A Globo tem que passar pelo mesmo processo imposto ao Clarín

A Globo é altamente rejeitada pela sociedade

Os leitores do Diário do Centro do Mundo costumam ser excepcionalmente indulgentes com Lula e Dilma.

Uma vez critiquei as palestras de Lula – um dos mais nomes mais caros do circuito mundial de seminários – e os leitores correram maciçamente em sua defesa.

(A mim incomoda que ex-presidentes, capturados por gananciosos agentes, façam fortunas fáceis com palestras em que ganham numa hora o que ganhavam num mandato. No Brasil, a prática foi inaugurada por FHC e, pelo menos nisso, Lula seguiu-o fielmente.)

Pelo histórico de simpatia irrestrita por Lula no âmbito dos leitores do DCM, chama a atenção o resultado de uma enquete em que lhes foi perguntado por que, na opinião deles, a Argentina tem sua Lei de Mídia e o Brasil não.

Eram duas alternativas postas aos leitores. Uma era que as circunstâncias entre os países eram diferentes. Cristina Kirchner, por exemplo, tem maioria no Congresso.

A segunda alternativa era que Kirchner é mais combativa do que Lula e Dilma. A expressão utilizada na enquete foi mais crua, na realidade. Kirchner tem mais cojones, esta a hipótese levantada.

Para minha surpresa, quase 70% dos leitores optaram pelos cojones de Cristina Kirchner.

Como interpretar?

Primeiro, é verdade, é preciso considerar que os leitores foram ouvidos pouco depois da aprovação pela Suprema Corte da Argentina da lei. Havia, então, uma vaga de entusiasmo no ar que se iniciou na Argentina e logo chegou aos progressistas brasileiros.

Mas, depois, e acima de tudo, estava sendo extravasada uma mensagem, ou um desabafo: “Vamos acelerar as reformas vitais para o avanço social. Chega de acomodação. Algum confronto é necessário para quebrar velhos privilégios.”

Compare.

Qualquer que seja, no futuro, o legado do kirchnerismo, Cristina prestou um serviço extraordinário à sociedade argentina ao vencer epicamente o Clarín para forçar a quebra de um monopólio que é negação da democracia em algo que não pode ser tratado como um sabonete: a informação.

Na batida tese falaciosa da direita, Cristina Kirchner cometeu um crime, aspas, contra a liberdade de expressão. É o que a mídia corporativa no Brasil diz quando o assunto vem à cena.

Para usar a grande frase de Wellington, quem acredita nisso acredita em tudo. O Clarín poderá continuar a escrever tudo o que quiser. Apenas não terá o monopólio da voz.

Quem ganha não é o governo Kirchner. É a democracia. É a sociedade. São os argentinos, enfim.

No Brasil, uma corrente do público grita por uma lei que regule a mídia brasileira e quebra o monopólio de umas poucas famílias. Isso pode se ver nos cartazes que, nos protestos, manifestam repulsa ao símbolo máximo desse monopólio no Brasil, a Globo. Foi dentro desse mesmo quadro que black blocs gritaram umas verdades à revista Veja na sede da Editora Abril, em São Paulo.

Alguma luz para o Brasil? Por enquanto, acreditar numa Lei de Mídia brasileira parece, infelizmente, um triunfo da esperança.

Ainda nesta semana, numa entrevista ao jornal Zero Hora, a própria Dilma falou em mídia com os habituais truísmos sobre a importância da livre opinião. Um momento: todos prezamos a livre opinião. Apenas não queremos que a livre opinião pertença a três ou quatro famílias.

É isso que tem que ficar claro nesse debate. Para quem tem alguma dúvida sobre o perigo do monopólio da voz, é só lembrar 1954 e 1964.

A posteridade haverá de cobrar – justificadamente — o PT se, em sua gestão, o partido não se inspirar, em algum momento, nos cojones de Cristina Kirchner.

Paulo Nogueira
No DCM
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MERVAL PEREIRA INVESTE CONTRA JOSÉ SERRA - CHUTANDO O PAU DA BARRACA DIZ QUE ELE É QUEM SOFRE DE BOVARISMO

ERAM AMIGOS...


O jornalista Merval Pereira em sua coluna de O Globo no dia de hoje (12/11) investe contra o pretendente a candidato" pelo PSDB nas eleições presidenciais de 2014, José Serra. Numa análise que se mostra "apaixonada", e deixa escapar o quanto tem de ligação com os tucanos e se incomoda com as 'trapalhadas' que a oposição comete, Merval Pereira se comporta muito mais como um membro partidário do que como jornalista que analisa situação política. Fica evidente que Merval não aceita a postura de José Serra de se manter como opção dos tucanos, se contrapondo a tendência majoritária do PSDB em ter Aécio Neves como o candidato do partido. O artigo de Merval Pereira é ainda, pela sua ligação unha e carne com os tucanos e por ser reconhecido como braço do partido na MÍDIA, um FORTÍSSIMO sinal do tamanho da fragilidade do PSDB, que se encontra dividido. Assim como Aécio ignorou de fato a José Serra em eleições anteriores, Serra dá mostras de que, ele e seu grupo paulista farão o mesmo agora em relação a Aécio. 

Os TUCANOS estão divididos, e MERVAL PEREIRA inconformado com isso. 
REPRODUÇÃO DO ARTIGO
CHOQUE DE REALIDADE
Enviado por Ricardo Noblat - 
12.11.2013
| 8h00m
POLÍTICA
Merval Pereira, O Globo
Na mesma semana em que o PT dá mais uma demonstração de unidade, reelegendo com larga margem o deputado Rui Falcão, candidato de Lula e Dilma, para sua presidência nacional, o PSDB repete comportamento autodestrutivo, exibindo suas divergências ao respeitável público a menos de um ano da eleição presidencial que pode ser a mais difícil para os petistas, mas que os tucanos teimam em facilitar para o adversário.
Não é que os petistas tenham escondido suas divergências, ao contrário. Há muito tempo o governo Dilma não era tão criticado pelas diversas correntes em que se divide o partido.
E houve até mesmo quem defendesse o fim da aliança com o PMDB, o maior trunfo que o governo Dilma tem no momento para tentar a reeleição. Os críticos, no entanto, a partir deste fim de semana, terão que se recolher à sua insignificância, pois a maioria se pronunciou.
O ex-governador José Serra, obcecado com uma candidatura à Presidência da República, que já tentou duas vezes sem sucesso, exibe a frustração pessoal de não poder tentar uma terceira vez, fazendo críticas públicas à legenda que ajudou a fundar.
Todos sabem, até mesmo Serra, que a maioria do PSDB considera que em 2014 a vez é do ex-governador mineiro Aécio Neves. Ao decidir permanecer no PSDB, em vez de se jogar em uma aventureira candidatura à presidência pelo PPS, tudo indicava que o ex-governador aceitara a realidade política que tem pela frente: encerrar sua carreira como deputado federal ou senador, mantendo o prestígio dentro do partido.
Ia tudo dentro do script combinado com as lideranças tucanas, entre elas, a maior de todas, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que já lhe dissera em particular o que declarou em recente entrevista: Serra tem que dar um tempo, a vez é de Aécio.
O próprio Aécio saiu em sua defesa, dizendo que ele tem todo o direito de sair pelo país fazendo palestras, e que sua imagem nacional só ajudaria o PSDB.
Mas, na última semana, a receita desandou. Em uma palestra para a juventude do PSDB, Serra simplesmente chutou o pau da barraca. Disse que o PSDB “tem necessidade de ser aceito pelo PT”.
E deu uma explicação psicológica adaptada às circunstâncias: “(...) o problema da Madame Bovary é querer ser aceita pelo outro lado. Ela vai à loucura, quebra a família e trai o marido com Deus e todo mundo para ser aceita. O PSDB tem um pouco do bovarismo”.
Serra tem até certa razão, e basta lembrar que nem ele nem Geraldo Alckmin usaram as conquistas do PSDB para se opor ao PT quando foram candidatos à Presidência, até mesmo escondendo o ex-presidente FH. Alckmin com aquele ridículo colete cheio de logos de empresas estatais é uma imagem inesquecível.
Mas, mesmo se a definição correta de bovarismo fosse a dada, a comparação não ficaria bem para ele. Afinal, quem foi que iniciou a campanha presidencial de 2010 querendo fazer-se passar por amigo de Lula, pensando em receber os votos petistas descontentes com a candidatura de Dilma?
Após usar o nome do ex-presidente em jingle na propaganda eleitoral (“Quando o Lula da Silva sair, é o Zé que eu quero lá”), sua campanha exibiu imagens em que Serra e Lula se abraçam.
Mas bovarismo, no sentido mais amplo que o psicólogo Jules de Gaultier deu em 1892, não é a tentativa de ser aceito pelo outro, ou pelo menos não é só isso. Na verdade, o bovarismo passou a designar fenômeno psíquico produzido pelo choque entre as aspirações de uma pessoa e a realidade que está acima de suas possibilidades.
É justamente o que ocorre hoje com Serra, político de inegáveis qualidades, que tem todo o direito de querer ser presidente, mas não aceita a realidade que o impede de atingir o objetivo.
O psiquiatra Joel Birman identifica na irritabilidade de Serra sintoma desse mal-estar provocado pela impossibilidade de realizar sonho que acalenta desde a juventude.
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Há oito anos se enterrava a Alca

Por Atílio Borón, no sítio da Adital:
Para recordar: há exatamente oito anos, no dia 4 de novembro de 2005, enterrava-se em Mar del Plata o mais ambicioso projeto dos Estados Unidos para a América Latina e Caribe: a criação da Alca, o Acordo de Livre Comércio das Américas. Foi uma batalha decisiva livrada no marco da IV Cúpula de Presidentes das Américas, na qual havia uma ausência que brilhava: Cuba; porém, que falava através da voz de Hugo Chávez.

Apesar de que não estava na Agenda de Presidentes discutir sobre a Alca, os Estados Unidos, com a ajuda de seu sócio peão, Canadá, tentou impor o tema e conseguir um foto positivo na Cúpula que abrisse de par em par as portas ao projeto imperialista. Este, propunha instaurar a mais irrestrita liberalização comercial sob a forma de um tratado global de livre comércio que, como vimos na experiência prática de países como o México (a economia com maior período de vigência do TLC), a Colômbia, o Peru e o Chile somente aprofundariam os laços de dependência, a vulnerabilidade externa, a estrangeirização das economias, a polarização social e o saqueio dos bens comuns da região. Nas palavras de Eduardo Galeano, o livre câmbio cristaliza a divisão internacional do trabalho, na qual algumas economias se especializam em ganhar; e, outras, em perder. Essa era a proposta da Alca e isso foi o que a derrotou em Mar del Plata.

Ao fazer o discurso de abertura das sessões da Cúpula, Néstor Kirchner pronunciou-se contra a pretensão de incorporar o tratamento da Alca nas deliberações dos presidentes, o que provocou a insistência do Canadá, acompanhado pelo governo conservador mexicano, presidido por Vicente Fox, pelo governo do Panamá (Martín Torrijos, para eterna traição ao legado de seu pai, Omar Torrijos, que recuperou o Canal do Panamá das mãos dos estadunidenses); e, sibilinamente, pelo presidente do Chile, Ricardo Lagos. Porém, as intervenções posteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, Tabaré Vázquez e, sobretudo, de Hugo Chávez, liquidaram definitivamente esse projeto e na Declaração Final ficou claro que não havia acordo sobre o tema e que, portanto, ficava transferido indefinidamente.

A de Mar del Plata foi uma batalha extraordinária, cuja importância muitos todavia não acabam de avaliar porque se negam a reconhecer a importância crucial da luta anti-imperialista em Nossa América. O estrategista desse combate foi Fidel Castro, o grande marechal de campo foi Chávez, contando com a importantíssima colaboração de Néstor Kirchner e de Lula. Muito difícil para estes, por diferentes razões. Para Kirchner porque era o anfitrião da Cúpula e tinha que isolar Bush e o fez; e para Lula, porque dentro de seu governo havia setores - e ainda há, no governo de Dilma! - que favoreciam esse projeto.

A batalha que esses três livraram dentro da Cúpula foi facilitada pela extraordinária mobilização popular, que aconteceu em Mar del Plata, produto da eficácia da campanha continental "Não a Alca” e do generalizado repúdio que suscitava a figura de George W. Bush, verdugo do Iraque e do Afeganistão, e, tal como denunciou Noam Chomsky, um dos mais sanguinários criminosos de guerra dos últimos tempos. A "Contracúpula”, que acontecia fora do recinto onde se reuniam os presidentes, foi um fator de enorme importância para frear a iniciativa norte-americana e para persuadir aos governantes que manifestavam dúvidas ou estavam inclinados a aceitar as ordens do império: aprovar a Alca.
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Mídia: Faces diversas do mesmo desafio

Por Juarez Guimarães e Venício A. de Lima, no Observatório da Imprensa:

Há seguras e convincentes razões para que a universidade brasileira reflita, discuta e pesquise o que é a liberdade de expressão e os modos de criá-la, garanti-la e promovê-la nas sociedades democráticas.

Há hoje, nos planos internacional e nacional, um largo dissenso sobre se o Estado deve estabelecer regulações sobre a propriedade e os modos de funcionamento dos meios de comunicação de massa, sobre os limites e sentidos da atuação do Estado neste campo tão decisivo para a democracia. Este dissenso democrático em geral se apoia sobre diferentes tradições de entendimento do que vem a ser a liberdade de expressão.

 A opção por dogmatizar o conceito de liberdade de expressão, de afirmá-lo de modo unidirecional e fundamentalista, de naturalizá-lo de forma antipluralista revela um contrassenso absurdo. Por esta dogmática discutir a liberdade de expressão seria desde já ameaçá-la, colocá-la em risco. Como se a liberdade de expressão pudesse negar a expressão da liberdade... em discuti-la.

Pelo contrário, o debate acadêmico e público sobre a liberdade de expressão só pode alentar, esclarecer e desenvolver as teorias da democracia. Se o direito ao voto universal – sem exclusões de gênero, de renda ou de escolaridade – marcou toda uma época histórica de construção da democracia, o direito à voz pública, de falar e ser ouvido, para todos os cidadãos e cidadãs parece estar no centro dos impasses e desafios das democracias contemporâneas.

Este livro, fruto do 1º Colóquio “Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio”, realizado na UFMG em março de 2013, constrói-se a partir da visão de que a relação entre política e comunicação na Modernidade se organiza na ordem dos fundamentos. É insuficiente pensá-las através de uma relação interdisciplinar entre duas áreas de estudo que contém zonas de confluência. Não se trata, pois, de pensar as relações entre política e comunicação, mas do desafio de constituir um campo de pensamentos no qual a própria política e a comunicação mútua e geneticamente se constituem em seus conceitos fundamentais.

Política e comunicação são dimensões que não podem ser analiticamente isoladas sem se perder a compreensão do próprio objeto que se investiga. Este princípio organizador deste livro – o da relação fundante e incontornável entre política e comunicação – não pode e não deve ser banalizado.

Há quatro razões que nutrem a absoluta atualidade deste princípio para o qual este livro se propõe a contribuir através de uma pauta ampla e permanente de pesquisas e reflexões.

A primeira está na ordem de uma falta nuclear que deriva da separação disciplinar e departamental, na teoria e na pesquisa, entre as áreas da comunicação e da política. Existe já, no plano internacional e nacional, um rico acúmulo de estudos teóricos e empíricos interdisciplinares entre comunicação e política. Mas pode-se fazer um diagnóstico seguro de que a maior parte das teorias democráticas e das teorias da comunicação contemporâneas não pensa, em seus fundamentos, as condições comunicativas democráticas de sua prática política nem as condições públicas democráticas de seu exercício comunicativo.

Neste campo de pensamentos que se busca construir, o diagnóstico desta falta é, em si mesmo, uma denúncia. Toda teoria que se pretende democrática, mas que não pensa as dimensões públicas da liberdade de expressão, as relações instituintes entre a constituição da cidadania e o direito à voz pública, esbarrará em impasses ou antinomias centrais. Toda teoria da comunicação que despolitiza o seu objeto, negando ou marginalizando as fundações políticas da comunicação que se faz em sociedade, está na verdade optando por conceber a liberdade de expressão como um direito que se privatiza ou que se realiza na ordem do privado, em geral mercantil.

Sociedades centradas na mídia e em mutação
A segunda razão que conspira contra a banalização do princípio que organiza este livro – a gênese mutuamente configuradora entre política e comunicação social – é a do diagnóstico que vivemos cada vez mais em sociedades centradas na mídia e em processo dinâmico de mutação.

A mídia ocupa uma posição de centralidade nas sociedades contemporâneas, permeando diferentes processos e esferas da atividade humana, em particular a esfera da política.

A noção de centralidade tem sido aplicada nas ciências sociais igualmente a pessoas, instituições e ideias-valores. Ela implica na existência de seu oposto, vale dizer, o periférico, o marginal, o excluído, mas, ao mesmo tempo, admite gradações de proximidade e afastamento. Pessoas, instituições e ideias-valores podem ser mais ou menos centrais.

Um pressuposto para se falar na centralidade da grande mídia (sobretudo a eletrônica) nas sociedades é a existência de um sistema nacional (network) consolidado de telecomunicações. A maioria das sociedades urbanas contemporâneas pode ser considerada como “centrada na mídia” (media centric), uma vez que a construção do conhecimento público que possibilita a cada um de seus membros a tomada cotidiana de decisões nas diferentes esferas da atividade humana não seria possível sem ela.

Um bom exemplo dessa centralidade é o papel crescente da mídia no processo de socialização e, em particular, na socialização política. A socialização é um processo contínuo que vai da infância à velhice e é através dele que o indivíduo internaliza a cultura de seu grupo e interioriza as normas sociais. Uma comparação da importância histórica de diferentes instituições sociais no processo de socialização revelará que a família, as igrejas, a escola e os grupos de amigos vêm crescentemente perdendo espaço para a mídia que se transformou no “educador coletivo” onipresente.

Todavia, o papel mais importante que a mídia desempenha decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana – das etnias (branco/negro), dos gêneros (masculino/feminino), das gerações (novo/velho), da estética (feio/bonito) etc. – e, em particular, da política e dos políticos. É, sobretudo, através da mídia – em sua centralidade – que a política é construída simbolicamente, adquire um significado. [As representações da realidade feitas pela mídia compõem os diferentes Cenários de Representação (CR) que constituem a hegemonia nas sociedades media centric. Sobre o conceito de CR ver Lima (2004) e, especificamente sobre o Cenário de Representação da Política (CR-P), ver Lima (2012).]

A política nos regimes democráticos é (ou deveria ser) uma atividade eminentemente pública e visível. É a mídia – e somente ela – que tem o poder de definir o que é público no mundo contemporâneo.

Na verdade, a própria ideia do que constitui um “evento público” se transforma a partir da existência da mídia. Antes de seu desenvolvimento, um “evento público” implicava em compartilhamento de um lugar (espaço) comum; copresença; visão, audição, aparência visual, palavra falada; diálogo. Depois do desenvolvimento da mídia, um evento para ser “evento público” não está limitado à partilha de um lugar comum. O “público” pode estar distante no tempo e no espaço. Dessa forma, a mídia suplementa a forma tradicional de constituição do “público”, mas também a estende, transforma e substitui.

Essa nova situação provoca consequências imediatas tanto para quem deseja ser político profissional quanto para a prática da política. Isso porque a visibilidade tem que ser disputada: (a) os atores políticos têm que disputar visibilidade na mídia; e (b) os diferentes campos políticos têm que disputar visibilidade favorável de seu ponto de vista.

Assim, a interação constitutiva entre mídia e política processa-se em todas as fases do processo democrático: na construção da agenda, através do filtro das informações publicadas, do modo de editá-las, da seleção e ênfase das opiniões, na visibilidade e dramatização de temas selecionados; na ponderação e presença dos próprios atores políticos, através da superexposição de porta-vozes ou do silenciamento de outros, na apresentação positiva ou negativa com que são noticiados, influindo assim no próprio pluralismo e assimetrias do processo político de participação e competição política; no grau de exposição e crítica dos governos e de suas políticas, contribuindo decisivamente para a formação dos juízos públicos.

Mais ainda, a relação entre a política e as grandes empresas de comunicação em geral não é de exterioridade, mas de compenetração, organicidade e até simbiose, conformando redes doutrinárias e de interesses entre o sistema político e o sistema de mídia. Assim fenômenos de partidarização, parcialidade, estreitamento de pluralismo ou até censura sistemática a informações e opiniões antagonistas não parecem ser fenômenos extraordinários e sim recorrentes e típicos.

Mas a relação entre política e comunicação é certamente de mão dupla. As políticas de Estado historicamente definem padrões institucionais singulares, conformando sistemas de comunicação predominantes públicos ou privados mercantis, incentivando ou limitando a concentração de propriedade, concentrando ou distribuindo verbas de publicidade, regulando ou desregulando o exercício da comunicação. Estados de origem colonial, periféricos ou dependentes, que sofrem de um déficit de soberania, podem sofrer de um processo sistemático de colonização midiática. Na medida em que os sistemas de comunicação operam com massas enormes de recursos, de tecnologias em grande escala, esta dependência das políticas e orçamentos públicos é cada vez maior. Além disso, diferenciações estruturais de acesso à renda ou à educação, aos direitos de gênero e étnicos, condicionam fortemente o direito à voz pública cidadã, de falar e ser ouvido.

Esta relação simbiótica entre política e comunicação nas sociedades modernas precisa ser necessariamente historicizada e singularizada em contextos. E, à medida que o campo das comunicações passa por mudanças estruturais na contemporaneidade e se alteram radicalmente as próprias bases de sua operação, seria necessário diferenciar o que poderíamos chamar de “grande mídia” e de “nova mídia”.

A expressão grande mídia – mídia plural latino de medium – pode ser entendida como o conjunto das instituições que utiliza tecnologias específicas para “intermediar” a comunicação humana. Vale dizer que a grande mídia implica sempre na existência de uma instituição e de um aparato tecnológico para que a comunicação se realize. Esse é um tipo específico de comunicação, realizado através de instituições que aparecem tardiamente na história da humanidade e constituem-se em um dos importantes símbolos da modernidade. Duas características da comunicação da grande mídia são a sua unidirecionalidade e a produção centralizada, integrada e padronizada de seus conteúdos.

Já a expressão nova mídia serve para designar qualquer forma de comunicação realizada através da rede mundial de computadores, isto é, da internet. Ao contrário da grande mídia, a nova mídia possibilita a interação on line entre emissor e receptor através de computadores pessoais fixos e/ou móveis (celulares, laptops, notebooks etc.). [Essas definições, por óbvio, constituem uma simplificação. A grande mídia digitalizada também oferece, tecnicamente, a possibilidade de interação.]

Compreender em contextos singulares as formas de interação, de transição entre a grande mídia e a nova mídia é certamente um dos desafios centrais para quem assume como princípio analítico fundante a relação entre política e comunicação. É este mesmo princípio que pode permitir compreender estes macro processos de mudança a partir da interação entre seus condicionantes institucionais, as posições estruturais de propriedade econômica e de formas novas de organização e interação social, fugindo a prognósticos impressionistas que conferem às novas tecnologias o poder unidimensional de moldar futuros.

Filosofia política e regulação do pluralismo conceitual
Uma terceira razão que confere alta complexidade ao desafio de pensar as relações fundantes entre política e comunicação na Modernidade diz respeito ao largo dissenso conceitual, à polissemia de sentidos, à cristalização de linguagens alternativas e, inversamente, ao deslizamento sincrético de significados que caracteriza o campo de estudos das relações entre comunicação e política. Esta situação particularmente babélica não diz respeito apenas à crise de paradigmas das ciências sociais contemporâneas ou mesmo ao dissenso contemporâneo do estado da arte das teorias democráticas, mas é próprio de estudos interdisciplinares que combinam códigos discursivos variados sem o recurso a formas sistemáticas de regulação.

A grande opção teórica e de pesquisa inscrita neste livro é de convocar a filosofia política, em seu largo pluralismo de tradições, para regular este dissenso conceitual e para estabelecer campos comuns de sentido.

Os recursos da filosofia política – a sua disposição a abarcar largas temporalidades e construir conceitos unitários para além da rigidez das diversas disciplinas que foram separando e especializando o conhecimento das sociedades, a sua ambição de rigor e, ao mesmo tempo, seu método dialógico, a sua resistência ao fechamento de sentidos e a sua tradição antidogmática – são imprescindíveis para se fundar um campo de pensamento que unifique política e comunicação.

Estes recursos são particularmente decisivos para investigar e superar o impasse dialógico muito frequente nas democracias ocidentais sobre o que é liberdade de expressão e como ela deve ser regulada em uma sociedade democrática. Na verdade, são as diferentes tradições conceituais do que é liberdade construída pelas linguagens formadoras da Modernidade que esclarecem os contrastantes discursos públicos em defesa da liberdade de expressão.

Assim, neste livro comparecem pensamentos republicanos, liberais cívicos, pragmáticos críticos, socialistas democráticos, democráticos deliberacionistas dispostos a compartilhar, com seus pluralismos, um campo comum de reflexões e pesquisas.

Uma abordagem praxiológica
E, finalmente, a quarta razão que nutre o princípio organizador deste livro é reunir reflexões de teoria com a pesquisa sistemática sobre a história e a contemporaneidade dos desafios vinculados à construção da liberdade de expressão no Brasil. O diálogo entre este duplo trabalho permitirá enriquecer mutuamente a construção de conceitos universais e a singularidade da experiência inacabada de construção republicana do Brasil.

A longa história colonial e a fundação de um Estado nacional autocrático, assentado na escravidão, na cultura patriarcal e nos privilégios patrimonialistas, tornou central ao longo de nossa formação a “cultura do silêncio” ao invés da participação ativa dos cidadãos em uma opinião pública democrática.

Até relativamente pouco tempo, o Brasil não dispunha de uma mídia de alcance nacional. Embora a imprensa (jornais e revistas) exista entre nós desde o século XIX e o cinema e o rádio desde a primeira metade do século XX, por peculiaridades geográficas e históricas só se pode falar em uma mídia nacional a partir do surgimento das redes (networks) de televisão, e isto já no início da década de 1970, portanto, há cerca de 40 anos. O fato de um moderno sistema de telecomunicações ter se constituído exatamente em período de ditadura militar e organicamente vinculado a seus interesses políticos e econômicos só evidencia o quanto o regime de sua propriedade, sua concentração e sua regulação careceram na origem de um ethos democrático básico.

Esta contradição entre a formação de um sistema de comunicações moderno consolidado na ditadura e as condições básicas da formação de uma opinião pública democrática foi transmitida para a contemporaneidade brasileira sob a forma de um impasse constitucional. Se a Constituição Federal fundamenta princípios democráticos de relação entre mídia e democracia, tem até agora prevalecido a resistência, formada pelos interesses empresariais na comunicação e seus lobbies políticos, a qualquer regulação democrática e pluralista do setor.

Assim, o impasse dialógico sobre a liberdade de expressão se expressa na democracia brasileira contemporânea sob a forma de um impasse constitucional, que condiciona fortemente toda a práxis democrática. Por este caminho, se a práxis democrática brasileira for incapaz de pensar os fundamentos da comunicação democrática entre os cidadãos ela está perdendo a autoconsciência sobre seus impasses fundamentais.

É para este caminho, democrático e pluralista, informado e dialógico, que este livro busca, nas suas limitações, contribuir.

Referências
- Lima, Venício A. de (2004). “Os ‘Cenários de Representação’ e a política”. In: RUBIM, A. A. Canelas. (org.). Comunicação e Política: Conceitos e Abordagens. Salvador/São Paulo: UFBA/UNESP, p. 9-40.

- Lima, Venício A. de (2012). “Cenário de Representação da Política (CR-P): um conceito e duas hipóteses sobre a relação da mídia com a política” in idem, Mídia: Teoria e Política. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª edição; 2ª. reimpressão; p. 179-216.

* Juarez Guimarães é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG e co-autor com Ana Paola Amorim de A Corrupção da Opinião Pública – Uma defesa republicana da liberdade de expressão, Boitempo, 2013, entre outros livros. Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio, Paulus, 2013, entre outros livros.

** Introdução de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio, de Venício A. de Lima e Juarez Guimarães (orgs.), 200 pp., Editora Paulus, 2013; R$ 25; título original “Política e comunicação se constituem mútua e geneticamente”.
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"Por que o senhor atirou em mim?"

Do sítio Vermelho:

Diversas organizações do movimento negro promovem, na quarta-feira (13), às 18 horas, o ato “Por que o senhor atirou em mim?” contra o genocídio da juventude negra. A frase foi a última dita por Douglas Rodrigues, um jovem de 17 anos morto pelo policial militar Luciano Pires, de 31 anos, na Vila Medeiros, zona norte de São Paulo, na tarde de domingo (27/10), com uma bala no peito.

Travestida de acidente, a violência policial é dirigida. Tem cor e endereço, assim como Douglas, são jovens negros e de periferias. Em 2010, 49.932 pessoas foram vítimas de homicídio no Brasil. Destas, 70,6% eram negras. Só na cidade de São Paulo, 624 jovens foram vítimas de homicídio em 2011, sendo 57% formada por negros.

O ato tem concentração às 18 horas em frente da Escola Estadual Professor Victor dos Santos Cunha, na Rua João Simão de Castro, 280, na Vila Sabrina.

"Parece que em São Paulo, ser pobre, negro e morador de periferia é crime punido com pena de morte. Mas, o Brasil não tem pena de morte e mesmo assim só a PM de SP mata mais do que a dos EUA", diz um trecho do texto da convocação da atividade que questiona: "A Polícia Militar obedece a um comando, que obedece a um Secretário que é subordinado a um Governador. Quem vai responder por tantos mortos?"

Entre as organizações presentes no evento estão: Unegro, Mães de Maio, Uneafro Brasil,
Articulação Política das Juventudes Negras, Levante Popular da Juventude, Coletivo Arrua, Bocada Forte Hip Hop, entre outros.

Desmilitarização
Uma das propostas defendidas durante o ato será a desmilitarização da Polícia Militar, cujos integrantes atualmente não respondem como civis. Se cometem crimes, eles são submetidos a um tribunal especial, o Tribunal Militar. De acordo com dados divulgados na página da campanha de mesmo nome - "Campanha Por que o senhor atirou em mim?" -, os próprios policiais concordam: 70% dos soldados, cabos, sargentos e subtenentes da Polícia Militar são a favor da desmilitarização. Entre os oficiais, 54% são a favor de transformações do modelo atual.
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