Infelizmente o ano de 2010 não tem sido dos melhores para os apreciadores de Histórias em Quadrinhos (HQs). Para nossa tristeza e lamentação, morreu nesta segunda-feira, 12 de julho, em Cleveland, nos Estados Unidos, aos 70 anos, Harvey Pekar, um dos quadrinistas mais incríveis de todos os tempos.
Harvey Pekar (1939-2010).
Working-class disgusting!
Como vocês se recordam, no dia 12 de março um
playboy retardado assassinou nosso tão amado Glauco e seu filho. No meio de tanta dor e raiva,
A CORTIÇA prestou sua homenagem ao Glauquito em um
post que você pode acessar novamente
aqui para matar saudades (ou aumentá-las). E agora, passados exatamente quatro meses, perdemos Pekar.
Nascido em Cleveland (em 08 de outubro de 1939), Harvey Pekar era o cara mais ranzinza do mundo (você acha fácil ser detentor desse título?) e um incorrigível amante voraz de jazz, cujos álbuns, colecionados desde a década de 1950 (alguns extremamente raros), empilhados e bagunçados, amontanhavam-se e disputavam com o restante da mobília e com o próprio Harvey quem ocuparia mais espaço na casa. Nosso anti-herói passou a escrever críticas de jazz a partir de 1959. Além disso, assim como todos nós, trabalhava num emprego mequetrefe que servia menos para pagar as contas do que para não deixá-lo esquecer da vida de "zé" que tinha de suportar. Veja o ranzinzão num desses talk-shows idiotas:
Se muitas vezes ficar falando da vida pessoal do artista defunto é apenas firula, para Pekar faz realmente toda a diferença. Afinal, ele foi o responsável por uma das publicações undergrounds de maior relevância dos quadrinhos: American Splendor. E a revista funcionava assim: Pekar criava os argumentos sempre se pautando em experiências pessoais cotidianas. Aliás, cotidianíssimas, os momentos mais triviais da vida de um ser. Nada de heroísmos, situações hilariantes e outros clichês impossíveis ao transeunte comum.
E justamente daí vem o brilho de suas histórias: traduzir para a HQ todas as cretinices do dia-à-dia de mais um pedestre sem cair no marasmo de relatos desinteressantes (um faro raro que falta, por exemplo, aos sites de relacionamentos pessoais hoje em dia). Com o argumento feito, inúmeros desenhistas se aventuravam para ilustrar suas desaventuras. Você já ouviou falar sobre a tal da poesia do cotidiano, o "vida besta, meu deus" do Drummond? Pois bem, essa tradução do corriqueiro em algo notável você encontra na American Splendor.
Capa da edição nº04 da American Splendor, de 1979, desenhada por Robert Crumb.
A própria esposa de Pekar, Joyce Brabner, também fez suas ilustrações. Vale lembrar que os dois se conheceram no ano de 1983, por conta da da revista American Splendor. O casamento, aliás, apareceu na American Splendor nº10, na história Harvey's Lactes Crapshoot: His Third Marriage to a Sweetie from Delaware and How His Substandard Dishwashing Strains Their Relationship. Companheiros até o fim da vida, foi Joyce quem, infelizmente, encontrou o corpo do marido, vencido após uma luta contra o linfoma que se prolongava desde 1990.
Joyce e Harvey nas filmages de "American Splendor" (2003)
Um dos últimos projetos de Pekar era um site no mesmo modelo da revista: artistas e mais artistas retratavam suas trajetórias rotineiras. Acesse
The Pekar Project e divirta-se muito! E para
A CORTIÇA não há muito espaço para lamentações. Afinal, como já dizia o Henfil: "
Morro, mas minha arte fica!"
Em português há pouquíssimas coisas de Pekar. Há uma edição da
Piratas do Tietê (do
Laerte) em que há algumas histórias. Mais recentemente, a Conrad Editora lançou
Bob & Harv - Dois Anti-Heróis Americanos, que conta com o prefácio do Laertón. Vale muito a pena correr atrás dessas edições em português.
Aos que falam a língua-mãe, ou seja, o inglês(!), eis alguns links para baixar algumas American Splendor. Enjoy it, bróda!
E não poderíamos nunca esquecer de falar do filme magistral sobre a vida de Harvey Pekar (narrado por ele mesmo). O nome? Óbvio: American Splendor. Filmado em 2003, o Círculo de Críticos de Filmes de Nova York considerou a obra como melhor filme de diretor estreante do ano, prêmio dado à dupla de diretores e roteiristas Robert Pulcini e Shari Springer Berman. No Brasil, o título ficou como Anti-Herói Americano. Quer ver? Então pegue aqui embaixo e divirta-se (é só clicar no nome)!
Os dados do arquivo acima são:
Tamanho: 700 MB / Idioma do Audio: Inglês / Legendas: Português-Br / Qualidade do Vídeo: DVD-Rip / Direção: Robert Pulcini & Shari Springer Berman / Ano de Lançamento: 2003 / Tempo de Duração: 94 minutos.
E seria uma completa desonra oferecer de bandeja esse filme sem acompanhá-lo de sua magistral trilha sonora (que contou com escolhas do próprio Pekar). O mais fino do jazz está aqui para você ouvir por longas horas (lendo sua American Splendor, óbvio). Clique no nome do disco e se prepare para o melhor!
Neste álbum você encontra maravilhas de Dizzy Gillespie, Lester Young & The Oscar Peterson Trio, R. Crumb & His Cheap Suit Serenaders, John Coltrane entre tantos outros. É deitar e rolar.
E a sua vida patética, como vai? Se você fosse escrever sobre ela, renderia uma obra de arte magistral ou um perfil no Facebook?...