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Lei da anistia, tortura e desobediência civil

Está se discutindo a revogação da lei que anistiou os atos de tortura realizados nos calabouços da ditadura militar, e me choquei ao ver que Luis Nassif entra na discussão ao lado dos deformadores de opinião, visto que coloca lado a lado (1) os atos de desobediência civil de Fernando Gabeira e outros e (2) as ilegalidades cometidas nos porões do DOI-CODI.

É fundamental que todos saibam que há toda a diferença do mundo entre (1) se rebelar contra um governo ilegítimo e (2) torturar pessoas. Só posso lamentar que Nassif esteja entre os que desconhecem essa diferença básica. Para mostrá-la vou me apoiar não em Lenin, Trotsky ou Mao, mas sim em John Rawls, filósofo apreciado até mesmo por um conservador como Marco Maciel, senador e antigo vice-presidente da república.

Diz Rawls que temos o direito de desobedecer ante injustiças, preferencialmente ante injustiças que impedem a remoção de outras injustiças, desde que os apelos normais tenham sido feitos, e fracassaram. (Pros que futricam em livros, ver o ¶57 de Uma teoria da justiça.)

Ora, Fernando Gabeira e outros brasileiros se rebelaram contra um grupo armado que usurpou o poder com o auxílio financeiro e estratégico de uma potência estrangeira, os Estados Unidos da América. Por terem tido a coragem de se rebelar contra tal violência às pessoas e instituições, Gabeira e seus companheiros de luta merecem todo o nosso respeito, e as dores sofridas por seus corpos e mentes precisam ser narradas às próximas gerações, para que todos saibam que houve, há e deverá haver brasileiros fieis ao senso de justiça.

Que os meios normais fracassaram é evidente, tendo mesmo os usurpadores feito um ato institucional, o de número 5, o qual abolia os meios normais de apelo por justiça.

Assim, aqueles que se levantaram contra a usurpação agiram bem, pois agiram tal como exige o senso de justiça.

Quanto aos que torturaram, cometeram injustiça dupla. Primeiro, por estarem ao lado de usurpadores. Segundo, por não respeitarem a dignidade humana.

Nada há de semelhante entre os que desobedecem ao poder ilegítimo e os que trucidam esses que combatem a usurpação. A diferença é enorme, pois estamos falando de grupos diametralmente opostos no eixo da justiça. (1) Gabeira e seus companheiros são herois da luta por justiça, e (2) aqueles que os torturaram precisam ser levadas às cortes. Isso precisa estar claro para todos que queiram realizar o trabalho de formar opiniões sobre um tema tão importante.

Nas fotos acima, Antônio Carlos Bicalho Lana, dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), antes e depois da tortura. A partir de imagens de Grupo Tortura Nunca Mais e Maria Frô.

Posted via email from cesarshu's posterous


PS 1 - Já que fui eu quem iniciou o joguinho de recitar nomes de filósofos e textos filosóficos, tenho o ônus de ser minimamente preciso, ainda que esteja escrevendo em um blog bem geral. No ¶55 de Uma teoria da justiça Rawls distingue desobediência civil de ação armada, mas levando em conta que o desobediente civil se apoia no senso de justiça da maioria das pessoas, enquanto o combatente se apoia no seu próprio senso de justiça. No caso guerrilha versus ditadura, quem é quem? Como usar esses termos rawlsianos? Aqui há problemas na aplicação das categorias de Rawls. Primeiro, me parece que os guerrilheiros se apoiam no senso de justiça da maioria, de modo que estão fazendo desobediência civil. Já os militares que usurparam o poder são combatentes, pois se apoiam em uma concepção de justiça distinta daquela da maioria. Por outro lado, é claro que Rawls quer reservar o termo "desobediência civil" para a resistência não violenta. Levando tudo isso em conta, deixo um pouco mais claro duas coisas. Primeiro, que estou usando o termo damaneira geral, a qual inclui resistência pacífica e violenta. Segundo, que Rawls reconhece que a ação armada é legítima em certos casos, os quais ele não discute, mas certamente estão apoiados nos fatores que justificam a desobediência civil, a qual é um ato apoiado no senso geral de justiça que busca evitar novas injustiças de um poder injusto.

PS 2 - A discussão continua nO Descurvo, de Hugo Albuquerque.
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