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Um modelo partidário trazido do atraso

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

A "mexicanização" do quadro partidário brasileiro é um debate a ser colocado em devidos termos. A ameaça de que o PT, depois das eleições de outubro, se transforme num Partido Revolucionário Institucional (PRI), que governou o México de 1929 a 2000, é apresentada como "denúncia". Isso é, no mínimo, um equívoco. A questão merece ser tratada criticamente por todos os atores do cenário político, sob pena de a eleição consolidar, de fato, e por um bom tempo, um único partido com condições de acesso ao poder pelo voto.

Essa perspectiva está colocada não porque o PT trapaceou, mas porque a oposição acreditou demais no seu poder de influenciar massas via convencimento das elites. É uma estratégia medíocre de ação política, num mundo onde o acesso à informação tem aumentado e ao mesmo tempo saído da órbita exclusiva da influência dos grandes grupos, e num Brasil onde um grande número de cidadãos-eleitores deixou a pobreza absoluta, outro tanto ascendeu à classe média, a escolaridade aumentou, o acesso à internet é maior e a influência das elites sobre os mais pobres tornou-se muito, muito relativa.

Oposição não mobilizou militância nem formou quadros

Dos partidos na oposição, apenas o P-SOL, em passado recente, e o PPS, quando remotamente era PCB, conseguiram pelo menos formular idealmente um conceito de partido de massas. O P-SOL fracassou porque foi criado na contramão de um crescimento espantoso do PT, partido do qual se originou, e do recuo de setores que, durante o mensalão, ensaiaram abandonar o partido de Lula. Amedrontados com a retórica pré-64 da oposição, esses setores acabaram lentamente retornando à órbita do petismo. O PCB conseguiu a façanha de ser um partido de massas apenas quando tinha um líder carismático, Luiz Carlos Prestes. Como viveu boa parte de sua existência na clandestinidade, é difícil saber se teria vocação para sair da política de vanguarda e ganhar substância em setores mais amplos. O PPS, que o sucedeu, certamente não mostra essa capacidade.

O PT continua a exceção no quadro partidário. A estrutura montada pelo partido nacionalmente, quando começava a se perder na burocratização da máquina, foi salva pelo lado popular do governo Lula e pela ofensiva oposicionista. O partido não é mais o que era quando foi fundado, mas é certo que tem uma representação social.

As demais legendas, em especial as de oposição, não conseguiram sair da camisa de força dos partidos de quadros. O PSDB, que catalisou a oposição a Lula, e o DEM, com o qual é mais identificado, terceirizaram a ação partidária para uma mídia excessivamente simpática a um projeto que, mais do que de classes, é antipetista. Todo trabalho de organização partidária, de formulação ideológica e de articulação orgânica foi substituído por uma única estratégia de cooptação, a propaganda política assumida pelos meios de comunicação tradicionais. A vanguarda oposicionista tem sido a mídia. Esta, espelhando-se na velha estrutura social do país, tem praticado uma conversa exclusiva com os seus: assumiu um discurso para agradar a elite, que por sua vez perdeu quase totalmente seu poder de influência sobre os menos ricos e escolarizados. Os partidos de oposição e a mídia falam um para o outro. Pouco têm agregado em apoio popular, que significaria voto na urna e, portanto, vitória eleitoral.

A ideia de propaganda política via mídia, que para a esquerda pré-Muro de Berlim era uma parte da estratégia de tomada do poder, e para os social-democratas a estratégia de conquista do poder pelo voto, tornou-se a única ação efetiva da oposição brasileira, exercida, porém, de fora dos partidos. Teoricamente, a mídia tradicional brasileira não é partidária. Na prática, exerce essa função no hiato deixado pela deficiente organização dos partidos que hoje estão na oposição ao presidente Lula. E o produto final não é exatamente a agregação de adeptos, mas uma conversa entre iguais, que se autoalimenta de um discurso trazido do udenismo, pouco propenso a conduzir um debate propriamente ideológico.

Esse não é um fenômeno pós-Lula simplesmente, embora os dois governos do presidente petista tenham dado grande contribuição a esse descolamento entre a "opinião pública" e a "opinião dos pobres". Logo no início da redemocratização, foi instituído o voto do analfabeto. Ao longo dos dois últimos governos - portanto, nos últimos 15 anos - ocorreram ganhos de cidadania via aumento de escolaridade e renda que, por si só, incentivam a autonomia do voto. Nos últimos sete anos, os programas de transferência de renda reforçaram essa tendência.

Esse contingente de novos eleitores ganhou autonomia de voto e se descolou da mídia tradicional. Nesse universo, os formadores de opinião pública - por sua vez formados pela mídia - não têm o mesmo acesso que tinham antigamente. O ingresso dos antigos desletrados na era da informação tem se dado pela televisão - e aí o horário eleitoral gratuito é neutralizador - e um pouco pela internet, mas a decisão política ocorre por ganhos de cidadania. Como a mídia tradicional é a única a operar como "propagandista" dos partidos de centro e de direita que nunca acharam necessário incorporar militância, formar quadros ou mesmo publicizar ideário, é de se supor que a capacidade de formação de consensos da mídia tradicional seja pouco significativa numa parcela do eleitorado que ascendeu recentemente ao mercado consumidor.

O bloco oposicionista, que inclui não apenas os partidos, mas a mídia tradicional, não entendeu as mudanças que ocorreram no país. O modelo partidário que trazem na cabeça é um que pressupõe alinhamento automático de parcelas da população com líderes distantes ou donos de votos locais, ou a submissão da "ignorância" popular à opinião formada por iluminados. O novo Brasil não comporta mais isso. Esse modelo de política é elitista, porque não parte do princípio que as pessoas são iguais inclusive no direito de formar uma opinião própria.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

E-mail maria.inesnassif@valor.com.br
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O jogo é jogado

Ivan Marsiglia, do site do Estado de São Paulo

Seja qual for o resultado das eleições, PT e PSDB continuarão a dar cartas no processo político, diz pesquisador 

A semana começou com pesquisas colocando a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, 20 pontos à frente de seu principal adversário, o tucano José Serra. E terminou com o tiroteio em torno da sindicância da Receita Federal sobre a violação do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, e outras três pessoas ligadas ao comando do partido - com direito até a pedido de impugnação da campanha petista. 

O jogo continua, portanto. E, para analisar as táticas e os lances em profundidade dos principais times em disputa pela bola da vez no Planalto, o Aliás convidou Fernando Papaterra Limongi, professor titular da Universidade de São Paulo e um dos principais nomes da ciência política brasileira. Mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1988 e doutor pela Universidade de Chicago em 1993, Papaterra Limongi acaba de voltar de uma temporada de um ano na Universidade Yale, em New Haven, nos EUA, onde ministrou aulas de política comparada das democracias latino-americanas. 

Nos últimos anos, o pesquisador se dedicou a uma análise sistemática da série histórica de eleições presidenciais brasileiras desde a redemocratização. Viu, no processo político brasileiro, mais constâncias que incongruências. "De 1994 para cá, as eleições se resumiram à competição entre dois partidos, PT e PSDB", diz Limongi, que crê na continuidade desse quadro de alternância no poder das duas principais agremiações do País. E não corrobora a argumentação do colega Bolívar Lamounier de que, na eventualidade de uma vitória de Dilma, após oito anos de presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, o País corre risco de "mexicanização" - com o PT convertido em uma espécie de versão brasileira do PRI, o Partido Revolucionário Institucional, que ficou por seis décadas no poder no México. "Dizia-se a mesma coisa quando o PMDB saiu vitorioso das eleições em 1986", lembra. 

Na visão do professor, a explicação é o tal feel good factor, de que falou a revista britânica The Economist, em uma formulação mais elegante do célebre bordão americano que diz "é a economia, estúpido!" Limongi sustenta: "O eleitor é conservador". E, assim como o foi em 1998, mantendo na cadeira o presidente do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, teme reverter a maré boa do governo Lula. Por isso mesmo, também não assina embaixo dos que criticam a performance de Serra: "Ele fez tudo certinho desta vez". 

O sr. estudou os resultados das eleições presidenciais desde a redemocratização. A que conclusões chegou? 

Trabalho com a série histórica das eleições em busca de padrões. Alguns são evidentes: de 1994 para cá, as eleições se resumiram à competição entre dois partidos, PT e PSDB. Hoje pode parecer óbvio, mas em 1989 não se adivinhava nada disso: foi uma eleição aberta, fragmentada, com a decisão sobre quem passaria ao segundo turno acontecendo voto a voto. A disputa entre Lula e Brizola foi travada na casa decimal. Outros, durante a campanha, tiveram oportunidade de viabilizar-se. O que se nota ali? Que ninguém fez coalizão. Em 1994, já há uma restrição no número de candidaturas, mas com competição entre vários partidos grandes. Essa competição, vencida de um lado pelo PSDB, fechando a centro-direita do País, e seguida pelo PT, fechando a centro-esquerda, definiu o que aconteceria dali para a frente. A vitória do PSDB está ligada ao Plano Real, mas também à coligação com o PFL - permitindo que o partido, que não tinha penetração no Nordeste, viesse a ter. Do outro lado, o voto no PT de 1989 explica o de 1994, com uma subida pequena, em torno de 5%. Em todos esses anos, qual é a terceira força que participa da campanha? Enéas em 1994, Ciro em 1998, Garotinho em 2002, Heloísa Helena em 2006 e deve ser a Marina Silva em 2010. Não há constância. 

O que explica o atual crescimento do PT? 

É possível notar um crescimento constante do PT, eleição a eleição, até 2002, quando dá um salto e ganha. Tenho lido análises ressaltando um "aumento significativo" no apoio ao PT entre 2002 e 2006. Mas acho que esse crescimento é de magnitude menor do que se supõe. Houve, sim, adição de votos de outros eleitores em momentos específicos, mas o petismo mantém-se mais ou menos constante, na faixa dos 18%, 20% do eleitorado. Nos últimos anos, ganhou eleitores de baixa renda nas cidades do Nordeste e perdeu parte dos mais educados e ricos do Sudeste. O PSDB, por sua vez, deixou escapar esses eleitores pobres quando sua aliança com os pefelistas se desfez em 2002 e a economia se deteriorou. Em 1994, a argumentação do governo Fernando Henrique era a de que estavam "arrumando a casa" para crescer depois. Tanto que, em 1998, a composição do segundo ministério privilegiou os desenvolvimentistas. Mas aí vem a crise asiática e o eleitor diz "é hora de dar o poder a outro". 

O que explica a atual vantagem de Dilma sobre Serra? 

Entre 2006 e 2010, o PT está retendo o eleitorado que conquistou e ampliando-o por uma razão simples: o País vai bem. Os estudos sobre eleições presidenciais nos EUA são unânimes: a principal variável para explicar resultados eleitorais é a economia. 

Diante dessa demonstração de força eleitoral de Lula, há quem diga que esse predomínio de PT e PSDB no País tem dias contados. É sempre arriscado fazer futurologia. Mas quando você analisa a série histórica, é confrontado com isso: PT e PSDB continuam controlando a eleição presidencial. Para o PSDB perder esse monopólio da oposição, a capacidade de ser o polo de convergência que lança o candidato de oposição, terá que pisar muito na bola. Sobretudo porque a única alternativa existente seria o PMDB. e ele já está muito atrelado ao PT. O PSDB tem potenciais candidatos à presidência com expressão nacional - coisa difícil de se constituir, que não se faz da noite para o dia em um país tão grande e politicamente organizado em torno dos Estados. Alckmin já foi candidato e tem recall. Aécio continua em evidência e seu candidato em Minas, Anastasia, cresce nas pesquisas. O governador do Paraná, Richa, é outra liderança emergente. O que acontece é que a oposição tomou um choque de realidade agora. Mas nada inesperado, diante do tal feel good Factor... 

Ou seja, boa parte do eleitorado sente-se satisfeita e tem receio de mudar

Por que iria? O eleitor é conservador. Foi conservador em 1998, quando poderia ter dito "o Plano Real nos trouxe uma melhora, mas o crescimento não veio". Esperou e só falou "é a vez da oposição" quando a situação ruim se perpetuou - o que, como pessoalmente acho, não teve muito a ver com a gestão do PSDB, mas com as circunstâncias internacionais. Simplesmente, deu azar. o mundo não estava legal (risos). E o mundo agora está legal. 

O sr. não vê sinais de mudanças no espectro partidário brasileiro? 

Não. Você pode dizer isso: o PT, na oposição, tinha mais consistência no seu voto, soube se comportar e capitalizar como oposição. O PSDB demorou para aprender, e não sei se já sabe. Mas enfrentou um momento mais difícil para ser oposição. O PT lá atrás podia dizer que "faria tudo diferente". Hoje, Serra fala em "fazer melhor". Não tem como evitar. Daí surge esse temor diante da possibilidade de duas derrotas seguidas. Mas os tucanos sempre dependeram mais desse fator coordenação que, por exemplo, de uma base social. 

Essa semana circularam notícias de que o PT pretende facilitar a 'transição' para seus quadros de políticos que estão em desconforto na oposição. É um tipo de cooptação? 

O que aconteceu quando o PT chegou ao poder? Ele não cooptou para dentro do partido, não inchou por migração partidária. O PSDB sim, atraiu quadros e costuma fazê-lo nas prefeituras de outros partidos em cidades do interior. 

Mas no primeiro mandato de Lula, os partidos nanicos da base aliada incharam. 

Sim. O que o PT faz é ceder lugar. Mas não atrai quadros, não é um partido-ônibus ou um partido-constelação. Pelo contrário, perdeu quadros descontentes para o PSOL - que não teve sucesso, não conseguiu eleger um vereador sequer na cidade de São Paulo. E perdeu todo um primeiro escalão colhido pelos escândalos, incluindo potenciais candidatos à Presidência: Dirceu, Palocci, Gushiken, Genoino. O que o PT fez para manter a coalizão unida para esta eleição presidencial é notável. Teve estratégia de partido unido. Chegar em Minas Gerais e decidir entregar a candidatura ao PMDB, em uma eleição que Patrus Ananias e Fernando Pimentel tinham chance de ganhar, não é pouca coisa. Lula e o PT privilegiaram a sucessão presidencial. Deu certo. 

O sociólogo Chico de Oliveira disse certa vez que Lula é 'uma árvore frondosa em torno da qual não nasce grama'. Essa presença de um presidente glorificado em uma popularidade de 79% inibe o surgimento de novas lideranças no País? 

Peço vênia para discordar do Chico nesse ponto. Cresceu a Dilma, o que não é pouco. Quando, no fim do mensalão, no meio daquela crise toda, Lula antecipou o seu nome, muita gente achou que era precipitação, que ele havia escolhido mal ou que Dilma seria um balão de ensaio a ser queimado depois. Mas o plano deu certo porque o verdadeiro jogo era manter o PT e a coligação unidos e chegar fortes à eleição. Foi uma estratégia de partido, que não se deve exclusivamente a Lula. 

E a estratégia do PSDB? Tem se falado de erros na escolha do vice de Serra e até seu caráter supostamente 'desagregador'. É uma crítica pertinente? 

Ao contrário. Eu compararia isso àqueles comentários de campeonato de futebol, quando quem está vencendo invariavelmente fez "bom trabalho de base" e quem está atrás "não soube planejar". Se você comparar o Serra de 2002 com o de 2010 vai ver que ele deu um show desta vez. Fechou tudo, compôs com o DEM na Prefeitura de São Paulo, reincorporou Alckmin ao governo. Se tivesse conseguido Aécio para vice seria melhor, mas isso se mostrou impossível. Acontece que o cenário, agora, é muito favorável ao governo. Em contrapartida, a estratégia do PT tem seu lado arriscado. Ao jogar exclusivamente na Presidência e abandonar competições estaduais, pode comprometer sua base. O que se refletirá na composição da futura Câmara. É fato que o PT tem tentado compensar dizendo "cedo os Estados mas não abro mão do Senado". Mas, se Dilma ganhar, há risco de o PMDB sair excessivamente fortalecido, o que aumentaria seu peso na coalizão. 

A tal 'partilha do pão' de Michel Temer. 

A visão que as pessoas têm de um governo de coalizão é de que o partido no poder dá um pedaço do governo para ser consumido pelo aliado. Como se ele recebesse um sorvete para se lambuzar. Não é bem assim. Quando se "ganha" um ministério é preciso desempenhar. Ou não se sustenta. E, no sistema representativo, partido que tem voto tem direito a uma parte do Estado. 

Em um artigo no ‘Estado’, o cientista político Bolívar Lamounier alertou para o risco de 'mexicanização' do Brasil caso o PT vença - e se transforme em uma espécie de PRI, que se eternizou no poder no México. Concorda? 

É um cenário muito pouco provável. Ainda que o PSDB perca o Planalto, irá controlar Estados importantes, terá recursos e votação nacional superior a 20%. A competição partidária não desaparecerá. 

Octavio Paz diz que, no México, o PRI construiu uma fachada democrática para um controle político de um único partido. 

É diferente. No México houve uma revolução lá atrás, fraudes eleitorais... E o PRI é fenômeno singular na história latino-americana. Também vale lembrar que, no Brasil, o PT não está sozinho, mas associado ao PMDB, o PP, o PSB. Não é um cenário próximo do que foi o mexicano. Aqui, o PT foi bem-sucedido na Presidência e está sendo retribuído por isso. Nada mais normal no funcionamento da democracia. Veja que já se falou em "mexicanização" do Brasil antes: após as eleições de 1986, quando o PMDB saiu vitorioso e houve quem também o comparasse ao PRI. 

O sr. acaba de dar um curso em Yale sobre política comparada na América Latina. A tendência à continuidade no poder em países como a Argentina, a Venezuela e a Colômbia, é um risco para a democracia? 

Há um temor exagerado na América Latina com relação ao problema da reeleição e do limite de mandatos. Ele é fruto de uma visão um pouco estereotipada da história política do continente, que enfatiza o caudilhismo do passado. E, aí, perde-se o aspecto comparativo com outras democracias. Há regimes parlamentaristas em que o primeiro-ministro permanece mais de 20 anos no poder. Na maior parte deles, além de não haver limite de permanência, o primeiro-ministro tem liberdade para definir quando será a eleição, antecipando-a para momentos oportunos. Evitar reeleições também tem custo: impede que líderes testados e competentes sejam reeleitos. É evidente que, em qualquer país, o exercício do poder pode ser usado para promover uma desigualdade na competição. Mas isso não necessariamente está ligado à pessoa do governante. Às vezes, forjar uma nova liderança, formar um "poste" do zero, pode ter um custo ainda mais alto para a sociedade. E aí estou pegando carona em um artigo do José Antonio Cheibub, estudioso do presidencialismo, que saiu na Texas Law Review. 

A alternância de poder não é um bem em si, com partidos e grupos políticos testando agendas diferentes para um país? 

Ela é positiva. O que quero dizer é o seguinte: quem está no governo tem vantagem, mas o fato de um presidente não poder se candidatar não a diminui significativamente. O fundamental é minimizar as vantagens de quem está no poder. 

Como se faz isso? Há alguns dias, Lula prometeu articular, fora do Planalto, a reforma política que não fez em oito anos de governo. Que tipo de reforma o Brasil precisa? 

Tenho me colocado contra as propostas de reforma política. Em geral, elas são mal fundamentadas do ponto de vista empírico e teórico, baseiam-se em informações incompletas sobre a realidade e são tiros no escuro sobre os efeitos que causariam. O que se tentou até agora, como a verticalização e a cláusula de barreira, deu errado. O maior risco que vejo após a eleição deste ano é PT e PSDB se unirem em torno de uma reforma política. Eles têm todo o interesse em fechar o sistema eleitoral, em uma espécie de bipartidarismo. Claro que o PMDB deve resistir a isso. Mas temo menos um PRI à brasileira do que esse tipo de aliança por cima: a oligopolização do sistema partidário por dois partidos que originalmente competem entre si. Elevar o custo de entrada no sistema político, por exemplo - como faz o modelo distrital ao tornar mais difícil para um político obter a primeira cadeira -, dificulta a oxigenação e a renovação do sistema partidário. Foi o que aconteceu na velha Venezuela, e acabou dando no Chávez. 

E a questão do financiamento das campanhas, que gerou escândalos que respingaram em quase todos os partidos brasileiros? 

Mexer no financiamento de campanhas é ainda mais perigoso. Se optar-se pelo financiamento estatal, ele será distribuído conforme o voto na eleição anterior. O que irá fechar o sistema integralmente. A parte mais cara das campanhas hoje é o espaço na TV, que já é público. E se alguma coisa o mensalão nos ensinou foi que o problema está no conluio entre agências de propaganda e gastos futuros do governo. Para isso, seria uma boa estabelecer um órgão que controle quem ganha as contas do governo e das estatais. Da mesma forma que há uma comissão regulatória na bolsa de valores. E tirar do sistema político a decisão sobre quem ganha a conta do Banco do Brasil, da Petrobrás, etc. Eu também restringiria o número de nomeações para cargos de confiança, que cria uma pressão desnecessária sobre o governante, passa uma imagem negativa e politiza a gestão. De resto, é dar tempo ao tempo. O Brasil viveu algo que nenhum país do mundo viveu: a transição do bipartidarismo para o multipartidarismo sob democracia. E com o mercado eleitoral funcionando. Ganham-se e perdem-se Copas, mas estamos jogando o jogo. 

Fernando é professor da USP e autor de Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão (FGV)
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