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Opinião: A universidade e o segundo turno das eleições

 Boletim da UFMG, publicado dia 18/10/2010.

*Ronaldo Tadêu Pena, **Heloisa Murgel Starling, *** Marcos Borato Viana

Quanto mais bem informado um voto, melhor para o país. É com esse objetivo que nós, participantes da gestão da UFMG em anos recentes, nos dirigimos à comunidade da Universidade. O momento é de comparação de dois projetos para o Brasil. De um lado, Dilma Rousseff, representando a continuidade do projeto desenvolvido nos últimos anos, e de outro, José Serra, a oposição a esse projeto.

O sistema universitário público federal viveu anos difíceis no governo Fernando Henrique Cardoso. As dificuldades financeiras foram tais que, no segundo semestre de 2003, com o último orçamento da era FHC, a UFMG, pela primeira vez, viu-se obrigada a suspender o pagamento de suas contas de água e energia elétrica. Foi graças à compreensão do governador Aécio Neves que tais contas puderam ser saldadas em 2004, sem cortes no fornecimento.

A partir de 2004, em contraste, o Brasil passa a experimentar a maior expansão de seu sistema federal de educação superior. Universidades foram criadas em várias regiões do país. Muitas universidades já existentes implantaram campi fora das sedes. No caso da UFMG, optou-se pela expansão em Belo Horizonte e no campus de Montes Claros. Outro projeto de enorme alcance e significado para a população brasileira é a Universidade Aberta do Brasil (UAB). Instituições públicas de todo o país participam da UAB com projetos de cursos de graduação a distância, preponderantemente licenciaturas, formando pessoas em suas próprias cidades. A Universidade Aberta, ainda em franco crescimento, já conta hoje com polos presenciais em quase mil cidades do interior do Brasil. A participação da UFMG na UAB ocorre através de quatro cursos de licenciatura, um de bacharelado e quatro cursos de especialização. São 2.548 alunos de graduação e 1.005 alunos de especialização, espalhados em 24 polos presenciais no interior de Minas.

A partir de 2004, em contraste, o Brasil passa a experimentar a maior expansão de seu sistema federal de educação superior. Universidades foram criadas em várias regiões do país. Muitas universidades já existentes implantaram campi fora das sedes

Cabe enfatizar que todos esses projetos de expansão do sistema federal contaram com a indução do Ministério da Educação, que aporta recursos orçamentários de custeio, investimento e pessoal para viabilizá-los. Mesmo numa estrutura que cresce em velocidade, estando, portanto, sujeita a naturais perturbações, todos os acordos com as universidades do sistema foram sempre cumpridos pelo governo do presidente Lula. Na realidade, muitos acordos foram até aditados pelo MEC, sempre em benefício das instituições participantes, a partir de solicitações dos respectivos reitores.

O ministro Fernando Haddad, inspirador e artífice das políticas do governo Lula para a educação, claramente recusa o conceito de Paulo Renato, ministro de FHC e secretário de Educação do Estado de São Paulo, e anunciado nas propagandas de José Serra, de que ao governo cabe preocupar-se apenas com o ensino básico e tecnológico, deixando o ensino universitário submetido às forças do mercado. O governo Lula estabeleceu, de fato, a educação, em todos os níveis, como prioridade absoluta.

Prioridade no setor público se mede pela destinação de recursos orçamentários. É aí, na questão orçamentária, que a comparação pode ser feita com a maior clareza. Enquanto no governo anterior era comum a presença de reitores em Brasília buscando recursos para cobrir despesas de custeio do dia a dia, no governo atual a preocupação dos gestores deslocou-se para a busca de investimentos e do financiamento da expansão do sistema. Trata-se de uma grande mudança no nível de priorização da educação superior em nosso país. Um bom exemplo é o orçamento da rubrica Outros Custeios e Capital (OCC) da UFMG, que cresceu 86% entre os anos de 2004 e 2010.

A partir de 2004, a UFMG realiza a maior expansão de sua história. Concluímos o Projeto Campus 2000 com a construção da Face e da Escola de Engenharia. Isto não seria possível sem aportes muito significativos do MEC para as duas obras. O Projeto Reuni, ora em execução na UFMG, viabiliza 2.100 novas vagas no Vestibular (aumento de 45%), cerca de 75% das quais em cursos noturnos, favorecendo jovens trabalhadores e utilizando a infraestrutura disponível. Estão sendo contratados cerca de 600 novos professores e 623 servidores técnicos e administrativos em educação, apenas com base na expansão do Reuni. Houve aporte de recursos para a construção de quatro novos prédios, além de reformas e ampliações em vários outros. O Reuni viabiliza ainda a expansão da pós-graduação, laboratórios e bibliotecas. Além disso, a Rádio UFMG Educativa, antigo sonho da comunidade, foi implantada com o apoio decidido do governo Lula; novo aporte, já assinado, permitirá o aumento da potência de transmissão, viabilizando sua sintonia em toda a Grande BH.

Finalmente, mencionamos o apoio à assistência estudantil. A ampliação de 2.100 vagas nos cursos presenciais de graduação, conjugada com medidas de inclusão de estudantes de famílias pobres, ficaria inviabilizada sem a implantação, pelo MEC, do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). Ele destinou à UFMG R$6,6 milhões em 2008, R$9,4 milhões em 2009, R$11,5 milhões em 2010, e tem a previsão de R$15,4 milhões em 2011.

Por tudo isso, consideramos essencial evitar o retrocesso e garantir que a universidade pública continue a ser valorizada como política de Estado.

*Reitor da UFMG na gestão 2006-2010
**Vice-reitora da UFMG na gestão 2006-2010
***Vice-reitor da UFMG na gestão 2002-2006
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Entrevista da Maria Conceição Tavares para a UFMG

Do site da UFMG, terça-feira, 24 de agosto de 2010, às 7h30

“É hora de romper com a maldição furtadiana”  

Uma análise sobre a forma como o Brasil lidou com a crise internacional será feita nesta terça-feira, dia 24, pela economista Maria da Conceição Tavares à UFMG, durante a primeira conferência do projeto Sentimentos do Mundo em 2010. Portuguesa naturalizada brasileira, Conceição Tavares formou-se em matemática ainda em terras lusitanas, mas acabou se transformando numa das mais importantes expoentes do pensamento econômico brasileiro. Influenciada por Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel, Conceição foi aluna de Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, professora da candidata à presidência Dilma Rousseff e parceira acadêmica do também presidenciável José Serra.

Aos 80 anos, completados em abril passado, a economista revela, nesta entrevista ao Boletim UFMG, que está “mais mansa” – ela que sempre teve fama de brigona. Mas não perdeu a verve. Critica a suposta preferência de José Serra por uma política internacional ancorada no eixo Norte-Sul, diverte-se com a radicalização de Plínio de Arruda Sampaio (candidato à presidência pelo PSOL) – democrata-cristão que virou socialista – e elogia as políticas sociais em vigor, que ajudaram a elevar o padrão de vida de 30 milhões de brasileiros. “Temos agora que nos preocupar com a educação, com a universalização dos direitos sociais, com a segurança”, defende.

A senhora tem fama de brava, polêmica, sempre muito enfática na defesa de suas ideias. Ao completar 80 anos, esse traço de sua personalidade manteve-se ou arrefeceu?
(Risos) Estou mais mansa com a idade. A gente vai ficando mais velha e percebe que é preciso ter paciência, que as coisas nem sempre avançam como você quer. Tanto que no meu aniversário eu convidei a Dilma {Dilma Rousseff, candidata a presidente pelo PT} e o Zé {José Serra, candidato pelo PSDB}, que era meu amigo de infância – da infância dele, claro, não da minha que sou mais velha (risos).

A senhora foi professora dele?
Não. Fui professora da Dilma. Do Serra eu fui colega. Escrevemos, inclusive, um artigo a quatro mãos.

De brava e polêmica, a senhora então está se transformando em uma conciliadora?
Exatamente (risos). Apesar da Dilma ser minha candidata, evito falar mal do José Serra.

O tema de sua conferência na UFMG é o Brasil e a crise internacional.A senhora acredita que o Brasil soube enfrentar melhor a turbulência de 2009?
Sim. E saímos muito rapidamente dela. Este ano, vamos crescer 7%. Só China e Índia vão crescer tanto.

O governo teve papel importante nesse processo ou a superação foi resultado da força natural da economia brasileira?
Eles {o governo} não ficaram esperando, pois tiraram os impostos sobre o consumo. É a primeira vez que assistimos a uma crise sem ficar de cócoras. Antes, os Estados Unidos davam um espirro e a gente pegava uma pneumonia. Agora eles pegam uma pneumonia dupla e a gente se recupera rapidamente. A coisa se inverteu. Em plena crise, o Brasil conseguiu empregar um milhão de pessoas com carteira assinada. Só isso mostra que reagimos muito bem.

A senhora qualificou as crises econômicas recentes como bolhas que se sucedem. Tem mais alguma se aproximando?
Não posso garantir se há uma bolha se aproximando. O que posso dizer é que o sistema bancário dos países desenvolvidos está totalmente bichado. Há um desequilíbrio fiscal gigantesco nos Estados Unidos e na Europa. No cenário internacional, essa crise tende a ser prolongada, com períodos de maior turbulência nos Estados Unidos, Europa e Japão, que não estão bem das pernas. O fato é que há uma mudança na divisão internacional do trabalho, e o eixo Ásia-América do Sul tem futuro. Tenho esperança de que partiremos para o multilateralismo, no qual países como China, Índia, Brasil, África do Sul, Rússia e Argentina exercerão papel importante. Agora, os Estados Unidos preocupam, pois são o centro do sistema, e não têm mais a capacidade de antes para regulá-lo. Quem vai regular o sistema internacional? Eles não querem nem regular o deles. Já as propostas do G-20 {grupo formado pelas 19 maiores economias, mais a União Europeia} são muito fracas ou não há consenso entre eles.

O que falta ao Brasil para mudar de patamar?

Temos agora que nos preocupar com a educação, com a universalização dos direitos sociais, com a segurança. Precisamos eliminar esses problemas, e todos os candidatos, em seus programas, defendem avanços sociais. Há acordo sobre isso. Onde não há acordo é na política externa, principalmente no caso do Serra, que é mais tradicional. Ele pode desmobilizar o Itamaraty e não é a favor do eixo Sul-Sul. Prefere apostar no desenvolvimento Norte-Sul, tem mais esperança nos Estados Unidos, o que é um equívoco. É um vício que ele herdou do Fernando Henrique. No que diz respeito à infraestrutura, educação e segurança, há consenso entre todos os candidatos. Menos o Plínio {Plínio de Arruda Sampaio, candidato pelo PSOL}, que é socialista. Ele, ao contrário de mim, foi se radicalizando. Começou como democrata--cristão, foi para o PT e acabou no PSOL. Eu fui ficando mais moderada. Você vê que a idade atinge as pessoas de modo diferente (risos). Nos anos 60, o Plínio era a favor de uma reforma agrária moderada e agora quer uma mudança radical.

Mas, voltando ao consenso entre os candidatos sobre a questão social, percebo que chegou a hora de extinguir a pobreza, romper com a “maldição furtadiana”. Que maldição é essa?
O Furtado {o economista Celso Furtado} achava que a gente ia crescer, mas não ia se desenvolver. Mas agora acredito que estamos no caminho do desenvolvimento. Todas as questões estão postas na agenda, e há consciência delas. No caso da pobreza, todos querem eliminá-la. Mas vai ser difícil corrigir a questão metropolitana, o tráfico de drogas, promover uma educação de qualidade. Talvez em 20 anos a gente consiga resolver essas questões. Não conseguimos nos industralizar em 20 anos? Embora industrializar seja mais fácil do que corrigir desigualdades sociais.

A senhora é uma expoente do pensamento econômico brasileiro. Mas, nos últimos anos, percebe-se que anda um pouco afastada da mídia e do debate público. Você acha que velhice não pesa? 
 Pesa, sim, rapaz. Hoje, eu dou aulas de relações internacionais. E estou com vontade de voltar as atenções para a América Latina, para realizar um estudo comparado Brasil-América Latina. Sou a favor da integração e, como a maioria é contra, tendo a seguir no sentido oposto. A América Latina não é um bloco unitário. É preciso estudar as diferenças que existem entre os países. Continuo acompanhando a conjuntura do Brasil, mas não vejo grandes discrepâncias em sua política econômica. A não ser o Banco Central, que também já melhorou. Tanto que bati pesado quando percebi que o Banco Central estava disparatando no primeiro governo Lula. Fui a Brasília, conversei com o presidente, com o ministro da Fazenda.

Mas e os juros?
Não adianta dizer que temos as maiores taxas de juros do mundo. Eles são assim há mais de 50 anos. E agora estão abaixo da média histórica das últimas duas, três décadas.

Alguns intelectuais se decepcionaram com o governo Lula e do PT, entre os quais Francisco de Oliveira. Não foi o caso da senhora...
O Chico de Oliveira já tinha rompido com o PT logo no início do governo. No primeiro ano, o Lula pegou uma bomba pela cara, uma crise cambial, inflação subindo. Inventaram o “efeito Lula” e ele teve que se comprometer, na Carta aos Brasileiros, com um programa mais continuísta. Sempre achei chata essa política econômica, porque eu queria que o país crescesse mais. Mas hoje sou obrigada a reconhecer que o resultado foi satisfatório. Com a crise mundial, se tivéssemos ficado no oba-oba, aproveitando aquele momento de excessiva liquidez dos Estados Unidos, teríamos entrado pelo cano. Os espanhóis, portugueses, gregos e os próprios ingleses levaram uma porrada cavalar. E outra coisa que o Lula nunca deixou de fazer foi atacar a pobreza. Ele começou cedo e acelerou no segundo mandato. Pobre não tinha crédito neste país. Ele convertou 30 milhões de pessoas em classe média.

O que ainda a preocupa?
O câmbio. Com exceção da China, todos os demais países estão valorizando sua moeda em relação ao dólar. O problema é que o dólar ainda é a referência no comércio exterior. Os chineses exportam em dólar e nós levamos uma surra deles. O que me preocupa são as importações. Ou você controla o câmbio ou controla disfarçadamente as importações. Não podemos, sistematicamente, importar mais do que exportar. Ou montamos uma barreira para os capitais especulativos, uma espécie de quarentena semelhante à feita pelo Chile, ou estabelecemos um controle disfarçado de importações não essenciais. Estamos importando carros de luxo – e não precisamos deles, pois temos uma indústria automobilística muito forte – e equipamentos eletrônicos, exatamente os itens que provocam déficit na balança comercial.

A senhora está mais otimista?
Com o Brasil, sim. Não temos um Collor, nem um Jânio. Os candidatos são melhores. O povo assume que é cidadão, não para de votar, o emprego melhorou, o salário-mínimo também, e a renda se desconcentrou. Mas em relação ao mundo, não. O neoliberalismo acabou como ideologia explícita, mas não como prática. O mundo está muito conservador. A direita americana não deixa o Obama fazer nada.
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