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A minha UPP

Do Blog do Frave

Por Marcelo Neri, do Valor Econômico

A ocupação dos territórios anteriormente conflagrados pelo tráfico, ou pelas milícias, na cidade ou na periferia, se mostra como saída para a fonte primária de violência urbana

Em 1994, o Brasil atacou de maneira frontal o seu maior inimigo: a inflação. Nós fomos o recordista mundial de inflação no período de 1970 a 1995, mas pelos dados do FMI que vão até 2008, mesmo após 14 anos de estabilidade, éramos ainda o segundo país do mundo em inflação acumulada de 1970 a 2008, perdendo apenas para a República do Congo. A inflação era um mal que afetava principalmente os mais pobres com o chamado imposto inflacionário, mas impactava praticamente todos de maneira adversa com as incertezas. Incertezas advindas não só da inflação nossa de cada dia mas de políticas bissextas adotadas no seu combate. O corolário é que uma vez que a estabilização foi atingida, praticamente todos brasileiros e todas brasileiras, como se dizia a época, ganharam.

O principal ganho proporcionado pela estabilização, como o nome sugere, não foi a redução da desigualdade mas o aumento de certezas, disseminando na economia uma sensação de bem-estar, associado a cada um poder prever o comportamento da economia como um todo e poder se ver no futuro. O casamento da sociedade brasileira com estabilidade a partir do Real se revelou mais duradouro do que tentativas anteriores como o plano Cruzado que gozou de lua de mel com a população mais memorável e fugaz que a do Real. No momento imediatamente posterior ao lançamento desses planos parecia que o céu invadia a terra, que os problemas eram mais do que um cabo de guerra, mais do que um jogo de soma zero. Sou suspeito para falar sobre o tema pois a sensação foi tal que resolvi, em 1986, escrever minha tese de mestrado a esse respeito.

De volta para o futuro, cá estamos em 2010, próximo de outra possível transformação, esta agora de caráter local. O Rio de Janeiro busca combater o mal coletivo da insegurança com o lançamento das Unidades Policiais Pacificadoras (UPPs) nas áreas conflagradas da cidade, por meio da ocupação desses territórios pelo Estado. A lógica da UPP é a da conquista de espaços físicos em relação à bandidagem, de liberar a população destas comunidades do poder paralelo lá estabelecido pela ausência do poder público.

Confesso que como não especialista de violência que a princípio desconfiei da eficácia das UPPs nessa nobre causa, pois o efeito mais palpável por mim percebido da primeira UPP estabelecida no morro Dona Marta em Botafogo, Zona Sul do Rio, foi o de exportar o seu principal traficante de drogas primeiro para Rocinha e depois para o Morro dos Cabritos, que fica atrás da minha casa, na Ladeira do Sacopã, com efeitos colaterais muito desagradáveis. Esse é um problema de equilíbrio parcial, praguejava eu. Como uma solução local pode prover um equilíbrio geral? Até que, no fim do ano passado, foi estabelecida uma UPP no Morro dos Cabritos. Pois bem, estou em minha lua de mel com a UPP. Eu como economista não posso deixar de reconhecer que os imóveis de minha área sofreram forte valorização, recuperando pelo menos parte da perda de capital anterior causada pelo risco da violência. Nas minhas idas, agora frequentes, ao Morro dos Cabritos, onde vou menos por questões sociais mas para me exercitar e ao fim contemplar a sua vista única para a cidade com a baía de Guanabara ao fundo, percebo uma forte transformação em curso.

Se eu como vizinho ganhei muito com a UPP, imagine quem mora lá na comunidade. Tenho ouvido relatos fantásticos das pessoas que lá moram de como suas respectivas vidas mudaram para melhor que são consistentes com o movimento das pessoas e dos negócios na comunidade. Há que se criar programa de ordenamento urbano para que as UPPs não engendrem mais construções irregulares e crescimento da desordem futura. Há que entender as externalidades negativas geradas para fora da melhora do equilíbrio local. Este fim de semana vivemos no Rio um exemplo de violência na Rocinha que, por não ter UPP, ainda é reduto dos traficantes. Mas na medida que a experiência da UPPs se expandir como tem sido citado no debate eleitoral, estas externalidades serão internalizadas ao processo.

Já tive oportunidade de discutir neste espaço alguns dos chamados problemas coletivos brasileiros como inflação, desigualdade, informalidade que estão avançando ao longo do tempo. A bola da vez talvez seja a violência urbana e o instrumento novo a ser utilizado parece ser a UPP.

As agendas de combate à inflação e à violência são de natureza distintas, uma nacional, outra local mas guardam a promessa de gerar um ganho de qualidade de vida a quase todos os envolvidos mais do que proporcional aos custos envolvidos no processo (coluna de 11/6/2007). Ambas envolvem a necessidade de coordenar ações. Se a UPP for adotada em outras áreas como modelo de combate à violência, observaremos sucessivos grandes choques em pequenas áreas gerando mudança gradual nos indicadores de violência agregados e ganhos de capital e de arrecadação a todos o que pode mais do que compensar os custos fiscais da pacificação.

A ocupação dos territórios anteriormente conflagrados pelo tráfico, ou pelas milícias, sejam morros no meio da cidade, sejam guetos da periferia, se mostra como saída para a fonte primária de violência urbana que afeta antes e acima de tudo aos moradores das comunidades. UPP para todos!

Marcelo Côrtes Neri, economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, Fundação Getulio Vargas. Autor dos livros “Ensaios Sociais”, “Cobertura Previdenciária: Diagnóstico e Propostas” e “Microcrédito, o Mistério Nordestino e o Grammen brasileiro”.

E-mail: mcneri@fgv.br.
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FARC: A solução passa pela institucionalização política da guerrilha

Diálogo com as Farc é condição necessária para solucionar a crise na região e resolver o conflito de Equador x Colômbia x Venezuela. Mas como provomer esse diálogo?
Uma questão bastante complexa são as denominações costumeiras que se encontra sobre as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia): narcoterroristas, movimento narcotraficante, revolucionários, guerrilha esquerdista, etc. Não gosto desse negócio de pegar em armas por razões políticas. Não é minha praia, mas também não cultivo rancores contra aqueles que fizeram das armas uma opção política. O jogo eleitoral é preferível que ficar empunhando rifles para demarcar território. Porém, houve uma época em que grupos políticos de esquerda principalmente (registre-se, havia grupos direitistas também), pegavam em armas para defender suas idéias. José Genoíno, do PT, participou da guerrilha do Araguaia. Diversos integrantes do PC do B também. Hoje, representantes dessa época participam do jogo político eleitoral, estão inseridos no sistema político brasileiro. As Farc têm raízes ainda mais antigas. Por razões diversas internas do seu país, elas continuam de fora do jogo político eleitoral.

Classificar as Farc de terroristas ou narcotraficantes é algo muito simplista. É daquelas denominações que viram “moda” por razões políticas óbvias. Por maiores que sejam nossas diferenças com o grupo das Farc, não são narcotraficantes. Os maiores cartéis de droga da Colômbia situam-se em territórios não controlados pela guerrilha. A riqueza dos barões de coca está em empresas e negócios situados nas áreas de influência do governo colombiano. A política colombiana historicamente é financiada pelos traficantes colombianos. Uma prova viva é o próprio presidente Álvaro Uribe, filho de traficante preso em 1982 e quase deportado. Aliás, segundo informações publicadas, o presidente colombiano mantinha relações próximas com Pablo Escobar, o líder do cartel de Medellín morto em 1993 por policiais americanos. Como senador pela Colômbia, Álvaro Uribe esteve na lista negra dos EUA por supostamente ajudar o tráfico de drogas.

A verdade é que os traficantes de droga colombianos não são inimigos das Farc nem do governo colombiano. As Farc é que não irão combatê-los, pois tem outras prioridades como inimigos. Além disso, as atividades do tráfico geram receitas para se manterem na guerrilha – o famoso “pedágio”. É uma espécie de imposto cobrado pelas Farc das atividades econômicas da região. A produção de drogas para exportação é uma delas. Nas outras regiões do país controladas pelo governo, o que funciona é a corrupção de autoridades policiais e políticas para manterem seus negócios de comércio da droga. O governo da Colômbia finge que combate os traficantes, mas seu verdadeiro inimigo é mesmo as Farc. O resto é retórica política. As drogas são um álibi da direita para falar mal da guerrilha, pois não tem heróis de verdade para defender. O jeito é falar mal dos outros. E desviar o foco das atenções. Assim, ninguém cobra do governo colombiano que acabe antes com seus traficantes, ou seja, aqueles que transportam drogas de dentro de seu território de comando. E, depois, acabam financiando seus políticos.

Nem vou perder muito tempo para comentar as denominações de guerrilha esquerdista ou revolucionários. A direita até hoje no Brasil chama o golpe de 1964 de revolução. Então por que perderei tempo discutindo o termo. Terrorismo é outro termo cada vez menos apropriado. Palestinos são terroristas, pois matam israelenses inocentes com suas bombinhas. Israelenses também matam palestinos e libaneses inocentes com seu armamento pesado de primeira geração, mas não são terroristas. Esta divisão ideológica é difícil de ser digerida.

As Farc deram nos últimos anos vários indícios que desejam negociação política. No governo anterior, de André Pestanas, as Farc tiveram uma aproximação do governo. Houve significativos avanços. Tem muita gente contra esse tipo de aproximação. O problema é que não apontam a solução. No governo Uribe, a política endureceu a ação e o discurso contra a guerrilha, com amplo apoio do governo americano, o chamado Plano Colômbia. Serve para a direita americana e a colombiana obterem vitórias na batalha política interna. O resultado foi um distanciamento e a intensificação dos seqüestros, principalmente de autoridades colombianas. Os seqüestros atendem a dois objetivos: um político e outro econômico. No primeiro, tornam reféns em peça de negociação política. No segundo, é um meio de arrecadar fundos para financiar a guerrilha.

A posição do governo colombiano é defensável, mas não quer dizer que seja a melhor. No campo político interno, fortalece os apoiadores de Álvaro Uribe. É o fantasma do terceiro mandato. Resta saber como a direita brasileira julgará a pretensão de Uribe. No campo externo, distancia dos demais países da região, enquanto intensifica sua aliança com os EUA. Nesse caso, acaba atraindo para si a impopularidade de Bush. Ninguém quer ficar com a imagem negativa de Bush, só mesmo Uribe. Nesse quesito, Uribe presta um serviço para os republicanos americanos, que fazem dos clichês narcotráfico-guerrilha uma forma de manterem no poder o partido de um governo impopular. É a política.

Ultimamente as Farc intensificaram as negociações com governos estrangeiros – Venezuela, Equador, França e certamente desejam aproximação com o Brasil. Um exemplo disso é que o governo francês declarou que o governo de Uribe sabia que o porta-voz internacional das Farc, Raúl Reyes, era interlocutor de negociações para libertação de reféns. O interesse do governo francês é a libertação da franco-colombiana Ingrid Bittencourt, ex-candidata à presidência da Colômbia. A postura negociadora das Farc no plano externo pode ser resultado da intensificação das ações do governo colombiano. Mas também pode ser que acreditem que há interlocutores confiáveis no plano externo. O que as Farc desejam é serem reconhecidos internacionalmente como organização política, não como terroristas. Por maiores resistências que se possa ter à idéia, isso pode representar um início de uma solução.

A história tem mostrado que grupos clandestinos como as Farc são difíceis de serem eliminados completamente. Por mais efetiva que sejam as ações do governo nesse sentido, haverá sempre resquícios da guerrilha. No plano internacional, há bons exemplos de “pseudo-terroristas” políticos que passaram a participar do jogo eleitoral. No vizinho Peru, na base de sustentação do governo Alan Garcia, há grupos que um dia estiveram na guerrilha clandestina. Na Europa, o famoso grupo terrorista irlandês IRA deixou de ser uma organização clandestina e participa do jogo político eleitoral. Talvez seja a hora de mais negociação entre as Farc e o governo colombiano no sentido de acelerar a libertação de reféns e passarem a integrar a vida política do país. Nessa complicada equação política, o papel do Brasil e também da França, por exemplo, seria ajudar a construir o diálogo que leve à solução pela institucionalização (se essa tornar a opção política do governo colombiano). Tornariam um partido político, disputariam eleições com a legítima aspiração de chegar ao poder pelo voto. É um caminho.

O povo colombiano precisa de soluções. Uma é para o destino das Farc. Outra é para o problema dos narcotraficantes. Enquanto não resolver o primeiro problema, o governo da Colômbia tenderá a não enfrentar de fato o segundo. A radicalização do conflito com a guerrilha fortalece politicamente Uribe, inclusive para sua pretensão para um terceiro mandato. Mas não resolve o primeiro problema. O confronto nem sempre ajuda na construção de uma “solução”. A negociação é uma porta que não deveria ser fechada. A política sempre envolve conflitos de visões. Partindo do princípio de que a “solução ótima” é dificilmente alcançável, a “solução boa” é sempre aquela resultada do bom senso. É o que se deveria buscar.
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