A velha Danuza Leão
Urariano Mota - Direto da Redação
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Urariano Mota - Direto da Redação
Às vezes penso que os textos necessários são os que escrevemos contra a vontade. Que são desconfortáveis para quem escreve. Textos em que, mesmo segurando a mão, vêm pesados mais do que deveriam. Como imagino ser este de hoje, sobre a colunista Danuza Leão.
Um mal inescapável nas pessoas famosas é que elas envelhecem em público. A sua decadência física, quando se expõem em imagem, dá na gente um travo, porque será assim que envelheceremos. A sua decadência humana, quando se expõem em obras, nos dá repugnância e raiva, porque mostram que passaram do ponto de morrer como pessoas. Dilataram o tempo de forma desonrosa. Danuza Leão envelheceu assim, de modo duplo, no corpo e no espírito.
Entendam, por favor. Se a velhice física é uma lei biológica, a velhice da alma, não. Há homens que envelhecem tão bem na sua revolta, no seu ânimo, que deles não se pode dizer que são velhos irreconhecíveis para o que foram quando jovens. Penso em Niemeyer, no vigor dos seus 104 anos, a receber aulas de filosofia, a reclamar no hospital porque deseja voltar ao trabalho. Penso em Tosltói, que na idade em que os escritores se aposentam, escreveu um conto como Depois do Baile.... Mas que imensa bobagem. Lembro Tolstói e Niemeyer, quando o assunto é Danuza Leão. Que descabida desigualdade, que disparate.
Entendam por quê. Os leitores dos domingos, da Folha de São Paulo, recebem sempre os atentados contra a dignidade da pessoa que foi Danuza Leão. Os mais precavidos evitam o espetáculo, dela e de semelhantes que decaem em triste exibição. Mas hoje, por outros caminhos, me chegou a sua última cara de Bardot dos trópicos. Sim, de Bardot, aquela que nos enchia a vista na infância e se tornou uma velha muito feia da direita francesa. Pois Danuza, com menos talento cinematográfico, endurece as artérias no que escreve. Se não, olhem estas pérolas, do seu último domingo:
“Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?
AFINAL, QUAL a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando - e aumentando- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio...
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem - e se for o vídeo, pior ainda- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros - não é melhor ficar por aqui mesmo?
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas - assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno”.
O acesso ao consumo para o povo do Brasil, criado pelo governo Lula, revelou o caráter da velhinha Danuza Leão. Que pena. Ela era melhor no tempo em que entrava muda e saía calada, como no filme Terra em Transe. Que grande mulher, pelo silêncio, ela parecia ser em 1967.