Lei da Mídia não unifica as esquerdas

Por Najla Passos, no sítio Carta Maior:

A audiência pública sobre o projeto de iniciativa popular da Lei da Mídia Democrática, realizada na terça passada (12), na Câmara, acabou se transformando em uma discussão política e ideológica sobre as diferentes visões da esquerda sobre a comunicação. E demonstrou a voracidade com que se dará, nas eleições 2014, o debate no campo progressista sobre as reformas estruturantes necessárias à consolidação da democracia brasileira.

Enquanto os deputados do PT, PCdoB, PDT, PSB buscaram as convergências que os unem na defesa do projeto, o PSOL fez duras críticas aos governos Lula/Dilma e explicitou diferenças ideológicas que dividem os principais partidos de esquerda que estão na situação e na oposição.

O evento, organizado em conjunto pelas comissões de Educação, Cultura e Ciência e Tecnologia, convidou a representante do Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, Sônia Corrêa, e a presidente do Fórum Nacional de Democratização da Mídia (FNDC), Rosane Bertotti, que apresentaram o projeto da Lei da Mídia Democrática aos deputados e representantes da sociedade civil. E lotou o plenário da casa com parlamentares, militantes da causa e estudantes, muitos deles os mesmos que ganharam as ruas, em junho, para protestar, entre outras coisas, contra a mídia.

Presidente da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão, a deputada Luíza Erundina (PSb-SP) lembrou que o projeto aborda os principais pontos construído na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), ocorrida há quatro anos, que deixou um grande legado sobre o tema. Para ela, o projeto tem o mérito de estar fundamentado em um amplo processo de construção coletiva, a Confecom, além de ser encaminhado ao congresso via iniciativa popular. A deputada ressaltou o fato de que, apesar de haver consenso na sociedade sobre a importância de se regulamentar a comunicação, o parlamento não responde a esta reivindicação histórica da população.

O deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) recordou a luta travada pela principal liderança do seu partido, Leonol Brizola, contra os abusos da mídia e reafirmou o apoio do seu partido à proposta. Ele cobrou uma presença mais efetiva do das centrais sindicais nas mobilizações, considerando que elas também são vítimas privilegiadas do oligopólio da mídia, assim como os movimentos populares e a política no seu sentido mais amplo. “É essencial uma reforma democrática e democratizante que transfira poder à sociedade”, ressaltou.

A deputada Luciana Santos (PCdoB-PE) acrescentou que a luta pela democratização da comunicação precisa sair da seara das entidades que debatem o assunto e virar uma bandeira de toda a população. Segundo ela, uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, que será lançada na semana que vem, revela que 71% da população é favorável a algum tipo de regulação da mídia. “Todos os países regulam a mídia, todas as outras concessões públicas do Brasil tem algum tipo de regulação”, argumentou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), à exemplo de Erundina, abordou a dificuldade do tema encontrar abertura no parlamento. “Estou no meu quinto mandato e se há um tema que não consegue avançar aqui, é este, até porque vários parlamentares são donos de meios de comunicação”, observou. Segundo ela, a pauta sobre o tema é extensa, e toda ela travada: seu projeto de regionalização da produção de comunicação continua engavetado, enquanto a comissão criada para regulamentar a Constituição de 88 aprovou, à toque de caixa, proposta bastante conservadora sobre o tema.

A deputada Fátima Bezerra (PT-RN) lembrou que a democratização da mídia está diretamente ligada a outra pauta essencial à consolidação da democracia brasileira: a reforma política. E ressaltou que ambas não conseguem avançar no parlamento, apesar do compromisso assumido por seu partido com as duas bandeiras. “Esses dois temas, quando caminham no Congresso, é para pior. Vejam o debate sobre essa minirreforma eleitoral: é um insulto à sociedade se discutir tamanho de adesivos quando precisamos de mudanças profundas”, pontuou.

Visões divergentes

A cizânia começou quando o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) criticou a forma como os movimentos de defesa da democratização da mídia e a esquerda tradicional encaram o processo de comunicação. “Não podemos considerar os meios de comunicação como controladores absolutos de corações e mentes. (...) Não vamos avançar neste processo se não sairmos deste maniqueísmo simplista que transforma a mídia em inimigo”, contrapôs.

Segundo ele, a produção de sentidos se dá na recepção, cuja audiência é heterogênea. Além disso, na opinião de Wyllys, os veículos de comunicação são arenas de disputa. Como exemplo, citou o fato de, apesar dos meios de comunicação tenham se aliado contra o governo petista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deixou de ser reeleito e de eleger a presidenta Dilma Rousseff, por conta do Bolsa Família. “Não podemos tratar a audiência como algo monolítico, porque a produção de sentido é feita na recepção, a partir da posição do sujeito”, pontuou.

O deputado - que é adepto das chamadas teorias da recepção e ganhou projeção nacional ao vencer o reality show Big Brother, da TV Globo - criticou duramente o descompromisso do governo do PT com a pauta da comunicação, nesses quase 10 anos de mandato. E defendeu o papel social das novelas na formação de consciência e cidadania, postura conflitante com a da esquerda tradicional, que julga o gênero como principal veia de transmissão dos valores da elite dominante.
“No momento em que o governo Dilma enterrava o projeto contra a homofobia, quem manteve o assunto foi uma novela da TV Globo. As novelas, eventualmente, politizam em temas em que o governo se omite”, justificou.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) argumentou a democratização da mídia, assim como a reforma política, é tema fundamental para o aprimoramento da democracia brasileira. E reconheceu que o governo petista deixou a desejar no tema, em função da correlação de forças desfavorável. Ele defendeu que o governo encaminhe ao congresso o projeto deixado pelo ex-ministro da Comunicação, Franklin Martins, que enfrenta o assunto. E criticou a atual forma de distribuição da publicidade estatal, centrada nos meios convencionais, enquanto o mundo mudou e novos veículos ganharam espaço nas redes.

Mais direta, a deputada Fátima Bezerra ressaltou que e coligação que governa o país não tem interesse nenhum na reforma política e na democratização da mídia. “Isso é o óbvio do óbvio. Todos nós sabemos que ela nuca vai aprovar nada progressista. Por isso, a importância da mobilização popular”, acrescentou.

A deputada Luciana Santos lembrou das implicações do caráter monopolista da mídia brasileira no resultado do processo de comunicação, sustentando que, ainda que o domínio não seja absoluto, o poder de criar consensos de uma mídia concentrada é desproporcional e nocivo ao debate público inclusivo. “Quando se tem um monopólio, você só reflete a visão de mundo daquele grupo. Isso é explícito. E a história dos meios de comunicação no Brasil tem DNA”, argumentou. Ela lembrou também que Lula se elegeu em um processo democrático, dentro das regras estabelecidas e, por isso, precisou fazer concessões. “Lula se elegeu. Nós não fizemos uma revolução. O poder político do governo é muito menor do que gostaríamos”, justificou.

Com uma visão mais gramsciana do processo comunicacional, a deputada Erika Kokay (PT-DF) acrescentou que vivemos uma espécie de luta de classes pós-moderna, em que os meios de comunicação têm lado muito definido. Segundo ela, eles são responsáveis por um forte processo de invasão da cidadania e desconstrução dos sujeitos, que desestabiliza a correlação de forças. “É óbvio que a sociedade está em disputa e que há outros espaços de construção do sujeito. Mas quando esses outros espaços não estão fortes, a opressão da mídia é inegável”.

Kokay também defendeu um virada no governo para enfrentar esse e outros temas relevantes à democracia. “Temos um governo dominado por limites de uma eleição, inclusive, midiática. O que foi possível construir de transformação dentro desses limites já está se esgotando. Ou enfrentamos questões estruturantes, ou paramos de avançar”, diagnosticou.

Numa postura mais conciliadora, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) agradou a ala mais tradicionalista ao citar o velho Karl Marx – “as ideias dominantes de uma época são as ideias da classe dominante”. Mas, em seguida, concordou com o colega de partido ao admitir que os meios de comunicação desempenham papel de vanguarda em assuntos nos quais o governo se omite. “A gente tem que considerar, sim, o receptor crítico. Fiquei impressionado com a total rejeição da garotada que foi as ruas em junho aos meios de comunicação”, esclareceu.

As divergências políticas e teóricas preocuparam militantes da democratização da mídia, que esperavam conquistar nos partidos de esquerda uma defesa mais homogênea do projeto, que não encontra respaldo entre os setores mais conservadores do congresso. Porém, divergências à parte, todos concordaram há uma omissão do parlamento e dos sucessivos governos em relação ao tema, que é preciso democratizar o acesso à mídia, regulamentar padrões mínimos de procedimento para os veículos e rever as concessões historicamente tratadas como armas para favorecimento político.
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A Veja vendida a preço de banana

Por Paulo Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Depois dos rojões do lançamento de uma revista, vem o duro contato com a realidade das vendas.

Sabemos todos o que está acontecendo com as revistas. A segunda maior revista de informações do mundo, a Newsweek, está no cemitério, morta por falta de leitores e de anunciantes.


A maior de todas, a Time, aliás a inventora do gênero, foi recentemente desprezada pelo mercado quando seus donos do grupo Time Warner tentaram vendê-la. Ninguém quis comprá-la, simplesmente.

Na era da internet, ninguém lê revistas ou jornais. Ponto. Repare: quando você vê alguém com uma revista ou um jornal na mão, é um idoso ou uma idosa que preferiu não abdicar de um hábito vencido pelo tempo.

Tudo isso posto, poucas coisas mostram mais esse panorama desolador das revistas no Brasil do que uma foto enviada ao DCM por Marcelo, nosso leitor.

A Veja, ignorada pelo público, estava sendo vendida ao chamado preço de banana numa banca no Largo da Carioca, no centro do Rio. Importante: não no meio ou no final da semana, quando está chegando uma nova edição. No começo, quando a revista está tão quente quanto poderia estar no mundo digital.

Lembro, em meus anos de Abril, o esforço épico, e caríssimo, feito para sustentar a carteira de assinantes da Veja na casa de 1 milhão.

Jairo Mendes Leal, meu colega de Exame e depois superintendente da Veja, operava milagres para tentar segurar uma carteira que, deixada a si própria, despencaria espetacularmente. (A real carteira, hoje, deve estar entre 100.000 e 200.000 exemplares.)

O objetivo disso era duplo: primeiro, manter a imagem de revista de grande circulação. Segundo, captar anunciantes, a 70.000 reais a página ou coisa parecida, por causa da carteira inflada.

Quem de nós não conhece alguém que, mesmo sem ter renovado a assinatura, continua a receber a Veja?

São também comuns ações beneficentes feitas com dinheiro público por prefeitos e governadores amigos: eles compram lotes de assinaturas e enviam para escolas estaduais e municipais, onde alunos conectados à internet simplesmente ignoram a revista, logo arremessada intocada à reciclagem.

Com todo o malabarismo, repare que a circulação no final da década de 1980 era a mesma de hoje – com a diferença de que era real.

Maus editores contribuem para o declínio, é verdade, e aí o destaque é, inegavelmente, Eurípides Alcântara, que conseguiu piorar uma revista que já era muito ruim sob seu antecessor, Tales Alvarenga. Mas ainda que a revista fosse tocada por jornalistas como Mino Carta ou JR Guzzo, os que a levaram aos dias de glória, mesmo assim a internet faria seu trabalho assassino.

Quando a posteridade estudar a morte das revistas no Brasil, e particularmente a da Veja, que há 30 anos fez época no jornalismo brasileiro, a imagem acima dirá mais do que qualquer coisa.
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A página que não pode ser "virada"

http://ajusticeiradeesquerda.blogspot.com.br/
Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:

Este texto tem endereço certo: os setores do PT e do governo Dilma que já acreditaram – e que, em boa parte, ainda parecem acreditar – que é possível “virar a página” do episódio do mensalão agora que seus alvos principais se encontram trancafiados por obra e graça de medida judicial monocrática, açodada e, por isso mesmo, suspeita de ser politiqueira.


É fácil entender o pensamento político do PT e de seu governo: deixar os adversários se esbaldarem agora com a deturpação dos fatos e, ano que vem, contar com o fenômeno eleitoral que vem sendo constado desde 2005, ou seja, o desprezo do eleitorado à teoria de que haveria mais corrupção no PT do que em outros partidos.

A partir de meados de 2005, com aquela bombástica entrevista do então deputado Roberto Jefferson à Folha de São Paulo que desencadeou o processo que, aparentemente, estaria chegando ao fim com a execução das penas dos condenados, em nenhum dos cerca de três milhares de dias seguintes o mensalão deixou de monopolizar o noticiário.

Contudo, a teoria que vem levando a presidente Dilma a não se pronunciar sobre a prisão intempestiva dos petistas imolados e que tem feito a cúpula do PT ser comedida na condenação dessas prisões e no apoio aos companheiros encarcerados é a de que, com a desgraça deles, a odisseia persecutória da mídia estaria chegando ao fim.

Trata-se de um erro de avaliação. Em confronto com a visão dessas cabeças coroadas do PT e do governo – e, muito provavelmente, com a visão dos marqueteiros que orientam esse governo – na última terça-feira estreou, em horário nobre, a crônica do cárcere dos “mensaleiros”.

A nova novela do mensalão, agora, tem como enredo “regalias” de que os condenados estariam desfrutando devido a suas ligações políticas. Saírem das celas para tomar banho de sol, receberem parentes, tudo servirá para manter o mensalão em evidência. E, enquanto cumprem a pena, os recursos de suas penas que ainda não foram julgados manterão o caso em evidência.

Erram Dilma, Lula e a cúpula do PT, portanto, ao avaliarem que seria possível “virar a página” desse processo.

Muito pelo contrário, o desfecho que teve vem sendo buscado sofregamente pela mídia oposicionista justamente para ser usado como mote eleitoral no ano que vem, quando dirá que, agora, é oficial: o PT é o mais corrupto porque é o único partido a ter algumas de suas maiores lideranças condenadas e cumprindo pena.

A página do mensalão não será virada porque a mídia oposicionista não deixará, mas há que perguntar se é bom que seja.

Os abusos e as violações dos ritos processuais e da jurisprudência ao longo do julgamento da ação penal 470 e, agora, na execução das penas dos condenados requerem uma reflexão: o Brasil pode e deve “virar a página” de um atentado à democracia e ao próprio Estado de Direito?

O que será desencadeado, neste país, se for aceito que pessoas sejam mandadas para o cárcere sem provas e, ainda, sob penas mais duras do que a sentença condenatória determinou? Como pode uma democracia funcionar normalmente sabendo-se que a lei endurece ou afrouxa de acordo com o campo político-ideológico do acusado?

Enquanto no PT e no governo Dilma falam em “virar a página” do mensalão, na capital paulista o ex-secretário de governo do prefeito Fernando Hadadd, o vereador Antonio Donato, tornou-se vítima de uma manobra dos criminosos envolvidos na máfia dos fiscais durante os governos José Serra e Gilberto Kassab, que o acusaram de envolvimento no caso com o objetivo escancaradamente evidente de desviar o foco das investigações.

Nesse processo, o Ministério Público de São Paulo atua como preposto da quadrilha e de seus coligados políticos ao abrir investigação contra um membro do governo que sucedeu o governo durante o qual ocorreram os fatos delituosos.

Ou seja, as relações promíscuas do PSDB, do DEM e da mídia com o Ministério Público e com a Justiça seguem firmes e fortes, blindando os corruptos desses partidos, os caciques políticos deles em São Paulo e, inclusive, perseguindo petistas pela corrupção que grassou e grassa nos governos demo-tucanos.

Não, a “pagina” do mensalão não será “virada”. Isso não vai ocorrer porque a mídia não vai deixar e não deve ocorrer porque esse processo é espúrio, antidemocrático e, como tal, deve ser denunciado e desmascarado, custe o que custar.

A tese de que o PSDB et caterva não obterão lucros eleitorais com um caso para o qual a sociedade deu de ombros nas eleições de 2006, 2008, 2010 e 2012, quando o PT continuou crescendo e vencendo para os principais cargos no Executivo e no Legislativo, não elide o fato de que a democracia foi violada e de que a mídia continuará martelando esse caso.

Desde a eclosão do mensalão, em 2005, a oposição perdeu mais do que a situação, apesar dos esforços da mídia – enquanto o PT perdeu, na última eleição federal, cerca de 8% dos deputados federais em relação a 2002 (bancada caiu de 91 em 2002 para 88 em 2010), o PSDB perdeu 24% (sua bancada caiu de 70 para 53 deputados). Mas será que o aspecto eleitoral é só o que importa?

Não se enganem, presidente Dilma, presidente Lula e Partido dos Trabalhadores: os próximos alvos serão Lula e Fernando Haddad. Ano que vem, o Ministério Público atucanado e midiatizado deverá investir contra o ex-presidente em plena campanha eleitoral. Irá acusá-lo de ser o verdadeiro artífice do mensalão, tentando diminuir sua influência no processo.

Chegou a hora de o PT, a presidente Dilma e, sobretudo, Lula investirem contra esse processo vergonhoso, kafkiano, antidemocrático. Podem fazer isso antecipando-se aos fatos ou a reboque deles. Na primeira hipótese, desfrutarão da vantagem de tomar a iniciativa; na segunda, da desvantagem de começar a luta na defensiva.
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Um julgamento profundamente político

http://pigimprensagolpista.blogspot.com.br
Do blog de José Dirceu:

Em entrevista, o jornalista e deputado federal Emiliano José (PT-BA) destaca o combate do projeto político em curso por meio da condenação das lideranças do PT. Acompanhem:

Deputado, qual sua análise do julgamento da AP 470?
É nítido que o julgamento da Ação Penal 470 tem um viés profundamente político. Isso sequer foi escamoteado por alguns ministros do STF que revelaram sua visão política. Alguns nem se envergonharam e criticaram abertamente o projeto político em andamento no país na última década. Foi um julgamento nitidamente político e, por ser político, ele comete injustiças profundas porque se pretendia atacar, de modo especial, o PT e as lideranças do partido que estavam – e estão ainda – sob julgamento, sobretudo, o José Dirceu, o Genoino e o João Paulo Cunha.


Não se buscou nesse julgamento provas para condenar – se condenar fosse o caso -, algo que seria usual e da tradição mundial dos países democráticos. O julgamento se baseou em presunções e subjetividades da maioria até agora para condenar. Qualquer exame dos próprios autos indica não existir compra de parlamentares. No decorrer do processo, inclusive, ficou evidente a inexistência de dinheiro público aplicado para o crime que eles dizem existir. Os jornalistas Raimundo Rodrigues Perreira e Paulo Moreira Leite, para falar de dois grandes jornalistas, evidenciam o quanto há de precariedade e inconsistência nesse julgamento. O trabalho do Raimundo Pereira mostra por A + B que o Pizzolatto não tem nenhuma culpa.

Quais outros pontos o sr. levantaria?
Outro aspecto grave é o fato de ser um julgamento em uma única instância, diferentemente do que prega a tradição dos países democráticos, porque os réus foram confinados a uma única instância e mesmo a questão dos embargos infringentes não significa segunda instância. Eu tenho, portanto, uma visão profundamente crítica desse julgamento. Há, evidentemente, ministros que se esforçaram para que houvesse justiça, inclusive nessa última fase. Mas, a maioria optou pelo viés político de combater o projeto político em curso via a condenação dos nossos companheiros do PT. Houve, inclusive, uma criminalização do PT na voz de alguns ministros. Esta é uma página do STF que não é bonita. Aliás, o STF não tem muitas páginas bonitas, sempre esteve ao lado das ditaduras no Brasil. Basta pegar a nossa história. Trata-se, portanto, de um julgamento profundamente injusto e em desacordo com as melhores tradições do povo brasileiro. E é nesse quadro que se insere a prisão de José Dirceu e de Genoino.

Outro ponto gravíssimo é a distorção da teoria do domínio do fato. Uma teoria que nunca abdicou de provas. Mas o STF abdicou de provas nesse caso. Não se precisa provar mais nada. O que significa que, a partir de agora, o direito no Brasil está manco. Tudo é possível a partir dessa formulação. No caso do Zé Dirceu, não há uma única prova, zero de provas, apenas a presunção de que ele era o chefe de uma “quadrilha”; no caso do Genoino, o empréstimo efetivo foi pago corretamente pelo PT; no caso do João Paulo, o dinheiro ele aplicou comprovadamente em pesquisa e foi condenado. Então, nem as provas adiantam nesse processo. É um julgamento de natureza claramente política e o Zé, o Genoino e o João vão passar o resto da vida tentando provar isso. Nós vamos ter de caminhar nessa direção também.

Quais as consequências desse julgamento?
Foi construída uma narrativa pelo STF, antecipada pela mídia conservadora do Brasil, que pretende liderar com a ideia do marco zero da corrupção no Brasil. Uma narrativa absolutamente falsa, deslocada, absurda e desonesta, mas que foi construída. Nós vamos como “exemplo do fim da impunidade”. O julgamento traz muitas perdas. Não há como dizer que não perdemos. O STF perdeu também ao fazer um julgamento com essa marca. Um julgamento que foi destinado a jogar água no moinho da direita brasileira que não admite um projeto transformador de país. Perde, ainda, a sociedade brasileira, ao condenar pessoas inocentes. Essa é a verdade. Estamos sangrando há anos com esse episódio. Teremos de insistir com trabalho e mais trabalho para construir a outra narrativa que é a da verdade.

Que nós tenhamos cometido erros e participado como todo mundo dessa institucionalidade do Caixa 2 é uma discussão que podemos fazer abertamente. Agora, que tenha havido um roubo, nós recusamos com absoluta segurança de que não há prova nenhuma de que isso tenha acontecido por parte dos nossos companheiros.

O que o sr. falaria para o Zé?
O Zé experimentou na sua trajetória conjunturas extremamente adversas. Essa, seguramente, é a mais adversa da vida dele. Eu sinto com toda a clareza e nitidez e me coloco na pele dele. Uma coisa é acontecer o que aconteceu comigo que passei quatro anos na luta contra a ditadura, mas ali era outra conjuntura. No caso dele, após décadas de dedicação à luta pela liberdade e por um país mais justo, ele é rotulado por um julgamento partidarizado como chefe de quadrilha. Sei que para o Zé é muito duro. Mas ele deve manter a cabeça erguida e acesa a chama da esperança. Deve manter a decisão de provar, ao lado dos seus companheiro e de todos nós, que não houve qualquer atitude de desrespeito à missão a qual ele se incumbiu: a de trabalhar pelo nosso país e pelo povo brasileiro. Ele sempre respeitou essa missão e deve tentar provar isso, mesmo nas duras condições em que se encontrará nos próximos meses.
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Antes tarde, do que tarde demais

Por Valter Pomar, em seu blog:

A prisão de Dirceu, Genoíno e Delúbio resume, de maneira exemplar, certos dilemas estratégicos da esquerda brasileira.

A prisão foi realizada antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) analisar os embargos apresentados pelos três. O processo não transitou em julgado.


Mesmo concluído o processo, a pena deveria ser cumprida em regime semi-aberto. Mas a ordem de prisão omitia isto, motivo pelo qual começaram a cumprir pena em regime fechado.

Apesar de os três residirem em São Paulo, foram transferidos de avião para o presídio da Papuda, em Brasília. O adequado teria sido ficarem desde o início em local próximo a sua moradia e familiares. No caso de Genoíno, cujo estado de saúde é grave, o correto teria sido a prisão domiciliar.

Estas e outras arbitrariedades são usuais no caso da maior parte da população carcerária. E o ocorrido deve nos fazer lembrar o quanto ainda deve mudar este país, para que o sistema judicial e prisional não tratem as pessoas de acordo com sua posição de classe.

Entretanto, a arbitrariedade aplicada a “petistas ilustres” não é prova de que a justiça é cega, mesmo quando injusta. Casos similares e recentes comprovam o contrário. Pessoas acusadas de crimes similares, mas pertencentes a outros partidos, estão recebendo tratamento privilegiado.

Por isto, independentemente da opinião que tenhamos sobre cada um deles, sobre o que fizeram ou deixaram de fazer, sobre se mereciam ou não algum tipo de punição, a verdade é que foram julgados, apenados, condenados e presos como foram por serem petistas, porque isto permite atingir o Partido dos Trabalhadores.

Toda a Ação Penal 470 foi marcada pela ilegalidade. As mais graves são o julgamento em uma única instância, a condenação por crime não comprovado, a aplicação desta aberração chamada “domínio de fato”, a tolerância frente a casos similares praticados pelo PSDB e a condução do julgamento, a definição de penas em clima de loteria, o caráter espetacular do julgamento, assim como o objetivo explícito e assumido de prejudicar politicamente o Partido dos Trabalhadores.

Isto ocorreu sob a batuta de procuradores gerais da República e de uma maioria absoluta de ministros do STF indicados durante os governos Lula e Dilma. Apesar de seu papel destacado, Joaquim Barbosa não é o único responsável pelas violências jurídicas cometidas no processo.

Dizendo de outra forma: as ilegalidades cometidas durante a Ação Penal são de responsabilidade, direta e indireta, parcial ou total, de muitas autoridades, inclusive daquelas indicadas pelos governos Lula e Dilma. E no caso destas, não se trata de equívocos isolados: há um “método” nas indicações, bem como na conduta (ou falta de conduta) do Ministro da Justiça e da Polícia Federal. 

Ao indicar pessoas de direita, ou suscetíveis à pressão da direita, o governo facilita aos setores conservadores disfarçar o caráter de classe e o caráter partidário de seus atos. E há setores do governo que acreditam que isto é “republicanismo”, ou seja, convertem seus erros em virtude.

Infelizmente, não se trata de raio em céu azul. Cumprir, sem nem ao menos questionar, uma ordem de prisão redigida de forma perversamente ilegal, não tomar atitude pública e firme em defesa dos direitos humanos dos presos, é coerente com um conjunto de atitudes (e falta de atitudes) de nossos governos na área da segurança, dos direitos humanos e da justiça.

A Ação Penal 470 teve origem, desde a entrevista do então deputado Roberto Jefferson, no consórcio entre a direita demotucana e o oligopólio da comunicação, cabendo a este último o papel de cérebro, de direção estratégica.

Porém, a atitude do governo Lula e do governo Dilma frente à mídia manteve no fundamental o status quo ante, numa atitude que um companheiro denominou de sadomasoquismo político.

Já o Partido dos Trabalhadores, principal vítima dos ataques da mídia, adotou desde o princípio de 2013 uma retórica mais dura, todavia sem provocar inflexão na postura governamental, nem mesmo na política de comunicação do próprio partido, que é de uma fragilidade patética.

Toda a AP 470 foi construída em torno de uma tese: a de que teria ocorrido compra de votos. Nada, absolutamente nada, foi comprovado a respeito. E tudo, absolutamente tudo, foi comprovado acerca do caráter pernicioso do financiamento empresarial privado das campanhas eleitorais.

Aqui, mais uma vez, está presente o já citado “método”, que explica grande parte dos prejuízos causados, ao PT, pela influência concedida a Marcos Valério, um dos operadores do caixa dois tucano nos anos 1990. Os fatos mostraram a imensa ilusão de classe cometida por quem acreditou que “se eles fazem, também podemos fazer”.

É verdade que a crise iniciada em 2005 teve, como um saldo positivo, fortalecer a convicção, dentro do PT e de amplos setores da sociedade brasileira, de que é necessário eliminar totalmente o financiamento empresarial privado das campanhas eleitorais.

Mas mesmo aí, o “método” se fez presente: o papel lamentável cumprido pelo deputado Candido Vaccarezza, admoestado mas nunca punido pelo Partido, mostra a inconsequência com que muitos defendem a reforma política. Inconsequência que é diretamente proporcional ao grau de dependência (e acomodação) de tantos frente ao financiamento empresarial privado.

Olhando-se de conjunto, o processo como um todo, inclusive a prisão de Dirceu, Genoíno e Delúbio, resultam de um duplo movimento: por um lado, da ação combinada da direita partidária, do oligopólio da mídia e de seus tentáculos no aparato judicial-policial; por outro lado, de um conjunto de ações, opções, omissões e erros cometidos pelo PT e aliados de esquerda.

É importante perceber que a ação da direita parece ter grande respaldo popular, inclusive entre eleitores de Lula, Dilma e do PT. Há vários motivos para isto, alguns já citados, outros não, que levam parcela importante do povo brasileiro a considerar o PT “tão corrupto” quanto os demais partidos, opinião que provoca mais danos sobre nós petistas do que sobre os outros.

Esta visão incorreta sobre o PT ajuda a alimentar uma brutal ofensiva ideológica da direita, que tem como alvo não apenas o petismo, mas a esquerda, as liberdades civis e democráticas em geral.

Não é fácil reagir a isto. Mas é preciso reagir e já. E a primeira maneira de reagir é compreender como foi que chegamos a este ponto, quais ações, opções, omissões e erros foram cometidos individualmente, por setores ou pelo conjunto do petismo.

Setores do PT acreditam que tudo teria sido diferente, caso o Partido tivesse adotado uma postura distinta em 2005, afastando-se completamente dos que cometeram erros. Certamente teria sido diferente. Mas não foi esta a opção da então e novamente atual maioria do Partido. Delúbio Soares, por exemplo, foi expulso e depois reintegrado ao Partido. Portanto, o conjunto do PT não pode agir, agora, como se tivesse tomado outra atitude em 2005. Isto vale muito especialmente para os que integravam então e integram novamente a maioria partidária: seus atos precisam ter alguma consequência com a opção que adotaram em 2005.

Setores do PT agem como se a prisão de Dirceu e Genoíno constituísse um “acidente de percurso”. Assim como as manifestações de junho, as sabotagens e rupturas na base aliada, o pequeno crescimento do PIB e a greve de investimentos do grande Capital seriam “pontos fora da curva”. Nós pensamos o contrário: a prisão de Dirceu e Genoíno faz parte de uma tragédia anunciada. Pois, de um certo ponto de vista, ambos simbolizam uma estratégia baseada em concessões aos inimigos. Concessões que para muitos pareciam acertadas, quando o inimigo aparentemente recuava. Mas agora está claro que recuaram para melhor saltar, sobre nós, com uma fúria brutal.

Setores do PT parecem acreditar que nada disto terá implicações eleitorais. Não acreditemos nem um pouco nisto. E mesmo que não tivesse implicações eleitorais, certamente enfraquece o PT. Cabendo perguntar: como será um segundo mandato Dilma, com um PT enfraquecido? Qual a chance de realizarmos reformas democrático-populares, construirmos uma hegemonia de esquerda, acumularmos forças em direção ao socialismo, com um PT enfraquecido?

Setores do PT concentram sua energia em denunciar a ilegalidade das prisões e da AP 470, prestando solidariedade aos presos e buscando inclusive maneiras de anular o julgamento. Sem prejuízo de tudo o que se pode e deve fazer neste sentido, temos que entender que a prisão de dois ex-presidentes do Partido é, na melhor das hipóteses, uma metáfora do que nos aguarda, a todos e a todas nós, se o PT não mudar seu “método” de fazer política. Mais precisamente, precisamos mudar de estratégia.

Para quem ainda não percebeu, acabou o tempo em que um “mau acordo” parecia melhor do que uma “boa luta”. Já há tempos, uma boa luta não é apenas melhor, é a única alternativa.

Não foi esta, infelizmente, a conclusão do PED. Tampouco me parece ter sido este o tom da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT, dia 18 de fevereiro: a defensiva eterna não é capaz de derrotar uma ofensiva e não há tática vitoriosa nos marcos de uma estratégia superada. Espero que seja esta a tônica dos debates no V Congresso do Partido, em dezembro deste ano. Pois a melhor resposta que podemos dar a todo o processo que resultou nas prisões é mudar a política do Partido. Antes tarde, do que tarde demais.
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