por Antonio Escosteguy Castro
Mais de vinte anos de ditadura militar, onde ficamos ao arbítrio da vontade política do general de plantão, tornou comum que se afirme no Brasil a definição de Democracia como o regime onde se deve respeitar a vontade da maioria.
É evidente que este conceito não está errado, mas é Ouma definição incompleta e simplista. A Democracia também inclui o respeito aos direitos da minoria, o direito à diferença e ao devido processo legal. A maioria não pode tudo…
Fundamental revisitar estes conceitos ao examinar-se o recente episódio da cassação da Prefeita de Gravataí, Rita Sanco. Ancorados no vetusto Decreto-Lei 201/67, produto da mesma ditadura militar citada no início de nosso texto, (embora, é verdade, a maior parte da jurisprudência o considere recepcionado pela Constituição de 1988) setores da oposição de Gravataí “processaram e julgaram” a Prefeita e seu Vice e lhes cassaram os mandatos.
A crônica política da aldeia não só deu amplo destaque à “ vontade da maioria” como, insistindo no festival de simplificações ao cobrir os fatos, apontou o “caráter político “ da decisão, que a desgrudaria de algum maior cuidado jurídico.
Sejamos, pois, bem jurídicos: data máxima vênia, senhoras e senhores, não é assim.
O DL 201/67, para permitir a cassação de um prefeito, estabelece um processo bastante judicializado, ou seja, bastante semelhante a um processo judicial, que demanda não só a necessária comprovação dos fatos, como demanda, ainda, que desde a denúncia estes se constituam, em tese, em delitos com suficiente gravidade para que se revogue a vontade do povo consagrada na eleição. Entendemos, aliás, que os 10 incisos do art. 4º do Decreto são taxativos e não meramente exemplificativos.
A denúncia em Gravataí é um apanhado de “acusações” que não faria feio numa crônica do saudoso Stanislaw Ponte Preta, no seu famoso livro FEBEAPÁ (Festival de Besteiras que Assola o País). São apontados como delitos da Prefeita o exercício de prerrogativas do cargo, como “ encaminhar” ou “sancionar” projetos de lei. Como estes foram aprovados, em geral por unanimidade, pela mesma Câmara que está a cassar seu mandato, ela é acusada de “induzir” os nobres edis a aprová-los, como se aqueles fossem crianças indefesas. É apontada, ainda, a acusação de “mentir á população”, elevando a subjetividade do debate ao máximo.
Pouco interessou a comprovação ou não das acusações elencadas. A representante da OAB descaracterizou a nomeação irregular do Procurador Geral do Município. A repactuação da dívida com o Banrisul, aprovada também pela Câmara, demonstrou-se benéfica para a cidade (tanto que os novos mandatários a estão honrando). Mas nada disto importava. Os acusadores tinham a maioria suficiente para aprovar a cassação. E o fizeram.
A decisão de 10 vereadores de cassar a vontade dos quase 70 mil eleitores que sufragaram a Prefeita Rita Sanco (esta sim, uma expressiva maioria) não é “apenas política”. Deve estar escorada em acusações válidas, num processo escorreito e em provas inequívocas. Nada disso se deu em Gravataí. Cabe, agora, ao Poder Judiciário evitar que esta violência se perpetue. O precedente é inaceitável. Nossa Democracia precisa afirmar que a maioria tem, sim, limites.
(publicado no Sul21)