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A Constituição está em vigor

Constituição
Uma boa verdade para começar 2013 
Paulo Moreira Leite

Ao dar posse a José Genoíno, o Congresso lembrou aos brasileiros que a Constituição está em vigor. A decisão se baseia no artigo 55, aquele que define que cabe exclusivamente a Câmara cassar o mandato de deputados, por maioria simples e voto secreto. (O mesmo artigo define regras idênticas para o caso de senadores).

O julgamento do mensalão encerrou-se com uma frase muito repetida por ministros. Eles diziam que a Constituição é aquilo que o “Supremo diz que ela é.” Essa definição de caráter absoluto resume uma visão de que o Supremo é um poder acima dos demais, afirmação que contraria o pensamento de OIiver Holmes, o juiz da Suprema Corte americana que disse, em 1905, que a “lei é aquilo que o tribunal diz que ela é.”

Holmes fez essa afirmação numa situação específica, quando uma maioria conservadora na Suprema Corte conseguiu impedir leis que limitassem a jornada de trabalho a um máximo de 60 horas. Em minoria, Holmes lembrou que embora a Constituição americana não atribuísse  ao governo a função de definir a jornada de trabalho, ela aceitava que o Estado tinha o dever de proteger a saúde da população – e que a jornada era uma forma de se fazer isso.

Mas em várias oportunidades Holmes deixou claro que não cabia ao tribunal “fazer” a Justiça como bem a entendesse. Conforme explicam estudiosos de sua obra, Holmes gostava de explicar aos jovens advogados que um tribunal apenas “aplica” a lei.

É um raciocínio coerente, quando se trata de um artigo como o 55, escrito, votado e aprovado por ampla maioria de constituintes, em 1988. Não cabe, sequer, levantar artigos de leis infraconstitucionais, como dizem os juristas, porque a Constituição se superpõe a eles, como eu aprendi num curso chamado ginásio, obrigatório para adolescentes de minha geração.

E  é  um ensinamento importante, em particular quando se recorda que a Constituição brasileira foi escrita por parlamentares eleitos em 1986, que criou o mais amplo regime de liberdades da nossa história.

É por isso que não há o que fazer diante do artigo 55, a não ser garantir que seja cumprido – da forma que os parlamentares acharem melhor. Estamos no mundo da política, onde apenas os representantes eleitos do povo exercem a prerrogativa de  cassar ou não o mandato de seus pares. Há várias possibilidades.

Os deputados podem fazer um acordo para garantir que o assunto seja debatido na Casa – e cada um vote como quiser, assegurado, como diz a lei, o direito a ampla defesa. Também podem fazer um acordo apenas para garantir o direito a defesa na tribuna de cada condenado – e por ampla maioria, negociada anteriormente, decidir sua cassação. Ou, pelo contrário, podem decidir rejeitar o pedido. O importante é sempre assegurar a regra democrática de que o Congresso é um poder soberano e não pode ser arranhado como expressão da vontade popular.

Em qualquer caso, não há surpresa nenhuma diante da reação de Marco Maia, presidente da Câmara que se recusou a submeter-se a uma decisão que contraria a Constituição. As manifestações públicas de  Henrique Eduardo Alves, provável sucessor de Maia, vão na mesma direção.

Nos dois casos, o Congresso apenas reafirma o artigo número 1 da Constituição, onde se diz que “todo pode emana do povo, que o exerce através de seus representantes eleitos.”

É bom começar o ano relembrando uma verdade tão simples e tão bela, concorda?
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Só o povo pode cassar seus representantes

Paulo Moreira Leite

No momento em que o Supremo discute a cassação imediata do mandato de três deputados no processo do mensalão, vale a pena ler o texto abaixo. É o artigo 55 da Constituição, que define como um parlamentar perde seu mandato. Na íntegra, para não haver dúvidas, aqui está o artigo 55:

Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.

§ 2º – Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 4º – A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ § 2º e § 3º.)

O artigo 55 torna-se particularmente interessante porque, a partir de janeiro, quando os prefeitos eleitos tomam posse, José Genoíno deve assumir sua cadeira de deputado. Será, então, o quarto mandato em discussão.

Ele é suplente da bancada do PT de São Paulo e tem mandato até 2014. Pela lei Ficha Limpa, não poderá se candidatar no próximo pleito, já que foi condenado por um tribunal colegiado. Mas nada pode impedir Genoíno de assumir sua vaga, se você ler o artigo 55 com atenção. Em 2010 ele recebeu 92.362 votos. Ou pode?

Depende. O Supremo debateu a cassação imediata dos deputados na semana passada. Como não havia consenso, o assunto foi interrompido.

Há uma discussão a respeito, embora o artigo 55 seja cristalino.

Diz que em caso de “condenação criminal em sentença transitada em julgado,” (…) “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados por voto secreto e maioria absoluta (…) assegurada ampla defesa.”

Com estes parágrafos da Constituição na mão, entrevistei Pedro Serrano, advogado de um dos grandes escritórios de São Paulo, especialista em Direito Constitucional e professor da PUC de São Paulo. Serrano também é um dos principais formuladores da noção de que, na América Latina a Jurisdição tem sido fonte,ocasionalmente , de Exceção e não de direito, como aconteceu nos golpes nos casos dos golpes de Honduras e do Paraguai. Serrano tem apontado que o mensalão pode vir a se traduzir eventualmente, num desses casos, sujeito ainda a estudo mais criterioso depois da publicação do acordão final. A entrevista:

PERGUNTA- Debate-se, hoje, a possibilidade do Supremo cassar o mandato de três deputados condenados no mensalão antes mesmo que a sentença tenha transitado em julgado. Faz algum sentido?

RESPOSTA -Uma decisão como esta seria inconstitucional. Está na letra da Constituição: só se pode iniciar, no Legislativo, o debate sobre perda de mandato depois que a sentença transitou em julgado. Isso quer dizer que ela, primeiro, precisa ser publicada. Depois, que a defesa precisa entrar com recursos. Em seguida, estes recursos precisam ser julgados, aceitos ou não. Só depois disso é que a discussão sobre perda de mandato poderia se colocar. Antes disso, a execução do julgamento está suspensa.

PERGUNTA -Por que tantos cuidados?

RESPOSTA -Porque a Constituição assim o determina explicitamente, qual seja que a perda do mandato só se dá pela condenação criminal transitada em julgado, ou seja, porque até a decisão do ultimo recurso a decisão pode, em alguma medida ou extensão ser modificada. Não haveria cabimento condenar a pessoa a uma sanção definitiva, a perda do mandato, em razão de uma decisão ainda não definitiva ou seja ainda pendente de recurso.

PERGUNTA -A Constituição diz que, em caso de condenação criminal, a decisão sobre a perda do mandato cabe à Câmara, em caso de deputado, e ao Senado, em caso de senador. Qual era a intenção do legislador, ao fazer isso?

RESPOSTA – O que se buscou, com isso, foi garantir o equilíbrio entre os poderes. Isso distingue o poder republicano do poder imperial. Num caso, nós temos a separação entre poderes. Na monarquia, nós temos a centralização das funções estatais num só poder. O texto constitucional deixa claro que o poder do Congresso, neste caso, não é um poder declaratório, mas um poder de conteúdo, constitutivo. Cassar o mandato é prerrogativa da Câmara, no caso de deputado, e do Senado, em caso de senador. É a forma que a Constituição encontra de defesa da soberania popular

PERGUNTA – Vamos supor que o Congresso não concorde com a cassação. É possível, já que a bancada do governo tem maioria na casa. Poderíamos avançar para uma situação de conflito de poderes?

RESPOSTA – É isso que se procura evitar. O Supremo tem o dever de julgar cidadãos, parlamentares ou não, podendo condená-los ,tecnicamente, aplicando a lei penal ao caso concreto. Mas o Congresso tem a responsabilidade de defender o mandato popular. Os deputados e senadores são responsáveis pela defesa politica da soberania do povo.

PERGUNTA – O senhor está dizendo que seria um novo julgamento?

RESPOSTA – Não em termos jurídico-penais. Mas seria um juízo politico feito pela Casa Legislativa, pois incidiria sobre o exercício do mandato politico outorgado pelo povo e que só pode ser cassado por seus representantes. Não por acaso, a Constituição exige que, para cassar um mandato, é necessário assegurar “ampla defesa” ao réu. Isso quer dizer que será preciso fazer um processo e que o acusado pode constituir advogado, produzir provas etc. A Constituição diz ainda que a perda de mandato será resolvida por maioria absoluta e pelo voto secreto. Não vejo outra saída no plano constitucional, está no texto de nossa Carta.
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Poderosos e "poderosos" no mensalão

Paulo Moreira Leite

Num esforço para exagerar a dimensão do julgamento do Supremo, já tem gente feliz porque agora foram condenados “poderosos…”

Devagar. Você pode até estar feliz porque José Dirceu, José Genoíno e outros podem ir para a cadeia e cumprir longas penas.

Eu acho lamentável porque não vi provas suficientes.
Você pode achar que elas existiam e que tudo foi expressão da Justiça.

“Poderosos?” Vai até o Butantã ver a casa do Genoíno…

Poderosos sem aspas, no Brasil, não vão a julgamento, não sentam no Supremo e não explicam o que fazem. As maiores fortunas que atravessaram o mensalão ficaram de fora, né meus amigos. Até gente que estava em grandes corrupções ativas, com nome e sobrenome, cheque assinado, dinheiro grosso, contrato (corrupção às vezes deixa recibo) e nada.

Esses escaparam, como tinham escapado sempre, numa boa, outras vezes.

É da tradição. Quando por azar os poderosos estão no meio de um inquérito e não dá para tirá-los de lá, as provas são anuladas e todo mundo fica feliz.

É só lembrar quantas investigações foram anuladas, na maior facilidade, quando atingiam os poderosos de verdade… Ficam até em segredo de justiça, porque poderoso de verdade se protege até da maledicência…
E se os poderosos insistem e tem poder mesmo, o investigador vira investigado…

Poderoso não é preso, coisa que já aconteceu com Genoíno e Dirceu.

Já viu poderoso ser torturado? Genoíno já foi.

Já viu poderoso ficar preso um ano inteiro sem julgamento sem julgamento?
Isso aconteceu com Dirceu em 1968.

Já viu poderoso viver anos na clandestinidade, sem ver pai nem mãe, perder amigos e nunca mais receber notícias deles, mortos covardemente, nem onde foram enterrados? Também aconteceu com os dois.

Já viu poderoso entregar passaporte?

Já viu foto dele com retrato em cartaz de procurados, aqueles que a ditadura colocava nos aeroportos. Será que você lembrou disso depois que mandaram incluir o nome dos réus na lista de procurados?

Poderoso? Se Dirceu fosse sem aspas, o Jefferson não teria dito o que disse. Teria se calado, de uma forma ou de outra. Teriam acertado a vida dele e tudo se resolveria sem escândalo.

Não vamos exagerar na sociologia embelezadora.

Kenneth Maxwell, historiador respeitado do Brasil colonial, compara o julgamento do mensalão ao Tribunal que julgou a inconfidência mineira. Não, a questão não é perguntar sobre Tiradentes. Mas sobre Maria I, a louca e poderosa.

Tanto lá como cá, diz Maxwell, tivemos condenações sem provas objetivas. Primeiro, a Coroa mandou todo mundo a julgamento. Depois, com uma ordem secreta, determinou que todos tivessem a vida poupada – menos Tiradentes.

Poderoso é quem faz isso.
Escolhe quem vai para a forca.

“Poderoso” pode ir para a forca, quando entra em conflito com sem aspas.

Genoíno, Dirceu e os outros eram pessoas importantes – e até muito importantes – num governo que foi capaz de abrir uma pequena brecha num sistema de poder estabelecido no país há séculos.

O poder que eles representam é o do voto. Tem duração limitada, quatro anos, é frágil, mas é o único poder para quem não tem poder de verdade e depende de uma vontade, apenas uma: a decisão soberana do povo.

Por isso queriam um julgamento na véspera da eleição, empurrando tudo para a última semana, torcendo abertamente para influenciar o eleitor, fazendo piadas sobre o PT, comparando com PCC e Comando Vermelho…

Por isso fala-se em “compra de apoio”, “compra de consciências”, “compra de eleitor…” Como se fosse assim, ir a feira e barganhar laranja por banana.

Trocando votos por sapatos, dentadura…

Tudo bem imaginar que é assim mas é bom provar.

Me diga o nome de um deputado que vendeu o voto. Um nome.

Também diga quando ele vendeu e para que.

Diga quem “jamais” teria votado no projeto x (ou y, ou z) sem receber dinheiro e aí conte quando o parlamentar x, y ou z colocou o dinheiro no bolso.

Estamos falando, meus amigos, de direito penal, aquele que coloca a pessoa na cadeia. E aí é a acusação que tem toda obrigação de provar seu ponto.

Como explica Claudio José Pereira, professor doutor na PUC de São Paulo, em direito penal você não pode transferir a responsabilidade para o acusado e obrigá-lo a provar sua inocência. Isso porque ele é inocente até prova em contrário.

O Poder é capaz de malabarismos e disfarces, mas cabe aos homens de boa fé não confundir rosto com máscara, nem plutocratas com deserdados…

Poder é o que dá medo, pressiona, é absoluto.

Passa por cima de suas próprias teorias, como o domínio do fato, cujo uso é questionado até por um de seus criadores, o que já está ficando chato.

Nem Dirceu nem Genoíno falam ou falaram pelo Estado brasileiro, o equivalente da Coroa portuguesa. Podem até nomear juízes, como se viu, mas não comandam as decisões da Justiça, sequer os votos daqueles que nomearam.

Imagine se, no julgamento de um poderoso, o ministério público aparecesse com uma teoria nova de direito, que ninguém conhece, pouca gente estudou de verdade – e resolvesse com ela pedir cadeia geral e irrestrita…

Imagine se depois o relator resolvesse dividir o julgamento de modo a provar cada parte e assim evitar o debate sobre o todo, que é a ideia de mensalão, a teoria do mensalão, a existência do mensalão, que desse jeito “só poderia existir”, “está na cara”, “é tão óbvio”, e assim todos são condenados, sem que o papel de muitos não seja demonstrado, nem de forma robusta nem de forma fraca…

Imagine um revisor sendo interrompido, humilhado, acusado e insinuado…

Isso não se faz com poderosos.

Também não vamos pensar que no mensalão PSDB-MG haverá uma volta do Cipó de Aroeira, como dizia aquela música de Geraldo Vandré.

Engano.

Não se trata de uma guerra de propaganda. Do Chico Anísio dizendo: “sou…mas quem não é?”

Bobagem pensar em justiça compensatória.

Não há José Dirceu, nem José Genoíno nem tantos outros que eles simbolizam no mensalão PSDB-MG. Se houvesse, não seria o caso. Porque seria torcer pela repetição do erro.

Essa dificuldade mostra como é grave o que se faz em Brasília.

Mas não custa observar, com todo respeito que todo cidadão merece: cadê os adversários da ditadura, os guerrilheiros, os corajosos, aqueles que têm história para a gente contar para filhos e netos? Aqueles que, mesmo sem serem anjos de presépio nem freiras de convento, agora serão sacrificados, vergonhosamente porque sim, a Maria I, invisível, onipresente, assim deseja.

Sem ilusões.

Não, meus amigos. O que está acontecendo em Brasília é um julgamento único, incomparável. Os mensalões são iguais.

Mas a política é diferente. É só perguntar o que acontecia com os brasileiros pobres nos outros governos. O que houve com o desemprego, com a distribuição de renda.

E é por isso que um deles vai ser julgado bem longe da vista de todos…

E o outro estará para sempre em nossos olhos, mesmo quando eles se fecharem.

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Um tribunal de salafrários

Todo mundo é salafrário? 
Paulo Moreira Leite

Editorial do Estadão, na sexta-feira, fez observações duras sobre o comportamento de Joaquim Barbosa, o ministro relator do julgamento do mensalão.

Observou que “desde as primeiras manifestações de inconformismo com o parecer do revisor Ricardo Lewandowski a atuação de Joaquim Barbosa “destoa do que se espera de um membro da mais alta Corte de Justiça do país.”

O jornal, o mais influente nos meios jurídicos, explica que, em vez de “serenidade” o ministro “como que se esmera em levar um espetáculo de nervos à flor da pele, intolerância e desqualificação dos colegas.”.

Lembrando que Joaquim Barbosa exibiu um sorriso debochado diante de um colega que declarava discordâncias –parciais — em relação a um de seus votos, o jornal lamenta o “desdém estampado na face do relator” e registra a queixa de Marco Aurélio Melo: “não admito que Vossa Excelência suponha que todos aqui sejam salafrários e só Vossa Excelência seja uma vestal.”.

Acho que em algumas situações o STF tem agido como se fosse possível supor “que todos aqui sejam salafrários”.

Exigir passaportes de quem ainda não foi condenado definitivamente – o julgamento não acabou, gente! – é uma decisão desnecessária. O mesmo vale para a decisão de incluir os réus na lista de procurados.

São medidas com amparo legal.

Mas a questão não é essa.

Estamos tratando de pessoas que jamais se recusaram se a atender a um chamado da Justiça.

Se hoje os brasileiros podem defender seus direitos no Supremo – e não submeter-se a coronéis e generais da Justiça Militar – é porque se travou uma luta por isso. No banco dos réus, hoje, encontramos vários lutadores que participaram da democratização do país.

Quando se recusaram a obedecer à lei, não eram elas que estavam erradas, mas a Justiça, inclusive o Supremo da época, que, vergonhosamente, se curvou à ditadura, omitiu-se diante da tortura e da perseguição política, deixando a Justiça Militar tratar de crimes considerados políticos.

Quem considera que o STF é exemplo para o país, poderia se perguntar: depois de torcer abertamente para que o julgamento influenciasse as eleições para prefeito, agora se quer que os réus sejam hostilizados quando saem à rua?

Queremos humilhação? Vamos ampliar aquele teatro, estimulado artificialmente pelos adversários, como se sabe, de agressividade e ofensas?

Eu acho indecoroso lhes dar o tratamento de criminosos comuns, de bandidos.

Sabe por quê? Porque eles não são. Têm projeto para o país, defendem ideias, já lutaram de forma corajosa por elas. Pode-se falar o que se quiser dessa turma. Mas não há prova de enriquecimento suspeito de Dirceu nem de Genoíno. Nem de Delúbio Soares, nem de João Paulo Cunha. Nem de Henrique Pizzolato, condenado como maior responsável pelo desvio de recursos do Visanet.

E é porque têm ideias e projetos que essas pessoas foram levadas a julgamentos no STF e não para um juiz de primeira instância.

E é só porque este projeto tem apoio da maioria da população que este julgamento tem importância, não sai dos telejornais nem das manchetes. A causa é política. Pretende-se deixar o Supremo julgar estas pessoas, quando este é um direito da população.

E é um julgamento político, vamos combinar.

Pretende-se usá-lo como exemplo.

E é pelo receio de que o exemplo se repita, e condenações sem provas, sem demonstrações inquestionáveis de culpa dos réus, que mesmo quem apoia as decisões do STF começa a ficar preocupado. Por quê?

Porque é injusto. E teme-se que a injustiça desta decisão contamine as próximas decisões.

Imagine se o mensalão mineiro obedecer ao mesmo ritual, da lei do “sei que só podia ser dessa forma”, do “não é plausível” e assim por diante. Vamos ter de voltar a 2000, quando, seguindo a CPI dos Correios, o dinheirinho do PSDB começou a sair do Visanet.

Vamos ter de chegar lá e apontar quem era o responsável por liberar a grana que, conforme escreve Lucas Figueiredo, no livro O Operador, chegou a 47 milhões de reais apenas no mandato de Aécio Neves no governo de Minas Gerais.

É assim que se vai fazer a campanha presidencial da grande esperança anti-Dilma em 2014? Parece que não, né, meus amigos.

É certo que há uma visão política por trás disso. Essa visão é seletiva e ajudou a deixar o mensalão PSDB-MG num tribunal de primeira instância, medida que favorece os réus.

Essa visão é acima de tudo distorcida e tem levado a criminalização da atividade política. Confunde aliança política com “compra de votos” e “pagamento de propina.” E estamos condenando sem serenidade, no grito, como se todos fossem “salafrários.”

As provas são fracas. O domínio do fato é um argumento de quem não tem prova individual. Você pode até achar uma jurisprudência válida. Você pode até achar que “não é possível” que Dirceu não soubesse, nem Genoíno.

Mas a Folha de hoje publica uma entrevista com um dos autores da teoria do domínio do fato. Basta ler para concluir que, falando em tese, ele deixa claro que é preciso mais do que se mostrou no julgamento.

Mas não vamos esquecer que o domínio do fato referia-se a uma hierarquia de tipo militar, onde funciona a lei de obediência devida, onde o soldado que desobedece a cadeia de comando pode ir a julgamento.

É disso que estamos falando? De um bando de manés que o Dirceu dominava, todo poderoso?

Que Genoíno comandava porque acabara de virar presidente do PT e tinha de assinar documentos em nome do partido? De generais e soldados?

Alguém ali era menor de idade, não fora vacinado? Alguém não sabia ler ou escrever? Não tinha vontade própria?

Outro ponto é que faltam testemunhas para sustentar a tese da acusação. O mensalão que “todo mundo sabe que existia” continua mais invisível do que se pensa.
Roberto Jefferson é volúvel como prima donna de ópera.

Faltam até heróis neste caso.

Sabe aquela publicitária tratada como heroína por determinados órgãos de imprensa, porque denunciou os desvios no Visanet? Pois é. Embora tenha sido mencionada no tribunal por Roberto Gurgel e também por Joaquim Barbosa, a Polícia Federal encontrou 25 000 reais em sua conta, depositados por uma agência subcontratada pela DNA que é de… Marcos Valério. Teve um outro, o câmara que filmou a denuncia dos correios. O cara trabalhava para o bicheiro Cachoeira.

Coisinhas mequetrefes, né…

A acusação de que o mensalão “está na cara” é complicada quando se lê uma resolução do Tribunal de Contas da União que sustenta o contrário e diz que as despesas fecham. Por esta resolução, não houve desvio.

Você precisa achar que “todo mundo é salafrário” para acreditar em outra coisa. O texto está ali, fundamenta o que diz e assim por diante. E lembra que testemunhas que dizem o contrário de são inimigas notórias de quem acusam.

Falamos em “desvio de dinheiro público “mas não temos uma conta básica”“. Assim: quanto saiu dos cofres públicos, quando foi entregue para quem deveria receber — agencias de publicidade, meios de comunicação que veiculam anúncios — e quanto se diz que foi desviado. Há estimativas que, às vezes, apenas são o nome elegante de “chute.”

O fato é que não sabemos, de verdade, qual o tamanho disso que se chama de “mensalão.”

É curioso que, mesmo com estimativas, o Supremo fale em pedir aos réus que devolvam o dinheiro desviado. Mas como, se não se sabe, exatamente, o quanto foi. Devolver estimativa?

Então, conforme o TCU, não houve desvio. Você pode até contestar essa visão, mas não é uma questão de opinião, somente. Precisamos mostrar os dados, os números, as datas. Não posso entrar no banco e dizer que o dinheiro sumiu de minha conta sem mostrar os saldos e extratos, concorda? E o banco tem de mostrar para onde foi o dinheiro que eu disse que estava lá, certo?

Nós sabemos que os ministros do TCU são indicados por razões políticas e muitos deles são ex-deputados, ex-ministros. Até posso achar que é “todo mundo salafrário”, mas não se pode tomar uma decisão com base nessa opinião sem tomar uma providência – como denunciar os supostos salafrários na Justiça, concorda? Vamos cassar os ministros que sustentam a lisura dos contratos?

Sei que você pode discordar do que estou dizendo. Tudo bem. É seu direito. Concorda? Também.

Eu só acho que desde Voltaire, um dos pioneiros do iluminismo, posso não concordar com nada do que dizeis, mas defenderei até a morte o direito de fazê-lo.

O nome disso é democracia.

E é em nome disso que não entendo por que o relator Joaquim Barbosa declarou-se ofendido com uma crítica de José Dirceu ao julgamento. Dirceu falou em populismo jurídico.

Barbosa considerou isso uma “afronta.” É engraçado. Embora o populismo tenha virado xingamento depois de 1964, existem cientistas políticos renomados que dizem que é um sistema de ação político válido, que envolve, claro, o argentino Peron, o turco Kemal Ataturk e muitos outros.

Mas essa é outra discussão. O que importa, aqui, é lembrar que juiz julga e fala pelos autos, mesmo quando o julgamento é televisionado.

Não pode ficar ofendido. Ou melhor, pode. É humano.

Mas não pode manifestar isso num julgamento. Não pode ter uma opinião pessoal. Não pode falar que gosta de um partido, ou que tem desprezo por outro. Tem de ser inteiramente impessoal, e por isso usa uma toga negra. Seu símbolo é uma balança, os olhos vendados.

Um juiz pode até ficar indignado com os métodos que se faz política no Brasil desde os tempos de Pedro Alvares Cabral.

Mas não pode enxergar corrupção por trás de toda aliança política que não entende nem consegue explicar. Não pode achar que todo pacto entre partidos é feito de roubo e de propina. Porque é esta visão que domina o julgamento. E ela é errada.

Vou me candidatar ao troféu de frasista do domingo ao lembrar que se não houvesse divergência nem traição nunca haveria aliança em política.

É só perguntar à velha guarda do PMDB o que ele achou da aliança do Tancredo Neves com o Sarney e do abandono das diretas-já.

Aos tucanos, o que eles acharam do acordo com ACM para eleger Fernando Henrique Cardoso. Até dona Ruth se enfureceu.

Aos petistas, o que acharam dos novos-amigos que apareceram em 2002, a começar por um empresário que ficou vice, o PTB do Jefferson, da Carta ao Povo Brasileiro e assim por diante…

Se todo mundo pensasse igual não era preciso fazer aliança.

Aliança se faz com adversários e aliados distantes. Se não fossem, entravam para o partido, certo?

Alianças envolvem partidos diferentes e, às vezes, muito diferentes. Podem ser um desastre ou uma maravilha, mas são legítimas como instrumento de governo. Claro que, pensando como o PCO, o PSTU, a LER, o MNN, é possível achar que não dá para fazer aliança com quem é salafrário, categoria que na visão dessa turma inclui mais ou menos 200% dos políticos – aqueles que estão em atividade e todos os outros que ainda não entraram na profissão.

Aliança se compra com dinheiro? Não. É suborno? Não.

Mas inclui dinheiro porque a política, desde a invenção do capitalismo e da sociedade burguesa, é uma atividade que deixou de ser exclusiva da nobreza, chegou ao cidadão comum e se profissionalizou. O dinheiro pode sair do Estado, recursos que permitem um controle real e uma distribuição democrática. Ou pode vir dos interesses privados, que assim colonizam o Estado conforme seus interesses. Os adversários da turma que está no banco dos réus sempre se opuseram a uma reforma que permitisse esse controle maior. Dá para imaginar por que.

Os “políticos-salafrários” só pensam numa coisa: ganhar a próxima eleição. A vida deles é assim. Contaram os votos, começam a pensar na campanha seguinte. É normal. Você pode achar muito oportunismo. Eu não. A democracia não para.

Por isso as verbas de campanha são sua preocupação permanente.

Por isso, os mais velhos contam que o movimento democrático que derrubou a ditadura militar tinha uma caixinha clandestina que ajudou a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Era imoral? Não. Era ilegal? Devia ser.

Os grandes financiadores da luta no colégio eleitoral foram grandes empreiteiras.

Em 1964, quando até Juscelino foi humilhado por um IPM infamante, se dizia que o mundo se dividia entre subversivos e corruptos.

Mas estávamos numa ditadura, quando se espera que seus adversários políticos sejam tratados como inimigos morais. Este recurso favorece decisões arbitrárias.

Numa democracia, todos são inocentes – até que se prove contrário.
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Ditadura foi menos arbitrária que o Supremo

A dosimetria da ditadura e o mensalão
PAULO MOREIRA LEITE

Se você já viu pessoas preocupadas com o tamanho das penas do mensalão, é bom prestar atenção numa coisa.

Tanto Dirceu como Genoíno já foram presos durante a ditadura militar. Eram considerados perigosíssimos por um regime que não respeitava as liberdades nem os direitos fundamentais.

Nenhum cumpriu pena semelhante às que podem receber agora, nesta semana em que o STF volta a definir as penas dos réus do mensalão.

Temos réus, como Marcos Valério, condenados a 40 anos. Um de seus sócios, Ramon Hollerbach, já chegou a 14 anos. Não sabemos até onde isso vai chegar.

(Francamente: nem Suzana Richthofen, que matou o pai e a mãe e fugiu com o namorado para o motel pegou pena tão larga. Nem o Nardoni, condenado por jogar a filha da janela do sexto andar.)

A maioria dos estudiosos calcula que as penas de José Dirceu podem chegar ao infinito. Ele foi condenado 9 vezes por corrução ativa. Se pegar a pena mínima 9 vezes, já são 18 anos. Dirceu também foi condenado por formação de quadrilha. No ambiente de quem condena mais que tem animado debates que poderiam ser mais sóbrios, é difícil imaginar até onde os ministros podem ir.

Muitos observadores calculam que José Genoíno pode ser condenado a 12 anos.

São penas duríssimas, como você já deve ter reparado. Estamos falando da privação de liberdade de pessoas contra as quais não há assim provas “robustas”, para empregar uma linguagem de quem é especialista. Estamos no mundo do plausível, do acredito, do só pode ser assim.

Mas também estamos numa democracia, onde todos tem direito a uma defesa e merecem ser considerados inocentes até prova em contrário, não é mesmo?

Não deixa de ser curioso reparar o que aconteceu com Dirceu e Genoíno, quando foram presos pelo regime militar.

Acusado de integrar o “núcleo político” do mensalão, Genoíno tinha lá sua hierarquia em 1972, quando foi preso na guerrilha do Araguaia. Foi acusado de ser “coordenador e chefe do grupo de guerrilheiros” da região da Gameleira. Esperou três anos para ser julgado e, no fim, recebeu a pena máxima. Sabe quanto? Cinco anos.

Na sentença, os juízes militares ainda tiveram o cuidado de explicar que uma pena tão elevada se devia à “periculosidade do criminoso e não do crime.” Contribuiu para a severidade da pena o fato de que Genoíno denunciou ter sido torturado na prisão.

Considerou-se que isso ajudava a definir Genoíno como “fanático guerrilheiro e político perigosíssimo.”

Depois de cumprir três anos de cadeia, Genoíno tentou transformar a pena restante em liberdade condicional. Não conseguiu e ficou preso até o último dia.

José Dirceu foi preso no Congresso da UNE, em Ibiúna, e só recuperou a liberdade porque, no ano seguinte, foi incluído no grupo de presos políticos trocados pelo embaixador Charles Elbrick. Até então, já havia ficado um ano na prisão, sem julgamento.

Não interessava a ditadura levar Dirceu para o banco dos réus. O plano era que ficasse ali, no puro arbítrio.

O único crime de que poderia ser acusado era de tentar reorganizar “entidade extinta”, o que não era grande coisa pelos parâmetros da ditadura. Teve gente condenada por isso que pegou seis meses de prisão. Era tão pouco tempo, na época, que a maioria já tinha cumprido a pena antes do julgamento.

A pena de banimento de Dirceu, anunciada depois que foi trocado pelo embaixador, durou nove anos.

Metade da pena que poderá receber caso o STF aplique a pena mínima para as nove condenações por corrupção ativa – apenas.

E é claro que, no STF, estamos assistindo a um julgamento político.

Como os julgamentos da auditoria militar, num tempo em que o Supremo convivia subjugado com um tribunal que usurpava a mais nobre das funções de um juiz, que é fazer o justo sem ameaçar a liberdade.

Não acho que a Justiça militar seja exemplo de coisa alguma para alguma coisa. Tolerava a tortura, fingia não enxergar execuções, agia com docilidade perante a ditadura. Julgava com provas sem valor legal, pois obtidas sob tortura.

Mas é lamentável constatar que nem um regime que não tinha o menor compromisso com a democracia, considerando-se no direito de suspender as liberdades públicas para combater a “subversão e a corrupção,” aplicou penas tão duras. Uma ditadura, como sabemos, trabalha na lógica da presunção da culpa.

E vamos combinar. De armas na mão, vivendo no meio de agricultores miseráveis do interior do Pará, não havia como negar que Genoíno estivesse envolvido na guerrilha.

Dirceu era candidato a presidente da UNE, fora presidente da UEE. Sua prisão, em Ibiúna, foi um flagrante, digamos assim. A lei era arbitrária, pois proibia uma entidade legítima. Mas a prova existia, certo?

E aí chegamos ao Supremo, em 2102. Temos penas máximas, contra provas mínimas.

Nenhuma história contra José Dirceu fechou. Até agora estão investigando o Banco Central para ver se aparece alguma coisa a mais na atuação de Marcos Valério. Já se passaram sete anos…

Contra José Genoíno, tem-se a dedução de que o pedido de empréstimo que assinou era fajuto. Mas o empréstimo estava lá, registrado, foi renovado, mais uma vez, e outra.

Um ministro já comparou os envolvidos no mensalão com o Comando Vermelho e com o PCC. Outro, falou que eles queriam dar um golpe de Estado. Mais de uma vez, entre uma sentença e outra, ouviram-se ironias sobre o Partido dos Trabalhadores, e até insinuações que envolviam Dilma Rousseff.

Que dosimetria, não?
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Quem não tem voto caça com Valério



O alvoroço provocado pela notícia de que Marcos Valério pode ter informações comprometedoras contra Lula, Antônio Palocci e até sobre o caso Celso Daniel chega a ser vergonhoso.

Desde a denuncia de Roberto Jefferson que Valério tem demonstrado grande disposição para colaborar com a polícia.

Foi ele quem entregou a relação de 32 beneficiários das verbas do mensalão, inclusive Duda Mendonça.

Conforme os advogados de um dos réus principais, ao longo do processo Valério fez quatro tentativas de oferecer novas delações em troca de uma redução de sua pena.  As quatro foram rejeitadas.

O estranho,  agora, não é a iniciativa de Valério, mais do que compreensível para quem se encontra numa situação como a sua. Não estou falando apenas dos 40 anos de prisão.

As condenações de José Dirceu  e José Genoíno se baseiam em “não é possível que não soubessem”, “não é plausível”, “um desvio na caminhada” e assim por diante.

Eu acho legítimo pensar que deveriam ser questionadas em novo julgamento,  o que certamente poderia ser feito se tivessem direito a uma segunda instância, como vai ocorrer com os réus do mensalão PSDB-MG que foram desmembrados nestes “dois pesos, dois mensalões,” na antológica definição de Jânio de Freitas.

Parece muito difícil questionar o mérito das acusações contra Valério.  Ele participava de um esquema para levantar recursos de campanha. Mas seu interesse era comercial, digamos assim. Pretendia levantar R$ 1 bilhão até o fim do governo, disse Silvio Pereira, secretário geral do PT, em entrevista a Soraya Agege, do Globo, em 2006.

Era o titular do esquema, o dono das agências de publicidade, aquele que recolhia e despachava o dinheiro, inclusive com carros forte e conta em paraíso fiscal.

O estranho, agora, não é o comportamento de Valério. São os outros.

É a torcida, o ambiente de vale-tudo.

Ele teve sete anos para apresentar qualquer informação relevante. A menos que tenha adquirido o costume de criar dificuldades para comprar facilidades até com a própria liberdade, o que não é bem o costume dos operadores financeiros, seu silêncio sugere a falta de fatos importantes para revelar. Ele enfrentou em silêncio a denúncia  do primeiro procurador, Antônio Carlos Fernando de Souza, em 2006.  Assistiu do mesmo modo à aceitação da denúncia pelo Supremo, em 2007. Deu não se sabe quantos depoimentos a Justiça e a Polícia.  Seu advogado, Marcelo Leonardo, um dos mais competentes do julgamento, escreveu não sei quantas alegações finais no STF.

Nem mesmo quando, preso por outras razões, tomava porrada de colegas de presídio numa cadeia,  lembrou que podia contar algo para se proteger?

A verdade é que os adversários de Lula não conseguem esconder a vontade de que Valério tenha grandes revelações a fazer.  Deveriam estar acima de tudo desconfiados e cautelosos, já que as circunstâncias não garantem a menor credibilidade a qualquer denuncia feita DEPOIS que  um réu enfrenta uma condenação de 40 anos e não se vislumbra nenhum atenuante para amenizar a situação.

É preocupante porque  nós sabemos que é possível transformar versões falsas  em fatos verdadeiros.
Basta que os melhores escrúpulos sejam deixados de lado, as versões anunciadas sejam convenientes e atendam aos interesses de várias partes envolvidas.  O país tem uma longa experiência com essa turma. Ela denunciou um grampo telefônico que não houve. Falou de uma conta em paraíso fiscal – do próprio Lula e outros ministros – que eles próprios sabiam que era falsa. Também denunciou uma  caixa de dólares enviados do exterior para a campanha de 2002 que ninguém foi capaz de abrir para dizer o que tinha lá dentro.

Na prática, os adversários de Lula querem que Valério entregue aquilo que o eleitor não entregou.

O próprio Valério sabe disso. De seu ponto de vista, qualquer coisa será melhor do que enfrentar uma pena de 40 anos, concorda? Qualquer coisa.

Do ponto de vista dos adversários de Lula, também. Qualquer coisa é melhor do que uma longa perspectiva de derrotas, não é mesmo?  Talvez não por 40 anos mas quem sabe mais quatro?

É por isso que os interesses das partes, agora, coincidem.  O mocinho da oposição tornou-se Valério.
No mundo do “não é possível”, do “é plausível”, do “não pode ser provado mas não poderia ser de outra forma ” as coisas ficam fáceis para quem acusa.  A moda ideológica, agora, é acusar de bonzinho quem acha que a obrigação da prova cabe a quem acusa.

E eu, que pensei que a presunção da inocência era um direito constitucional e fazia parte das garantias fundamentais. Mas não. Isso é ser bonzinho, é se fazer de ingênuo.

No novo figurino, as  coisas parecem verdadeiras porque não podem ser provadas. É a inversão da inversão da inversão.  O movimento estudantil tem uma corrente que se chama negação da negação.  

Estamos dando uma radicalizada…

A experiência ensina que há um  meio infalível de levantar uma credibilidade em  baixa. É a ameaça de morte, o que explica a lembrança do caso Celso Daniel.

Os advogados dizem que Valério sofreu ameaças de morte. Já se fala nos cuidados  com a segurança pessoal e da família. Também li que a Polícia Federal “ainda” não decidiu protegê-lo.

Algumas palavras tem importância especial em determinados momentos.  A morte de Celso Daniel foi acompanhada por várias suspeitas de crime político mas, no fim de três meses de investigação, a Polícia Civil de São Paulo concluiu que fora crime comum.

Um delegado da Polícia Federal, que seguiu o caso e até participou das investigações a pedido de Fernando Henrique Cardoso, chegou a mesma conclusão. O caso parecia encerrado. Os suspeitos estavam presos, confessaram tudo e aguardavam julgamento. Quem fala em aparelho petista deve lembrar que a investigação tinha o respaldo do comando da polícia do governo Alckmin e da PF no tempo de FHC.

O caso saiu dos arquivos quando um irmão de Celso Daniel alegou que sofria ameaça de morte. Fiz várias entrevistas com familiares e policiais e posso afirmar que nunca ouvi um fato consistente. Nem um grito ameaçador ao telefone. Nem um palavrão no trânsito. Nem um empurrão no bandejão da faculdade.

Nunca. Respeito aquelas pessoas, fomos colegas de luta no movimento estudantil mas aquilo me pareceu uma história sem consistência. Eu ia fazer uma matéria sobre essa denuncia mas aquilo não dava uma linha. Não havia sequer um fato para ser narrado. Nem um boato para  ser desmentido. Nada. Fiquei impressionado porque eu havia entrado na história achando que havia alguma coisa, seja lá o que fosse.  Nada. Mas a família conseguiu o direito até de viver exilada na França. O caso foi reaberto e, embora uma segunda investigação policial tenha chegado a mesma conclusão, o suspeito de ser o mandante aguarda o momento de ir a julgamento.

Nos últimos meses, com o julgamento no mensalão, os adversários de Lula pensavam  que seria possível reverter o ambiente político favorável a Lula, no país inteiro. É este ambiente que coloca a reeleição de Dilma no horizonte de 2014, embora muita enxurrada possa passar por debaixo da ponte. Mas, no momento, essa perspectiva, para a oposição, é insuportável e dolorosa – até porque ela não foi capaz de reavaliar suas sucessivas  derrotas do ponto de vista político, não fez um balanço honesto dos acertos do governo Lula, o que dificulta aceitar que o país tem um presidente popular como nenhum outro antes dele, a tal ponto que até postes derrotam  medalhões vistos como imbatíveis. No seu apogeu, a ideia de renovação sugerida por FHC foi descartada como proposta petista por José Serra. Assim fica difícil, né.

(Vamos homenagear os postes. Essa expressão foi cunhada por uma das principais vozes da luta pela democratização, Ulysses Guimarães, para quem “poste” era o candidato capaz de representar os interesses do povo  e da democracia, mesmo que fosse um ilustre desconhecido. Certa vez, falando sobre a vitória estrondosa do MDB em 1974, quando elegeu 17 de 26 senadores, Ulysses falou que naquela eleição o partido elegeria “até um poste.” Postes, assim, são candidatos que entendem o vento da sua época.)

Semanas antes da eleição do poste Fernando Haddad,  o procurador geral Roberto Gurgel chegou a dizer que ficaria muito feliz se o julgamento influenciasse a decisão do eleitor. Muita gente achou natural um procurador falar assim.

Eu não fiquei surpreso porque sempre achei a denuncia politizada demais, cheia de pressupostos e convicções anteriores aos fatos. Eu acho que a denuncia confunde aliança política com compra de votos e verba de campanha com suborno, o que a leva a querer criminalizar todo mundo que vê pela frente – embora, claro, tenha sido  seletiva ao separar o mensalão PSDB-MG, como nós sabemos e nunca será demais lembrar. Mas não achei o pronunciamento do procurador natural. Em todo caso, considerando a liberdade de expressão…

Mas a fantasia oposicionista era tanta que teve gente até que se despediu de Lula, lembra?

Embora o julgamento tenha caminhado na base do “não é plausível”, “não poderia ter sido de outro jeito ”e outras considerações pouco conclusivas e nada robustas, faltou combinar com o eleitor.

Em campanha própria, com chapa pura, os  adversários de Lula tiveram uma grande vitória em Manaus. Viraram a eleição em Belém onde o PSOL não quis apoio de Lula.  Ganharam em Belo Horizonte em parceria com Eduardo Campos, que até segundo aviso é da base de Lula e Dilma.

O  PT cresceu no número de prefeituras, no número de votos em escala nacional, e também levou o troféu principal da campanha, a prefeitura de São Paulo.  Mesmo com a vitória em Salvador, os partidos conservadores, à direita do PSDB, tiveram a metade do eleitorado reunido em 2008. Isso aí: perderam 50% dos votos.

É neste ambiente que Valério passa ter importância. Quem não tem voto caça com Valério.

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Quem não tem voto diz que eleitor está cansado

Paulo Moreira Leite

Pergunto o que leva nossos coveiros de sorriso amarelo a produzir tantas análises e raciocínios sofisticadíssimos para esconder o dado óbvio desta eleição municipal.

Apesar do julgamento do mensalão, apesar do tratamento ora irônico, ora pedante, que a maioria dos meios de comunicação dispensa ao ex-presidente Lula, está cada vez mais difícil esconder o bom desempenho do PT neste pleito.

Quem profetizou um fiasco de Lula precisa improvisar teorias para justificar verdades óbvias.

Quem chegou ao exagero de anunciar um duelo entre Lula e Geraldo Alckmin, em São Paulo, precisa fazer um curso supletivo de liderança política.

O mais novo argumento é dizer que o eleitor está desanimado, cansou-se da polarização entre PT e PSDB.

É preocupante. Nem faz muito tempo assim que os brasileiros recuperaram o direito de votar para prefeito de capital, que fora suprimido pela ditadura, e já tem gente que acha que esse tipo de coisa é cansativa e tediosa. É a mesma turma que, em dia de eleição, só consegue olhar para os santinhos na calçada e dizer que eles emporcalham a cidade. Eu acho que nada emporcalha mais uma cidade do que o autoritarismo, a falta de eleição, os prefeitos escolhidos de forma indireta.

E eu acho que a boca-de-urna ajuda a ampliar o debate numa eleição. E quem é a favor de proibi-la poderia dar uma chance ao próprio QI e perguntar-se se ela não tem a ver com a liberdade de expressão.

Voltando ao cansaço dos eleitores.

A teoria da baixa representatividade se apoia num fato real mas interpretado de forma interesseira.

É certo que  o  número de brancos e nulos nunca foi tão alto. O problema é usar este dado como prova de que  nosso sistema político não expressa a vontade dos brasileiros e blá-blá-bla…

Nós sabemos muito bem onde esse tipo de conversa sobre falta de representatividade da democracia começa e onde costuma terminar, não é mesmo?

Estrela principal do pleito que centraliza as atenções no segundo turno, Fernando Haddad não enfrenta o menor problema com sua representatividade. Ilustre desconhecido há seis meses, já conquistou 49% das intenções de voto  e lidera a eleição com uma diferença de 17 pontos. Falta de representatividade?

Se você comparar com outras eleições, municipais, estaduais e federais, verá que a ordem de grandeza é a mesma.

E se você se interessar pela temperatura da campanha, verá que Haddad tem empolgado a juventude e mesmo antigos militantes que pareciam ter pendurado a chuteira da luta política.

Estes números ajudam a mostrar que não há crise nenhuma com o regime democrático nem com o eleitor.

A doença envolve um candidato específico, José Serra, que exibe um  desempenho muito abaixo daquilo que seus aliados prometiam no inicio da campanha.

O grande número de nulos e brancos, em São Paulo, expressa sua dificuldade para atrair apoio junto a eleitores do PSDB e mesmo adversários do PT. São estes nulos e brancos que deixaram de ir para a Serra, o que é natural num candidato com uma rejeição que chegou a 52%.

Lançado como última esperança para  salvar a pátria do PSDB, o problema real da campanha de Serra não é a perspectiva de derrota. É o tamanho da diferença a favor de Haddad. Superior a qualquer previsão de nossos sábios, a vantagem do candidato do PT mostra um adversário que sequer tem-se mostrado competitivo.

Esta é a crise, o susto de 2012.

Temos uma  oposição sem representatividade, inclusive em São Paulo, que sempre considerou como sua fortaleza.

Após a terceira derrota na sucessão presidencial, não é uma boa notícia para o PSDB.

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