Tradução: Caia Fittipaldi
14/8/2010, M K Bhadrakumar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LH14Ak02.html
As interpretações que o pequeno grupo de jornalistas convidados para o briefing que o presidente dos EUA Barack Obama divulgou sobre o Irã, semana passada, são realmente impressionantes. Vem à cabeça a canção Mona Lisa, eternizada na doce voz de barítono que se ouvia há 60 anos, antes de Obama nascer, de outro afro-americano de Chicago, Nat King Cole:
“Você sorri para tentar um amante, Mona Lisa,
Ou é seu jeito de esconder o coração partido?
Quantos sonhos entregues aos seus pés!
Ali jazem, ali morrem...”.
Havia um “sorriso místico” nos lábios de Obama, ao falar à mídia? David Ignatius, do Washington Post, garante que Obama “repôs firmemente sobre a mesa” a possibilidade de negociar com o Irã; Peter David, do Economist garante, com igual convicção, que Obama “não apontou qualquer política nova”.
Marc Ambinder e Jeffrey Goldberg de The Atlantic entenderam que Obama pavoneava-se, ante o público doméstico, do sucesso de sua política de engajamento associado ao simultâneo aperto econômico e político contra o Irã.
Robert Kagan, comentarista político conhecido, gostou de Obama ter indicado que “não há à vista qualquer nova iniciativa diplomática [que tenha a ver com o Irã]”. De modo geral, os neoconservadores nos EUA deliciaram-se por a luva de seu presidente deixar transparecer bem nítido o reforço oculto de aço de alta qualidade.
A seu modo, é possível que tenham acertado. Afinal, e à vista das eleições para o Congresso em novembro, o principal objetivo do briefing foi reafirmar diretamente a Israel e ao influente lobby pró-Israel nos EUA que a política do governo Obama, que tanto repete o mote ‘das conversações com o Irã’, absolutamente não implica qualquer ameaça real aos interesses do Estado judeu.
O xis da questão é que a política dos EUA para o Irã está outra vez numa encruzilhada. Obama diz que tentou atrair o Irã para a mesa de negociações no início do governo, e que Teerã não respondeu. Mas... será que tentou mesmo? OK. Obama ofereceu algumas aberturas a Teerã, mas, enquanto isso, serviços sob seu comando trabalhavam para uma “mudança de regime” no Irã e houve operações secretas. O Irã foi ‘convidado’ à mão armada, para negociar.
Num certo momento, depois das eleições presidenciais no ano passado no Irã, Washington meteu-se na cabeça que haveria vantagem em encenar mais uma “revolução colorida” em Teerã. Isso, num momento em que a prioridade teria sido negociar com o presidente Mahmud Ahmadinejad, muito firme e legalmente instalado no poder e em posição que lhe permitiria tomar decisões difíceis. Em vez disso, Obama tentou contato com o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, esquecendo completamente que Obama não passa de (mais) um Cesar.
Em segundo lugar, Obama insiste em que um dos pilares de sua estratégia para o Irã seria enfatizar sempre sua agenda de não-proliferação nuclear, para cumprir os deveres dos EUA nos termos do Tratado de Não-Proliferação Nuclear e organizar uma bem-sucedida conferência dos países do Tratado. Fato é que, como o mundo as vê, as políticas dos EUA são eivadas de contradições e, de fato, são elas que, hoje, já praticamente reduziram o Tratado a cacos.
Moscou corrige a rota
De fato, Obama apresentou sua política de “desligar-reiniciar” [ing. reset] os contatos com a Rússia como o terceiro e crucial pé do tripé da política dos EUA para o Irã. Em resumo, Washington gostou de ver que Moscou não só atraiçoou Teerã como, além disso, mexeu pauzinhos para estimular a China, a União Europeia e o Canadá a também golpearem o Irã.
A Rússia atacou economicamente o Irã por motivos fortemente oportunistas. Mas, oportunista uma vez, oportunista outras vezes; e os EUA parecem estar farejando novas ocasiões para novos oportunismos.
Nada, senão isso, explica a hilariedade que se viu na secretária de Estado Hillary Clinton, ao apelar ao Senado dos EUA, 4ª-feira, para que aprove o “novo tratado START” – Strategic Arms Reduction Treaty [Tratado de Redução de Armas Estratégicas] com a Rússia, que Obama assinou em abril com Dmitry Medvedev, e que tem de ser ratificado pelo Senado para viger.
Por seu lado, Moscou, que deposita grandes esperanças no tratado START com vistas ao retorno da Rússia aos palcos mundiais, calcula que são necessários 67 votos no Senado, para a ratificação; Obama terá de mobilizar todos os 59 deputados Democratas e os independentes e, além desses, ainda terá de encontrar pelo menos seis Republicanos; ou o “novo START” não será ratificado. Até agora, só Richard Lugar, Republicano de Indiana, comprometeu-se publicamente a votar a favor da ratificação.
Moscou parece convencida de que a mudança na sua política para o Irã foi longe demais, sem que os EUA lhe tenham pago qualquer correspondente compensação; alguma correção de rota parece útil. A retórica do Kremlin amainou. Volta a parecer viável o negócio pelo qual a Rússia fornecerá mísseis S-300 ao Irã.
Semana passada, a empresa russa Lukoil forneceu petróleo refinado ao Irã, ignorando as ameaças de retaliação dos EUA – e o petróleo foi fornecido em parceria com a empresa Zhuhai Zhenrong, chinesa. Moscou recebeu o ministro iraniano do Petróleo, para discutir os termos de uma cooperação bilateral; os funcionários russos falaram de encomendas prováveis, para a nova usina nuclear iraniana, Bushehr, a partir de agosto. O front diplomático também dá sinais de incômodo. A Rússia associou-se à China, para criticar os EUA e a União Europeia, por terem imposto sanções unilaterais ao Irã.
Desligar-reiniciar 2, depois do Desligar-reniniciar 1, entre EUA e Rússia?
Na 2ª-feira, o embaixador iraniano em Moscou Reza Sajjadi visitou o ministério russo de Relações Exteriores, para “uma frutuosa troca de ideias” com o vice-ministro Alexei Borodavkin, sobre “temas relacionados ao desenvolvimento da cooperação econômica e comercial Rússia-Irã, mutuamente benéfica”. Segundo o ministério russo de Relações Exteriores, “o mútuo interesse expressou-se pelo revigoramento da colaboração bilateral nessa esfera”.
Na 3ª-feira, Sajjadi voltou ao ministério, para encontrar-se com o secretário Andrey Denisov. Documento oficial russo diz que “as partes trocaram ideias sobre assuntos da agenda bilateral, regional e internacional, com especial atenção ao diálogo político Rússia-Irã e trabalho conjunto com vistas à solução de problemas internacionais e regionais chaves” (negritos meus.)
O ‘desligar-reiniciar 1’, dos EUA para a Rússia, parece ser a perna mais bamba do tripé da política dos EUA para o Irã. Curiosamente, aconteceu também de essa mesma perna problemática ter sido fundida numa liga pouco confiável, de metais russos e chineses.
Os sucessivos atos de provocação dos EUA contra a China no Pacífico asiático, durante as últimas semanas, podem também ter abalado a convicção dos chineses no que tenha a ver com a questão iraniana. Não por acaso, os EUA já deram puxão de orelhas público, na China. Robert Einhorn, conselheiro especial dos EUA para temas de não-proliferação e controle de armas, que irá a Pequim no final de agosto, disse:
“Queremos a China como parceiro responsável no sistema internacional. Isso significa cumprir as resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Isso significa não jogar pelas costas, não tirar vantagens da autocontenção responsável de outros países.”
Preocupação já manifestada por vários países, no que tenha a ver com tomar medidas contra o Irã é que “se aplicarmos sanções contra o Irã, a China logo aparecerá por lá e tirará vantagem de nossa autocontenção.”
Para o Irã, as apostas também são altas. O vice-ministro do Petróleo do Irã Hossein Noghrehkar disse semana passada que a China investiu 29 bilhões de dólares no setor de petróleo do Irã e outros 11 bilhões no oleoduto, inclusive para a instalação de sete refinarias.
Para garantir, entra em cena o desligar-reiniciar à moda chinesa. Pequim parece entender que o desligar-reiniciar EUA-Rússia não avançou muito além da “diplomacia de hambúrguer” de Obama com Medvedev. Na 2ª-feira, um comentário chinês examinava detidamente a política de Moscou para o Irã. Dizia:
“Como aliada do Irã com muitos interesses estratégicos e econômicos no país, dificilmente se manterá a visão pró-ocidente entre os russos. (...) O Irã é não apenas importante aliado regional dos russos; é também importante ferramenta de barganha nas relações diplomáticas com o Ocidente, sobretudo com os EUA. Aconteceu apenas que, num certo momento, a Rússia decidiu que suas relações com os EUA seriam mais importantes que suas relações com o Irã.
Aproximar-se de países ocidentais trouxe para a Rússia mais resultados negativos que positivos (...). A Rússia ganhou pouco com a atitude pró-ocidente. No período, os russos manifestaram mais dúvidas e críticas sobre Medvedev. Nesse quadro, a Rússia não se pode expor a perder o Irã. Assim sendo, é muito provável, no futuro próximo, que a Rússia suavize o tom, em relação ao Irã.”
Feitas as contas, o ‘sorriso de Mona Lisa’ de Obama tem de ser posto em perspectiva. Por um lado, dá a impressão de estar dizendo a Teerã que a “trilha” para solução pacífica do impasse nuclear permanece aberta; e que permanece aberta também para uma solução que garanta ao Irã o direito de conservar seu programa nuclear civil, desde que se possa negociar “um claro conjunto de passos” que sejam “suficientes para mostrar que eles não trabalham para construir armas nucleares.”
Ao mesmo tempo, Obama também propôs “trilha separada” de conversações sobre o Afeganistão, considerados os “mútuos interesses” de Irã e EUA em combater os Talibã. Disse que o Irã deve ser “parte”, em conversações regionais sobre a estabilização do Afeganistão e que “poderia ser um parceiro construtivo”. Foram palavras de conciliação.
Por outro lado, Obama insistiu que os EUA continuem no controle, que os iranianos haviam ficado diplomaticamente isolados, que as sanções estavam “mordendo” e que, no contexto geral, estaria apenas sendo lógico, no movimento de defender a vantagem no jogo, ao escolher reengajar o Irã. E ofereceu promessas vagas, dirigidas aos linhas-duras, de que não descartara o uso da força, onde a diplomacia falhe.
Volta-se à pergunta de Nat King Cole: “Você é quente, você é real, Mona Lisa?"
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