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O almoço de Lula na Folha em 2002

Ricardo Kotscho, do Balaio do Kotscho

Alguns leitores pedem minha versão sobre o tal almoço do então candidato Lula no jornal Folha de S. Paulo, durante a campanha de 2002, que gerou tanta polêmica nos últimos dias.

Como eu estava lá, na condição de assessor de imprensa de Lula, mas já se passaram oito anos e minha memória não é das mais privilegiadas, vou mais uma vez recorrer ao meu livro “Do Golpe ao Planalto _ Uma vida de repórter”, da Companhia das Letras. O episódio está relatado à página 225:

O único problema mais sério que tivemos no relacionamento com a imprensa ao longo da campanha aconteceu por culpa minha. Lula já havia mantido encontros e participado de almoços com os dirigentes dos principais meios de comunicação, mas resistia a atender ao convite da Folha para o tradicional almoço com os diretores, editores e repórteres especiais.

Quase toda semana, “seu” Frias ou alguém a seu pedido repetia o convite, que eu voltava a levar a Lula. Este alegava que noutras ocasiões tinha ficado contratriado da maneira pouco cortês como fora tratado no jornal. Tanto insisti, que ele acabou me autorizando a marcar o almoço. Impôs, no entanto, que o número de participantrs fosse reduzido, para que pudesse conversar melhor com “seu” Frias.

Em razão de algum mal-estar ocorrido em almoços anteriores, dos quais não participei, o clima já não pareceu muito amigável desde o momento em que “seu” Frias recebeu Lula e José Alencar. Otavio Frias Filho ficou calado, enquanto Lula não parava de falar dos seus planos para o país e da importância de ter um vice como Alencar.

Assim que os comensais sentaram à mesa, Frias Filho disparou a primeira pergunta: se Lula se sentia em condições de governar o país, mesmo sem ter se preparado para isso, não sabendo nem falar inglês. O candidato fez uma expressão de incredulidade, olhou para mim como quem diz: “E eu tinha que ouvir isso?”, engoliu em seco e deu uma resposta até tranquila diante daquela situação constragedora.

Como se tivessem sido ensaiadas, as perguntas seguiram no mesmo tom hostil ao convidado, até que, já quase na hora em que seria servida a sobremesa, alguém quis saber como ele se sentia ao aceitar uma aliança com Paulo Maluf. O argumento era que, se o PL apoiava Maluf na eleição para governador de São Paulo, o candidato do PT a presidente também estaria se aliando ao político que mais combatera durante toda a história do partido.

Não havia, porém, nenhuma aliança em São Paulo entre o PP e o PT, que disputava a mesma eleição tendo como candidato o deputado federal José Genoino. Foi a gota d´água. Lula não respondeu; levantou-se, dirigiu-se a “seu” Frias e comunicou: “O senhor me desculpe, mas eu não posso mais ficar aqui. Vou embora. Não posso aceitar isso em nome da minha dignidade”.

Ficou todo mundo paralisado. “Seu” Frias levantou-se também. Antes de sair, Lula ainda disse a Otavinho, o único que permaneceu na sala: “Eu não tenho culpa se você está nervoso porque o teu candidato vai mal nas pesquisas”. Para ele, a Folha estava apoiando José Serra. Pegando no braço do candidato, “seu” Frias o acompanhou até o elevador e depois até o carro, no estacionamento, com os outros todos caminhando atrás. “Nunca tinha acontecido isso antes na nossa casa”, lamentou.

Como fiz com outras pessoas citadas no livro, mandei os originais com este trecho para Otávio Frias Filho. Caso discordasse da minha versão, poderia dar a dele que eu publicaria no livro. Por não ter recebido outra versão, entendi que ele estava de acordo.
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Era previsível que vida de Serra seria difícil

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

As condições de José Serra hoje são muito menos favoráveis que as de 2002 

Exceto pelas eleições em São Paulo, não existiam evidências de que o candidato tucano a presidente, José Serra, tivesse se transformado num grande líder nacional, num passe de mágicas, de 2002 para 2010. O PSDB tem tradição no Estado e consolidou uma hegemonia, construída sob um discurso conservador que não tem a mesma receptividade no resto do país. Oito anos de governo Lula, a perda de poder do aliado preferencial, o DEM, no Nordeste, a ausência do PMDB na coligação e o avanço petista nas áreas de eleitorado mais pobre e menos escolarizado levavam a crer, isto sim, que o PSDB teria chances mais reduzidas de se contrapor a uma candidatura apoiada pelo presidente-metalúrgico. 

Serra, paulista - nesse momento em que o voto nacional tende a ser exercido contra o Estado mais rico da Federação -, com carisma nulo e um partido desprovido de militância partidária, dificilmente teria condições de ter um desempenho melhor do que em 2002. Nas eleições em que disputou com Lula, teve 38,72% dos votos, contra 61,27% do petista, no segundo turno. No primeiro turno, obteve apenas 23,2% dos votos - o então candidato do PSB, Anthony Garotinho, quase um franco-atirador, conseguiu 17,87% dos votos; Ciro Gomes, então no PPS, chegou no final da disputa do primeiro turno com 11,97%.

Dilma não tem mais carisma que Serra, mas o fiador de sua candidatura, o presidente Lula, tem de sobra. O tucano não teria de onde tirar um padrinho como esse, nem se revirasse os muitos quadros políticos do PSDB e do ex-PFL. Quando tinha um fiador no governo, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, a situação já não foi boa. O candidato governista disputou o segundo lugar nas pesquisas, condição para ir ao segundo turno com Lula, durante todo o processo eleitoral que desaguou no primeiro turno. Ao final do pleito, havia feito grandes favores ao seu adversário: o escândalo Lunus é atribuído a pessoas ligadas a ele, e tirou da disputa Roseana Sarney (PFL), candidata que começava a decolar, o que levou ao rompimento com o partido de Jorge Bornhausen; e acabou com a candidatura de Ciro Gomes, que competiria em carisma com Lula e tinha menos resistências do eleitorado conservador do que o petista que perdeu as eleições em 1989, 1994 e 1998. 

Nas eleições que deram o primeiro mandato ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o candidato do PT começou a eleição na frente, nas pesquisas de opinião; foi o primeiro colocado na disputa no primeiro turno e ganhou no segundo turno. Em abril de 2002, quando a eleição engatinhava, Lula tinha 35% das preferências e Serra, 18%, na pesquisa do Ibope. Em agosto, depois do início do horário eleitoral de rádio e televisão, o candidato Ciro Gomes, então no PPS, já havia saltado dos 11% que tinha em abril para 26%, assumindo o segundo lugar na disputa. Serra baixou de 18% para 11%, empatando com o candidato Anthony Garotinho, então no PSB, que tinha 10% (chegou a 17% em abril). 

Garotinho, no Rio, e Ciro, no eleitorado nordestino, tiraram a vitória em primeiro turno de Lula. No segundo turno, com os dois aliados a Lula, Serra apenas teve mais votos que o PT em Alagoas. 

O tucano conseguiu esse resultado em condições muito mais favoráveis que as de hoje: tinha maior tempo de televisão que Lula e mais dinheiro para fazer campanha. Competia com um adversário cujo partido era estigmatizado como esquerdista. Teve a seu favor uma crise econômica criada por bolhas especulativas em torno do "Risco Lula", a cada pesquisa em que o petista subia. Nem as ondas de pânico criadas pelo ataque financeiro reverteram em favor de Serra.

Para ir para o segundo turno em 2002, o tucano centrou sua estratégia de marketing na destruição da imagem de Ciro. Era, ao menos, uma estratégia eleitoral. Nessas eleições, tem oscilado entre a excessiva condescendência com Lula e um discurso agressivo destinado a um governo que é comandado por Lula. Em relação à candidata Dilma Rousseff (PT), vai da acusação de que ela será manietada por Lula à afirmação de que ela é autoritária, duas declarações que não combinam.

O marketing político parece estar funcionando às avessas. Lula, que era dono de uma grande rejeição antes de sua primeira eleição, em 2002, manteve esse índice no nível dos 30%. Entre a penúltima pesquisa CNT-Sensus, colhida entre o dia 31 de julho e 1 de agosto, e a última, feita entre 20 e 22 de agosto, a rejeição a Serra subiu 10 pontos, atingindo 40,7%. Em agosto de 2002, a avaliação do governo de Fernando Henrique Cardoso, aliado de Serra, era considerada positiva por 27,6% pela mesma pesquisa. Agora, a avaliação do positiva do governo Lula, adversário de Serra, pelo mesmo CNT Sensus, chega a 77,5%. O índice de aprovação do presidente FHC, há exatos oito anos, era de 37,3%; a de Lula, hoje, é de 80,5%. 

Isso quer dizer que Serra tem contra ele, nessas eleições, ele próprio, na figura do muro de rejeição que se levantou ao seu redor, e o presidente Lula, com uma popularidade que o padrinho de Serra em 2002, FHC, jamais passou perto.

A transferência de votos, de Lula para Dilma, tem acontecido de forma natural. O presidente está sendo bem-sucedido ao ligar o seu nome ao de sua candidata. Serra não teve isso em 2002. Assim como agora, os quadros do PSDB, quando a derrota se aproximou, trataram de salvar a si próprios. O Serra de hoje é um candidato solitário. Assim como em 2002.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
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