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A volta do "rouba, mas faz"

Por João Bosco Rabello, publicado no sítio do Estadão

Começa a prosperar discretamente nos meios políticos, em Brasília, a tese de que não obstante seus graves desvios de conduta, o governador José Roberto Arruda deveria concluir o atual mandato. O argumento é o de que, apesar dos pesares, ele vinha fazendo um bom governo quando estourou o escândalo, e sua renúncia ou deposição abriria um vácuo perigoso de Poder, capaz de levar a um retrocesso administrativo de sérias consequências para a população.
A tese é maquiavélica, pois é produzida nas hostes arrudistas para despertar o receio de pessoas ingênuas, atemorizadas por um cenário atípico de comprometimento da linha sucessória até o quarto grau (além do vice,Paulo Octávio, e do presidente licenciado da Câmara, Leonardo Prudente, o TJDF está também na berlinda e dando explicações ao Conselho Nacional de Justiça). Em certa medida, o terrorismo de ocasião alcança seu objetivo.
Convém lembrar, em primeiro lugar, que apoiar essa idéia significa aderir à filosofia de resultados cunhada no governo Adhemar de Barros, em São Paulo, pela qual merece tolerância o governo que “rouba mas faz”. Em segundo lugar, porém não menos importante, é que essa avaliação positiva do governo nasce prejudicada, pois se referencia nas gestões de Joaquim Roriz, criador de Arruda e de seu algoz, o ex-policial Durval Barbosa.
Quando se refere ao risco de Brasília retornar ao seu pior passado, Arruda está sugerindo que sua queda significará a volta de Roriz. O que só poderia ocorrer nas próximas eleições, às quais o atual governador não poderá mais concorrer. Portanto, não se aplica ao cenário de interrupção de seu atual mandato. Além disso, dificilmente Roriz sairá ileso dessa sucessão de escândalos, ainda que os municie e os comemore: tudo isso que aí esta – Arruda, inclusive -, tem origem e consolidação em suas sucessivas gestões à frente do GDF. E isso será um desdobramento da presente turbulência.
O conceito de bom, aplicado ao governo atual, deve ser traduzido por um mínimo de organização e estratégia voltada para obras urbanas. Brasília virou um canteiro de obras (duas mil em curso), conduzidas pelo engenheiro Arruda. Por mais que sejam obras acertadas, nem de longe servem para esgotar aquilo que se espera de uma gestão para que seja considerada insubstituível, como querem fazer os arautos da permanência do governador.
Brasília tem muitos problemas que as obras escondem, além do superfaturamento. Não há políticas de segurança e de trânsito, de educação e saúde. A criminalidade é crescente, sobretudo no chamado entorno. Vencida a primeira metade de seu mandato, Arruda não conseguiu pôr a polícia nas ruas. Alardeou a construção de 300 postos policiais, que abrigam soldados passivos e preguiçosos, sem qualquer comando.
(Num desses postos, no Lago Norte, bem em frente ao novo shopping Iguatemi em fase final de construção e a poucos metros de um shopping mais antigo, os policiais militares alugam DVDs na locadora mais próxima e dedicam suas noites a assistir filmes. De fora, o cidadão não os percebe. Ninguém dá bola para o posto policial).
Não há polícia nas ruas. A “política” de trânsito se traduz pela instalação de um número cada vez maior de radares eletrônicos e campanhas milionárias de educação régiamente pagas aos veículos de comunicação dóceis ao governo. A Saúde é um desastre, sempre justificado com o mesmo mantra: atendemos gente de diversos outros estados da Federação. Há roubo, desvio de materiais de saúde, superfaturamento e tudo aquilo que as máfias do setor administram há muitos anos.
Na educação, muito discurso, muita propaganda, e nenhuma realização. O mais lembrado em Brasília é um projeto milionário que se resumiu à compra de “kits de ciência”, sem licitação, anunciada como uma panaceia para o setor.
O Ministério Público do Distrito Federal mandou suspender o pagamento desse kit à empresa Sangari do Brasil, pela Secretaria de Educação do DF, mas pouco tempo depois o pagamento foi retomado por ordem judicial. O kit, comprado por R$ 289,7 milhões, é composto de livros didáticos, cola e fita métrica. Não houve licitação porque “só a Sangari” poderia fornecer tal material a 402 escolas do ensino fundamental.
As escolas da periferia continuam seu processo degenerativo, muitas depredadas, outras sem as condições mínimas de funcionamento, tanto na segurança, na falta de banheiros, salas de aula – e, o principal- , na qualidade do ensino e treinamento de professores.
Pudera, o pilar do governo nessa área, na Câmara Distrital , a ex-secretária de Educação, Eurides Britto, é aquela senhora que teve o cuidado de trancar a porta do gabinete de Durval Barbosa antes de pegar a sua parte no butim. Cena que ela mesma, surpresa com tanto dinheiro, encerrou de forma antológica : “Mas, Durval, o Arruda está perdendo as estribeiras”.
O tempo conspira a favor da preservação desse estado de coisas. Arruda entregou os anéis (a candidatura à reeleição), para ficar com os dedos (a tolerância para exercer até o fim o atual mandato). Tanta corrupção explícita tem uma taxa de intoxicação capaz de produzir aquela desesperança que faz com que o cidadão comum se desinteresse de acompanhar o desdobramento da crise.
Esse o verdadeiro vácuo de poder que tem um só beneficiário: o próprio governo flagrado em corrupção.
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