Fonte: Adital 
A resistência que o mato desenvolve aos herbicidas (agrotóxicos do tipo  "mata-mato") nas lavouras plantadas com sementes transgênicas tolerantes  a estes produtos é um problema desde sempre previsto.
  Segundo fontes da própria indústria de biotecnologia 62% dos  transgênicos plantados hoje em todo o mundo são deste tipo: com a  modificação genética, pode-se pulverizar o veneno sobre a lavoura,  eliminando-se todas as plantas do terreno, menos a plantação transgênica  (a soja transgênica tolerante ao Roundup representa, sozinha, mais da  metade dos transgênicos plantados). Outros 15% são plantas inseticidas  (Bt), ou seja, são tóxicas e matam as larvas que atacam as lavouras; e o  restante (21%) combina as duas características: são inseticidas e  também tolerantes a herbicidas -- o que faz com que a tolerância a  herbicidas seja uma característica presente em 83% dos transgênicos  plantados globalmente.
  O mato desenvolve resistência quando um mesmo veneno é largamente  usado, ciclo após ciclo. Em outras palavras, o veneno vai deixando de  fazer efeito.
  Com a difusão das sementes transgênicas, aumentou-se enormemente na  agricultura o uso do herbicida a elas associado. Nos EUA estimativas  conservadoras indicam que entre 1996 (ano da introdução das lavouras  transgênicas) e 2008 o uso de glifosato (princípio ativo do Roundup, da  Monsanto) tenha aumentado em 174 mil toneladas.
  No Brasil, a Anvisa estima que entre 2004 (primeiro ano em que, graças à  Medida Provisória 131, pode-se plantar soja transgênica legalmente) e  2007 as vendas de glifosato tenham saltado de 60 mil para mais de 110  mil toneladas, embora no mesmo período, segundo a Conab (Companhia  Nacional de Abastecimento), a área plantada com soja no país tenha  diminuído cerca de 8%.
  O resultado não poderia ser outro: cada vez mais espécies de mato vêm  se mostrando resistentes ao glifosato, provocando prejuízos aos  agricultores e fazendo-os voltar a usar herbicidas mais antigos e ainda  muito mais tóxicos do que o já terrível glifosato, como o paraquat e o  2,4-D (um dos dois componentes do famoso Agente Laranja, usado como  desfolhante na Guerra do Vietnã e conhecido por ter provocado milhares  de mortes e malformações congênitas). Em muitos casos, agricultores têm  recorrido à capina manual para controlar o mato que o glifosato já não  elimina.
  Já tratamos deste tema neste Boletim por diversas vezes. O que nos faz  voltar a ele novamente é o destaque que tem sido dado à questão nas  últimas semanas.
  Em 26 de julho o jornal gaúcho Zero Hora publicou uma entrevista com o  pesquisador Stephen Powles, diretor da Escola de Biologia Vegetal da  Universidade Wersten Australia e também da WA Herbicide Resistance  Initiative (Iniciativa sobre Resistência a Herbicidas, na tradução  livre).
  Segundo o próprio jornal, "dos 38 milhões de hectares plantados com  lavouras de soja, milho e algodão transgênicos no Brasil, cerca de 4  milhões -- 10,5% da área -- estão infestados com plantas daninhas  resistentes ao glifosato".
  Segundo o especialista entrevistado, "Se [o Brasil] não agir agora,  terá o mesmo fim que os Estados Unidos -- um milhão de hectares  inutilizados, onde o glifosato não pode mais ser usado, nem mesmo em  sistema de rotatividade com outras culturas e herbicidas."
  Em outra entrevista, concedida ao site AGNetwork em abril último, o  pesquisador Charles Benbrook, outro grande especialista no assunto e  atualmente cientista chefe da ONG Organic Center, já havia relatado que  milhares de hectares foram abandonados pela agricultura nos EUA devido à  infestação de ervas invasoras resistentes ao glifosato, como o  amaranthus, que crescem e se alastram ao ponto de danificar as  colheitadeiras mecânicas de algodão.
  Em 27/07 foi a vez do site AgroLink comentar as dificuldades  enfrentadas pelos agricultores brasileiros adeptos à transgenia com a  proliferação da buva resistente ao glifosato. Segundo a matéria, "O  grande problema é que há cerca de quatro anos a buva era facilmente  eliminada pelo glifosato. Porém, o gene do vegetal sofreu mutações e  agora resiste ao produto."
  Em 25 de julho o jornal Post-Dispatch, da cidade sede da Monsanto, St.  Louis - Missouri, EUA, também tratou da questão e relatou o fenômeno do  abandono de áreas por agricultores devido à superinfestação de mato  resistente ao glifosato. Segundo a matéria, as várias espécies de mato  resistente ao glifosato já estão presentes em 22 estados americanos.
  Ainda segundo a reportagem, "a Monsanto reconhece que pode ter  subestimado a rapidez com que as plantas invasoras se tornariam  resistentes ao agrotóxico", e está até mesmo oferecendo subsídios de US$  30 por hectare a agricultores do Sul dos EUA como incentivo para que  usem produtos de outras empresas (mais caros que o Roundup) de modo a  conservar a viabilidade do produto. Buscando contornar o problema, a  Monsanto anunciou também o lançamento de um "novo" herbicida, chamado  Warrant (em inglês, "garantia"), para ser usado em soja e algodão  (trata-se do herbicida acetocloro, registrado no Brasil para café, cana,  milho e soja e comercializado pela Monsanto aqui sob a marca Kadett).
  Também em seu informativo  oficial no Brasil, a Monsanto admite o problema da resistência das  ervas invasoras e informa que está "reduzindo seu portfólio de produtos a  base de glifosato e desenvolvendo soluções integradas para o manejo de  ervas daninhas nas plantações que usam a tecnologia Roundup Ready."
  Segundo Benbrook, a estratégia da Monsanto é "reembalar" sua  tecnologia, incluindo o uso de outros herbicidas, mas a partir do  programa Roundup Ready: sem redução da área tratada e sem redução na  quantidade de glifosato usada, apenas adicionando-se outros herbicidas  na mistura para controlar o mato. Segundo o especialista, é como "jogar  gasolina para apagar o fogo".
  Benbrook explica ainda que, neste momento, todas as grandes empresas de  biotecnologia estão correndo para desenvolver e comercializar  variedades de milho, soja e algodão geneticamente modificadas para  tolerar pelo menos dois, mas às vezes três ou mais herbicidas (aqui no  Brasil a CTNBio já deu sinal verde  para plantio experimental da soja transgênica da Dow resistente ao  veneno 2,4-D). Como resultado, o preço das sementes aumentará 30% ou  40%, além de os agricultores terem que aplicar três ou quatro herbicidas  -- múltiplas aplicações de glifosato e mais os outros herbicidas. Além  disto custar dinheiro, irá piorar o problema do mato resistente.
  Aliás, o aumento na quantidade de veneno aplicado já é uma das  primeiras consequências do desenvolvimento de resistência pelo mato.  Blake Hurst, um produtor de milho e soja de Missouri e vice presidente  do conselho do Missouri Farm Bureau, uma organização de produtores,  relatou ao Post-Dispatch: "Estamos pulverizando mais. É preciso fazer  rotação de agrotóxicos e variar os modos de ação, e provavelmente  teremos que voltar aos agrotóxicos mais antigos".
  E quem foi mesmo que disse as lavouras transgênicas permitiriam aos agricultores reduzir o uso de agrotóxicos?  [Número 501 - 06 de julho de 2010].
