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Entrevista da Maria Conceição Tavares para a UFMG

Do site da UFMG, terça-feira, 24 de agosto de 2010, às 7h30

“É hora de romper com a maldição furtadiana”  

Uma análise sobre a forma como o Brasil lidou com a crise internacional será feita nesta terça-feira, dia 24, pela economista Maria da Conceição Tavares à UFMG, durante a primeira conferência do projeto Sentimentos do Mundo em 2010. Portuguesa naturalizada brasileira, Conceição Tavares formou-se em matemática ainda em terras lusitanas, mas acabou se transformando numa das mais importantes expoentes do pensamento econômico brasileiro. Influenciada por Celso Furtado, Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel, Conceição foi aluna de Octávio Gouvêa de Bulhões e Roberto Campos, professora da candidata à presidência Dilma Rousseff e parceira acadêmica do também presidenciável José Serra.

Aos 80 anos, completados em abril passado, a economista revela, nesta entrevista ao Boletim UFMG, que está “mais mansa” – ela que sempre teve fama de brigona. Mas não perdeu a verve. Critica a suposta preferência de José Serra por uma política internacional ancorada no eixo Norte-Sul, diverte-se com a radicalização de Plínio de Arruda Sampaio (candidato à presidência pelo PSOL) – democrata-cristão que virou socialista – e elogia as políticas sociais em vigor, que ajudaram a elevar o padrão de vida de 30 milhões de brasileiros. “Temos agora que nos preocupar com a educação, com a universalização dos direitos sociais, com a segurança”, defende.

A senhora tem fama de brava, polêmica, sempre muito enfática na defesa de suas ideias. Ao completar 80 anos, esse traço de sua personalidade manteve-se ou arrefeceu?
(Risos) Estou mais mansa com a idade. A gente vai ficando mais velha e percebe que é preciso ter paciência, que as coisas nem sempre avançam como você quer. Tanto que no meu aniversário eu convidei a Dilma {Dilma Rousseff, candidata a presidente pelo PT} e o Zé {José Serra, candidato pelo PSDB}, que era meu amigo de infância – da infância dele, claro, não da minha que sou mais velha (risos).

A senhora foi professora dele?
Não. Fui professora da Dilma. Do Serra eu fui colega. Escrevemos, inclusive, um artigo a quatro mãos.

De brava e polêmica, a senhora então está se transformando em uma conciliadora?
Exatamente (risos). Apesar da Dilma ser minha candidata, evito falar mal do José Serra.

O tema de sua conferência na UFMG é o Brasil e a crise internacional.A senhora acredita que o Brasil soube enfrentar melhor a turbulência de 2009?
Sim. E saímos muito rapidamente dela. Este ano, vamos crescer 7%. Só China e Índia vão crescer tanto.

O governo teve papel importante nesse processo ou a superação foi resultado da força natural da economia brasileira?
Eles {o governo} não ficaram esperando, pois tiraram os impostos sobre o consumo. É a primeira vez que assistimos a uma crise sem ficar de cócoras. Antes, os Estados Unidos davam um espirro e a gente pegava uma pneumonia. Agora eles pegam uma pneumonia dupla e a gente se recupera rapidamente. A coisa se inverteu. Em plena crise, o Brasil conseguiu empregar um milhão de pessoas com carteira assinada. Só isso mostra que reagimos muito bem.

A senhora qualificou as crises econômicas recentes como bolhas que se sucedem. Tem mais alguma se aproximando?
Não posso garantir se há uma bolha se aproximando. O que posso dizer é que o sistema bancário dos países desenvolvidos está totalmente bichado. Há um desequilíbrio fiscal gigantesco nos Estados Unidos e na Europa. No cenário internacional, essa crise tende a ser prolongada, com períodos de maior turbulência nos Estados Unidos, Europa e Japão, que não estão bem das pernas. O fato é que há uma mudança na divisão internacional do trabalho, e o eixo Ásia-América do Sul tem futuro. Tenho esperança de que partiremos para o multilateralismo, no qual países como China, Índia, Brasil, África do Sul, Rússia e Argentina exercerão papel importante. Agora, os Estados Unidos preocupam, pois são o centro do sistema, e não têm mais a capacidade de antes para regulá-lo. Quem vai regular o sistema internacional? Eles não querem nem regular o deles. Já as propostas do G-20 {grupo formado pelas 19 maiores economias, mais a União Europeia} são muito fracas ou não há consenso entre eles.

O que falta ao Brasil para mudar de patamar?

Temos agora que nos preocupar com a educação, com a universalização dos direitos sociais, com a segurança. Precisamos eliminar esses problemas, e todos os candidatos, em seus programas, defendem avanços sociais. Há acordo sobre isso. Onde não há acordo é na política externa, principalmente no caso do Serra, que é mais tradicional. Ele pode desmobilizar o Itamaraty e não é a favor do eixo Sul-Sul. Prefere apostar no desenvolvimento Norte-Sul, tem mais esperança nos Estados Unidos, o que é um equívoco. É um vício que ele herdou do Fernando Henrique. No que diz respeito à infraestrutura, educação e segurança, há consenso entre todos os candidatos. Menos o Plínio {Plínio de Arruda Sampaio, candidato pelo PSOL}, que é socialista. Ele, ao contrário de mim, foi se radicalizando. Começou como democrata--cristão, foi para o PT e acabou no PSOL. Eu fui ficando mais moderada. Você vê que a idade atinge as pessoas de modo diferente (risos). Nos anos 60, o Plínio era a favor de uma reforma agrária moderada e agora quer uma mudança radical.

Mas, voltando ao consenso entre os candidatos sobre a questão social, percebo que chegou a hora de extinguir a pobreza, romper com a “maldição furtadiana”. Que maldição é essa?
O Furtado {o economista Celso Furtado} achava que a gente ia crescer, mas não ia se desenvolver. Mas agora acredito que estamos no caminho do desenvolvimento. Todas as questões estão postas na agenda, e há consciência delas. No caso da pobreza, todos querem eliminá-la. Mas vai ser difícil corrigir a questão metropolitana, o tráfico de drogas, promover uma educação de qualidade. Talvez em 20 anos a gente consiga resolver essas questões. Não conseguimos nos industralizar em 20 anos? Embora industrializar seja mais fácil do que corrigir desigualdades sociais.

A senhora é uma expoente do pensamento econômico brasileiro. Mas, nos últimos anos, percebe-se que anda um pouco afastada da mídia e do debate público. Você acha que velhice não pesa? 
 Pesa, sim, rapaz. Hoje, eu dou aulas de relações internacionais. E estou com vontade de voltar as atenções para a América Latina, para realizar um estudo comparado Brasil-América Latina. Sou a favor da integração e, como a maioria é contra, tendo a seguir no sentido oposto. A América Latina não é um bloco unitário. É preciso estudar as diferenças que existem entre os países. Continuo acompanhando a conjuntura do Brasil, mas não vejo grandes discrepâncias em sua política econômica. A não ser o Banco Central, que também já melhorou. Tanto que bati pesado quando percebi que o Banco Central estava disparatando no primeiro governo Lula. Fui a Brasília, conversei com o presidente, com o ministro da Fazenda.

Mas e os juros?
Não adianta dizer que temos as maiores taxas de juros do mundo. Eles são assim há mais de 50 anos. E agora estão abaixo da média histórica das últimas duas, três décadas.

Alguns intelectuais se decepcionaram com o governo Lula e do PT, entre os quais Francisco de Oliveira. Não foi o caso da senhora...
O Chico de Oliveira já tinha rompido com o PT logo no início do governo. No primeiro ano, o Lula pegou uma bomba pela cara, uma crise cambial, inflação subindo. Inventaram o “efeito Lula” e ele teve que se comprometer, na Carta aos Brasileiros, com um programa mais continuísta. Sempre achei chata essa política econômica, porque eu queria que o país crescesse mais. Mas hoje sou obrigada a reconhecer que o resultado foi satisfatório. Com a crise mundial, se tivéssemos ficado no oba-oba, aproveitando aquele momento de excessiva liquidez dos Estados Unidos, teríamos entrado pelo cano. Os espanhóis, portugueses, gregos e os próprios ingleses levaram uma porrada cavalar. E outra coisa que o Lula nunca deixou de fazer foi atacar a pobreza. Ele começou cedo e acelerou no segundo mandato. Pobre não tinha crédito neste país. Ele convertou 30 milhões de pessoas em classe média.

O que ainda a preocupa?
O câmbio. Com exceção da China, todos os demais países estão valorizando sua moeda em relação ao dólar. O problema é que o dólar ainda é a referência no comércio exterior. Os chineses exportam em dólar e nós levamos uma surra deles. O que me preocupa são as importações. Ou você controla o câmbio ou controla disfarçadamente as importações. Não podemos, sistematicamente, importar mais do que exportar. Ou montamos uma barreira para os capitais especulativos, uma espécie de quarentena semelhante à feita pelo Chile, ou estabelecemos um controle disfarçado de importações não essenciais. Estamos importando carros de luxo – e não precisamos deles, pois temos uma indústria automobilística muito forte – e equipamentos eletrônicos, exatamente os itens que provocam déficit na balança comercial.

A senhora está mais otimista?
Com o Brasil, sim. Não temos um Collor, nem um Jânio. Os candidatos são melhores. O povo assume que é cidadão, não para de votar, o emprego melhorou, o salário-mínimo também, e a renda se desconcentrou. Mas em relação ao mundo, não. O neoliberalismo acabou como ideologia explícita, mas não como prática. O mundo está muito conservador. A direita americana não deixa o Obama fazer nada.
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