O protesto ganhou as ruas de várias grandes cidades nos últimos meses. A primavera árabe da Praça Tahrir não se limitou ao Egito. Parece não ter data para terminar. Ecoa no Chile e em Israel, depois de ter dado o ar da graça na Espanha e em Londres, onde as manifestações permanecem. Há acampados em Tel-Aviv, fato que talvez surpreenda muita gente. Por todo lado, impulsionadas por redes sociais e pela dureza da vida, pessoas mostram-se cada vez mais disponíveis para ir às ruas protestar.
Os protestos são de excluídos, mas não necessariamente de pobres. A classe média empobrecida ou insatisfeita parece prevalecer. São seus filhos (e no caso do Chile também os pais de seus filhos) que dão o tom nas manifestações em muitos lugares. Há evidentemente o protesto dos habitantes das periferias, dos imigrantes, dos desempregados e humilhados, daqueles que são vítimas da truculência policial. Mas o eixo parece estar nas classes médias, ou seja, nesse vasto e impreciso contingente social que perdeu mais que ganhou nas últimas décadas de globalização capitalista. Que viu seus sonhos dourados (a casa própria, o emprego estável, a possibilidade de consumo, o status) serem comidos, inviabilizados ou dificultados, que olha para frente e se depara com um cenário enfumaçado, no qual mal se pode vislumbrar um futuro.
É tão visível o protagonismo das classes médias que muitos se apressam em vê-las como o novo sujeito histórico, aquele em que se depositam as esperanças de transformação.
Mas a nossa é uma época bem mais complicada. De sujeitos menos transparentes, mais fluidos e "descorporificados", que fazem política de formas surpreendentes e dissimuladas, quase à margem dos sistemas políticos. Não há mais, a rigor, burgueses e proletários, ao menos no sentido de que possam mover as rodas da história. Essa classes históricas, estruturais, parecem hoje reminiscências de uma época mais simples. O lugar por elas antes ocupado é agora do grande capital global e das "multidões, o primeiro composto por uma união informal dos mais ricos e as segundas, derivadas de um compósito de grupos e classes sem perfil muito bem definido mas que caminham na mesma direção porque se sentem igualmente prejudicados.
Essa é mais ou menos a essência da ótima entrevista dada à jornalista Carolina Rossetti pela socióloga holandesa Saskia Sassen (professora da Columbia University, em Nova York), ao Caderno Aliás do Estadão deste domingo, 14/08. O link para ela está aqui.
É uma leitura que nos ajuda a pensar e a entender que há mais do que crise financeira no ar. Não se trata de análise para ser aceita por todos como inquestionável, mas de uma prova de que o olhar crítico é o único recurso de que dispomos para acumular reservas com que interpretar o mundo.