Na Grécia, o drama de milhares de trabalhadores sem salários
O Penélope, um catamarã enorme e branco, pode diariamente cruzar desde o porto de Rafina, nos arredores de Atenas, até as lindas ilhas de Andros, Tinos e Mykonos. Contudo, desde o verão, permanece ancorado, visto que sua tripulação recusa-se a navegar até que paguem o que lhes devem.
A reportagem é de Mark Lowen, publicada por BBC, 13-12-13. A tradução é do Cepat.
A embarcação tem o nome do famoso personagem da Odisseia de Homero, Penélope, a abnegada e fiel esposa do aventureiro Odisseu (ou Ulisses, segundo a mitologia romana), que esperou por dez anos a volta do seu marido. Todavia, os marinheiros desta embarcação não têm a mesma paciência.
Cerca de 20 deles ocuparam o navio e passaram a viver a bordo dele, por temerem perder seus empregos caso aceitem esvaziar o mesmo. Eles residem em seu interior, sem eletricidade, nem água potável, cozinhando na escuridão e tendo as cadeiras dos passageiros como camas.
No corredor, de uma maneira quase irônica, pode-se ler em um letreiro: “suas férias perfeitas começam aqui”.
“A situação é muito difícil”, disse Antonis Giakoumatos, o primeiro oficial. “Estamos vivendo em um barco fantasma. Sinto raiva e tristeza ao mesmo tempo, porque não posso sair daqui e ir ver minha esposa e meus filhos”.
E não pode deixar de lembrar os dias em que trabalhou. “Foi muito bom. Podia ver os passageiros sorrirem e sabia que estava fazendo bem o meu trabalho. Agora está vazio. Sinto como se fosse morrer aqui”.
A tripulação e a BBC entraram em contato com a companhia dona do barco, a Agoudimos Lines, mas não houve sucesso. Os empregados presumem que a empresa tem problemas financeiros e por isso estão retendo os salários, por acreditarem que os funcionários prefeririam a isto ao invés de não ter trabalho nenhum.
Efeito dominó
Os empregados do Penélope são alguns dos quase um milhão de trabalhadores do setor privado da Grécia, que não estão recebendo o pagamento do seu salário.
A seção sobre trabalho da Confederação de Trabalhadores da Grécia, GSEE na sigla em grego, revelou esta semana que uma em cada duas companhias no país não está fazendo o pagamento de seus empregados no tempo correto.
A maioria dos casos da crise na Grécia estava focada no setor público e nos cortes feitos ao orçamento. Entretanto, isto é apenas uma parte da história. As companhias privadas estão lutando contra uma drástica redução da demanda. Para Palton Tinios, um economista da Universidade de El Pireo, as duas coisas estão relacionadas.
“O setor público está exportando seus problemas para o setor privado”, disse Tinios. “Quando o Estado é exprimido, e no caso grego isto tem ocorrido muitas vezes, o mais fácil é adiar os pagamentos aos fornecedores, daí, o problema da liquidez do setor privado”.
Poderá a economia grega alcançar a solidez que exibiu nos tempos prévios à recessão, se continuar bambeando desta maneira? “Não acredito nisso”, respondeu Tinios. “É que há outros problemas: os bancos deixaram de emprestar dinheiro ou quando o fazem são com juros altos. Então, as companhias, em busca da economia de recursos, começaram a reter os pagamentos de seus trabalhadores, como o melhor caminho de financiamento”.
Através dos estaleiros de Antenas pode-se verificar uma história pior: 1.200 trabalhadores não recebem nenhum pagamento desde abril de 2012. As carcaças flutuam, estacionadas sobre a água, enquanto uma das indústrias chaves da Grécia se oxida em frente a uma enorme fila de embarcações.
“Esse foi o meu trabalho por 33 anos”, disse Kostas Hatzopoulos, olhando uma velha máquina. “Essa era a forma pela qual conseguia meu sustento, minha habilidade. Agora, sobrevivo pedindo dinheiro emprestado aos amigos e pedindo comida na igreja”.
Também se pode culpar a corrupção pela situação. Anteriormente, a embarcação foi de uma companhia alemã, HDW, agora faz parte da ThyssenKrupp. No ano 2.000, o governo grego assinou um contrato com o dono da ThyssenKrupp, não muito transparente, para construir submarinos nos estaleiros. O custo – quase 3 bilhões de dólares – foi escondido das cifras do déficit, para que a Grécia pudesse se unir à zona do Euro.
Alguns dos empregados dos estaleiros, em Atenas, não recebem seu salário desde abril de 2012.
Tática da companhia
Por esta razão, o ministro da Defesa envolvido, Akis Tzochatsopoulos, foi preso por ter aceitado subornos para assinar o acordo.
Em 2010, uma participação majoritária do estaleiro foi adquirida por Abu Dhabi Mar, uma companhia dos Emirados Árabes, esperando que os pagamentos pelo submarino fossem honrados. Contudo, devido à crise financeira, o grande orçamento da defesa grega – que chegou a ser o mais alto da União Europeia – foi cortado de maneira drástica.
Agora, que o contrato não foi pago, a companhia passou a reter os salários. Abu Dhabi Mar não oferece declarações, assim como o ministério da Defesa, mas um dos membros da coligação do governo, Makis Voridis, insiste em que a empresa se recusou a cumprir com as suas obrigações. “Eles não fizeram o trabalho que deveriam ter feito, por isso o Estado não irá pagar”, disse.
“Eu penso que eles estão utilizando o problema social para não pagar aos trabalhadores e, desse modo, pressionar o governo para que lhes dê um dinheiro que não lhes deve. Nós temos que resolver este problema, mas de uma forma que respeite aos cidadãos”, explicou Voridis.
Em diversos protestos, realizados pelos empregados do estaleiro, falou-se em encontrar uma solução. Mas, existem alguns milhares que não podem dar-se ao luxo de perder os seus empregos. A taxa de desemprego na Grécia alcançou os 27%, mas não inclui os milhares de empregados que estão sem receber.
Esta é uma história que não se espera escutar em um país da União Europeia, no ano de 2013. No entanto, na Grécia atual há muitas outras coisas que impressionam mais.
Fonte: http://goo.gl/wi5OGR |
A embarcação tem o nome do famoso personagem da Odisseia de Homero, Penélope, a abnegada e fiel esposa do aventureiro Odisseu (ou Ulisses, segundo a mitologia romana), que esperou por dez anos a volta do seu marido. Todavia, os marinheiros desta embarcação não têm a mesma paciência.
Cerca de 20 deles ocuparam o navio e passaram a viver a bordo dele, por temerem perder seus empregos caso aceitem esvaziar o mesmo. Eles residem em seu interior, sem eletricidade, nem água potável, cozinhando na escuridão e tendo as cadeiras dos passageiros como camas.
No corredor, de uma maneira quase irônica, pode-se ler em um letreiro: “suas férias perfeitas começam aqui”.
“A situação é muito difícil”, disse Antonis Giakoumatos, o primeiro oficial. “Estamos vivendo em um barco fantasma. Sinto raiva e tristeza ao mesmo tempo, porque não posso sair daqui e ir ver minha esposa e meus filhos”.
E não pode deixar de lembrar os dias em que trabalhou. “Foi muito bom. Podia ver os passageiros sorrirem e sabia que estava fazendo bem o meu trabalho. Agora está vazio. Sinto como se fosse morrer aqui”.
A tripulação e a BBC entraram em contato com a companhia dona do barco, a Agoudimos Lines, mas não houve sucesso. Os empregados presumem que a empresa tem problemas financeiros e por isso estão retendo os salários, por acreditarem que os funcionários prefeririam a isto ao invés de não ter trabalho nenhum.
Efeito dominó
Os empregados do Penélope são alguns dos quase um milhão de trabalhadores do setor privado da Grécia, que não estão recebendo o pagamento do seu salário.
A seção sobre trabalho da Confederação de Trabalhadores da Grécia, GSEE na sigla em grego, revelou esta semana que uma em cada duas companhias no país não está fazendo o pagamento de seus empregados no tempo correto.
A maioria dos casos da crise na Grécia estava focada no setor público e nos cortes feitos ao orçamento. Entretanto, isto é apenas uma parte da história. As companhias privadas estão lutando contra uma drástica redução da demanda. Para Palton Tinios, um economista da Universidade de El Pireo, as duas coisas estão relacionadas.
“O setor público está exportando seus problemas para o setor privado”, disse Tinios. “Quando o Estado é exprimido, e no caso grego isto tem ocorrido muitas vezes, o mais fácil é adiar os pagamentos aos fornecedores, daí, o problema da liquidez do setor privado”.
Poderá a economia grega alcançar a solidez que exibiu nos tempos prévios à recessão, se continuar bambeando desta maneira? “Não acredito nisso”, respondeu Tinios. “É que há outros problemas: os bancos deixaram de emprestar dinheiro ou quando o fazem são com juros altos. Então, as companhias, em busca da economia de recursos, começaram a reter os pagamentos de seus trabalhadores, como o melhor caminho de financiamento”.
Através dos estaleiros de Antenas pode-se verificar uma história pior: 1.200 trabalhadores não recebem nenhum pagamento desde abril de 2012. As carcaças flutuam, estacionadas sobre a água, enquanto uma das indústrias chaves da Grécia se oxida em frente a uma enorme fila de embarcações.
“Esse foi o meu trabalho por 33 anos”, disse Kostas Hatzopoulos, olhando uma velha máquina. “Essa era a forma pela qual conseguia meu sustento, minha habilidade. Agora, sobrevivo pedindo dinheiro emprestado aos amigos e pedindo comida na igreja”.
Também se pode culpar a corrupção pela situação. Anteriormente, a embarcação foi de uma companhia alemã, HDW, agora faz parte da ThyssenKrupp. No ano 2.000, o governo grego assinou um contrato com o dono da ThyssenKrupp, não muito transparente, para construir submarinos nos estaleiros. O custo – quase 3 bilhões de dólares – foi escondido das cifras do déficit, para que a Grécia pudesse se unir à zona do Euro.
Alguns dos empregados dos estaleiros, em Atenas, não recebem seu salário desde abril de 2012.
Tática da companhia
Por esta razão, o ministro da Defesa envolvido, Akis Tzochatsopoulos, foi preso por ter aceitado subornos para assinar o acordo.
Em 2010, uma participação majoritária do estaleiro foi adquirida por Abu Dhabi Mar, uma companhia dos Emirados Árabes, esperando que os pagamentos pelo submarino fossem honrados. Contudo, devido à crise financeira, o grande orçamento da defesa grega – que chegou a ser o mais alto da União Europeia – foi cortado de maneira drástica.
Agora, que o contrato não foi pago, a companhia passou a reter os salários. Abu Dhabi Mar não oferece declarações, assim como o ministério da Defesa, mas um dos membros da coligação do governo, Makis Voridis, insiste em que a empresa se recusou a cumprir com as suas obrigações. “Eles não fizeram o trabalho que deveriam ter feito, por isso o Estado não irá pagar”, disse.
“Eu penso que eles estão utilizando o problema social para não pagar aos trabalhadores e, desse modo, pressionar o governo para que lhes dê um dinheiro que não lhes deve. Nós temos que resolver este problema, mas de uma forma que respeite aos cidadãos”, explicou Voridis.
Em diversos protestos, realizados pelos empregados do estaleiro, falou-se em encontrar uma solução. Mas, existem alguns milhares que não podem dar-se ao luxo de perder os seus empregos. A taxa de desemprego na Grécia alcançou os 27%, mas não inclui os milhares de empregados que estão sem receber.
Esta é uma história que não se espera escutar em um país da União Europeia, no ano de 2013. No entanto, na Grécia atual há muitas outras coisas que impressionam mais.