminares, ajudou a paralisar votações importantes no Congresso, como a reforma da Previdência, ou operações relevantes para o Planalto, como a privatização do Banespa.

Advogado formado em 1973, tornou-se procurador na Justiça trabalhista dois anos depois. Em 1978, foi nomeado juiz. Levou apenas três anos para virar ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Chegou ao Supremo em 1990, aos 43 anos, nomeado pelo primo e presidente Fernando Collor de Mello. Em maio de 2001, Marco Aurélio assumirá a presidência do STF, o cargo mais importante do Judiciário brasileiro.

Supersticioso, programa posses e eventos importantes para o dia 13. É casado com a juíza federal Sandra de Santis. Há dois anos, foi ela quem subiu à ribalta com uma decisão polêmica: rebaixou de assassinato para “lesão corporal seguida de morte” a acusação contra quatro jovens da classe média de Brasília que atearam fogo ao corpo do índio Galdino dos Santos.

Em fevereiro, o STF concedeu aos juízes auxílio-moradia de R$ 3 mil mensais, a pretexto de abortar a greve dos magistrados por aumento de salário. Entre os 11 integrantes do STF, dez abriram mão da verba extra. Marco Aurélio decidiu embolsá-la, embora não tenha problemas de moradia. Sua casa em Brasília soma 419 metros quadrados de área construída. Em outubro passado, vendeu o apartamento funcional de 523 metros quadrados a que tinha direito como ministro do STF. Foi um grande negócio. Em 1991, comprou o imóvel do Supremo por US$ 267 mil. Pagou 10% de entrada e financiou o restante. Oito anos depois, vendeu-o por R$ 900 mil, equivalentes então a US$ 452 mil – à vista. Com o dinheiro, bancou parte do R$ 1,25 milhão desembolsado pelo apartamento no Golden Green. 
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