Barack Obama: pato manco?

Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

Completa-se um ano da reeleição do Obama e nada indica que seu mandato será distinto do primeiro. Nada de terminar com Guantanamo, as guerras do Iraque e do Afeganistão não amainam, não desencalha a reforma da saúde e não consegue aprovar a nova lei de imigração. Muito cedo o Obama virou pato manco. É como se seu mandato começasse a terminar precocemente.



Até no plano da política internacional as coisas estão longe do que Obama planejava. No começo do ano, tinha em perspectiva um ataque à Síria, que debilitasse o governo do Assad, acreditando que retomaria as negociações de Genebra, com o suposto da saída do presidente atual como condição.

Obama não conseguiu crias as condições politicas para militarizar o conflito, como os EUA costumam fazer. Perdeu o apoio da Grã Bretanha, dos norte-americanos, até mesmo dos militares dos EUA. Teve que se somar à iniciativa russa de negociações de paz, que se afirmam como a via de solução do conflito sírio.

O passo seguinte, que seria o de passar da derrota do governo do Assad ao isolamento do Irã e a abertura da via para o ataque ao Irã, não pôde concretizar-se. Ao contrário, o que parecia impossível no começo do ano, se concretiza: negociações diretas dos EUA com o Irã. Nos dois casos, Síria e Irã, se está prestes à assinatura de acordos de paz, para desespero de Israel, da Arábia Saudita e do Kuait.

A projeção da Rússia como agente de negociações de paz no mundo e a da imagem de Putin como líder mais poderoso do que Obama, complementam um quadro internacional que teve inflexões importantes nestes últimos meses.

Não faltasse todo esse cenário, os escândalos de espionagem denunciados por Snowden, não param de provocar desgastes aos EUA, até com seus aliados mais próximos, como a Alemanha a França e o México.

Muito precocemente Obama parece ter esgotado completamente os sonhos com que foi eleito há cinco anos e com as esperanças com que foi reeleito há um ano. Entram os EUA em ano de eleições parlamentares e os cenários presidenciais começam a ser desenhados, entre um novo líder republicano e a nova tentativa de Hilary para ser a candidata dos democratas.

Para quem foi eleito como o primeiro presidente norte-americano, depois do desgaste de George Bush, numa bela campanha, o fim do mandato de Obama é melancólico, sem nem sequer garantir que poderá eleger seu sucessor. Mais um sintoma do longo processo de decadência da hegemonia norte-americana no mundo. Também no plano político – além do econômico – se desenha o mundo multipolar do século XXI.
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Golpe em câmera lenta na Venezuela

http://aporrea.org
Por Vanessa Silva, no sítio Vermelho:


Em viagem à Argentina para o lançamento de seu livro “Hugo Chávez – Minha Primeira Vida”, o jornalista francês fundador do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, denunciou, em entrevista à Telám, que a Venezuela vive um processo de golpe de Estado em câmera lenta. “A oposição venezuelana pensava que uma vez desaparecido [Chávez], desapareceria o problema [Revolução Bolivariana], e o poder cairia automaticamente em suas mãos”, mas não foi o que aconteceu.

“A oposição está fazendo agora o que eu chamo de um golpe de Estado em câmera lenta, com sabotagens na energia, desabastecimento [de produtos essenciais] cortes de água, criando uma atmosfera de mal estar social para tentar dar um golpe de Estado institucional" já que “não podem se apoiar nas forças armadas".

Tal processo é semelhante ao golpe sofrido pelo ex-presidente do Chile, o socialista Salvador Allende. “Também diziam que era incompetente para governar e que as coisas não funcionavam no país. O mesmo dizem agora sobre Maduro”.

Neste contexto, pontuou, não dá para subestimar a Revolução Bolivariana, cuja importância ficou evidente com as revelações feitas pelo ex-agente de inteligência da CIA, Edward Snowden que mostram que a Venezuela é um dos países mais vigiados do mundo pela NSA (Agência Nacional de Segurança).

Avanço da direita no continente
Ao contrário do que alguns analistas e especialistas em América Latina afirmam, para Ramonet, é falsa a ideia de que está havendo uma guinada da região à direita. “Depois que Chávez chegou ao poder, em 1999, houve uma série de governos neoprogressistas no Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador. Nenhum desses governos que chegaram ao poder a 15 anos perdeu uma escolha decisiva".

Outro sinal disso é que entre novembro e fevereiro, haverá eleições presidenciais no Chile, Honduras e El Salvador, e "todas as pesquisas indicam que os candidatos que representam a linha neoprogressista vão ganhar”. Neste sentido, avaliou que as recentes eleições na Argentina, que renovou a metade da câmara dos deputados e um terço do senado, não são decisivas "o pêndulo não está indo para o outro lado [a direita], e sim ao contrário".

Além disso, os partidos que fazem oposição aos governos neoprogressistas “são inconsistentes”. Para Ramonet, a verdadeira oposição hoje é feita “pelos meios de comunicação monopólicos” da América Latina que “estão aliados à oligarquia dominante e exploraram e dominaram quase todos esses países durante muito tempo”.

Aliança do Pacífico
A seu ver, a Aliança do Pacífico – criada em 2012 e integrada por Chile, México, Colômbia e Peru — é uma prova de que a integração regional já não funciona como antes e neste aspecto fica evidente a falta que faz o ex-presidente Hugo Chávez dado o papel decisivo que desempenhou em 2005, em Mar del Plata, quando junto com os ex-presidentes Néstor Kirchner (Argentina) e Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), rejeitaram a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) defendida pelos Estados Unidos.

“Essa Aliança do Pacífico não teria sido feita se Chávez pudesse negociar com os presidentes que estão tentados” a integrá-la, e esclareceu que apesar do tipo de governo desempenhado por estes países, não se trata de uma Alca. Mas, o que é realmente importante e ninguém está discutindo, ressaltou, é a assinatura do Tratado Trans Pacífico “e isso sim é uma Alca”.

E concluiu: na Europa, falta um dirigente como o líder venezuelano porque “Chávez é a vontade política frente aos bancos, o FMI e o Banco Central Europeu, que mantêm a Europa no piloto automático tanto faz se ganha as eleições um conservador ou social-democrata". 
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A revolução russa e seus impasses

Por Augusto C. Buonicore, no sítio da Fundação Maurício Grabois:
 
 
Marx e Engels acreditavam que a revolução socialista começaria pelos países capitalistas onde as forças produtivas fossem mais desenvolvidas e existisse uma numerosa classe operária, que representasse a maior parte da população. Por isso, esperavam que a revolução começasse por Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos, ou mesmo França. Outra ideia corrente era de que a revolução socialista, quando iniciada, tenderia a se espalhar rapidamente pelo conjunto dos países capitalistas centrais e isso, por sua vez, impulsionaria as revoluções nos demais países do mundo. Mas, o desenvolvimento histórico real fez com que a primeira revolução socialista fosse vitoriosa na atrasada Rússia.
 

 Lênin, desde 1915, já havia aventado esta possibilidade ao defender que a revolução proletária mundial poderia se iniciar a partir dos elos mais fracos da cadeia imperialista e não necessariamente nos países capitalistas mais desenvolvidos. Mesmo assim, após a Revolução Russa de 1917, continuou apostando numa rápida vitória da revolução socialista no Ocidente, começando pela Alemanha. Não acreditava na possibilidade da existência prolongada de um Estado socialista na Rússia numa Europa imperialista.
Num primeiro momento, a perspectiva de uma revolução socialista europeia iminente parecia bem real. Os acontecimentos revolucionários na Alemanha em 1918 desenhavam-se como uma repetição do fevereiro russo, e mesmo as derrotas de 1919 (e a queda da República Socialista da Baviera) parecia-lhes uma repetição da derrota provisória ocorrida em julho na Rússia. Para a maioria dos revolucionários, o Outubro Vermelho alemão ainda estaria por vir em breve. A República dos conselhos na Hungria que se encaixava neste esquema havia sido derrotada. O mesmo aconteceria com a experiência dos conselhos de fábrica na Itália.

Apenas em 1923, com as derrotas das rebeliões comunistas, essas esperanças de uma vitória rápida do socialismo se desvaneceram. A jovem República Soviética ficou isolada – cercada por países capitalistas hostis. Lembramos que depois de 1917 ela sofreu um ataque de 14 países e diversos exércitos brancos, contrarrevolucionários. Entre 1919 e 1920 a situação tornou-se dramática e o “país dos sovietes” se viu reduzido às cercanias de Petrogrado e Moscou. A grande imprensa aristocrática e burguesa já dava como certa a derrota bolchevique.

Apenas em 1921 a Rússia revolucionária se viu livre de seus inimigos, vencendo-os numa guerra civil sangrenta, que lhe custou milhões de vidas. A situação econômica e social era catastrófica. Seu parque industrial estava reduzido a 13% do que era antes da Primeira Grande Guerra Mundial. Parte de sua classe operária – a mais consciente e combativa – havia desaparecido na guerra civil. A população de Petrogrado, capital da revolução, caiu de 2 milhões para 720 mil habitantes. A de Moscou de 1,5 milhão para 1 milhão. Houve um processo de desindustrialização e desproletarização em grande escala. O poder soviético perdeu uma importante base material (a grande indústria) e social (o proletariado revolucionário).

A derrota da revolução no Ocidente recolocou o angustiante dilema: é possível construir o socialismo num país atrasado como a Rússia sem o apoio da revolução vitoriosa na Alemanha, Inglaterra ou nos Estados Unidos? Vários bolcheviques, como Trotsky, se colocavam categoricamente contra tal hipótese. Lênin, revisando suas posições anteriores, procurou construir alternativas que permitissem iniciar a construção do socialismo nas condições adversas. Uma posição que seria assumida e radicalizada por Stálin no final dos anos 1920.

Neste quadro internacional e nacional inusitado, tornou-se ainda mais necessário o desenvolvimento acelerado das forças produtivas. Sem isso, a revolução isolada estaria definitivamente derrotada. O chamado “Comunismo de Guerra” (1918-1921), necessário para enfrentar a contrarrevolução armada, mostrou-se inconveniente para a grande tarefa de reorganização da economia. Nasceu assim a proposta da Nova Política Econômica (NEP), visando a superar o atraso econômico do país utilizando amplamente recursos oferecidos pelo próprio capitalismo. A prioridade era a constituição de uma indústria pesada e o capitalismo de Estado alemão se tornou o paradigma do desenvolvimento econômico russo na etapa primária de construção do socialismo.

A NEP se baseava nas concessões de forças produtivas russas aos capitalistas nacionais ou estrangeiros; criação de cooperativas agrupando pequenos e médios produtores rurais e urbanos, que teriam liberdade de comercializar o que produziam; montagem de empresas mistas, associando capital privado e o Estado; e empréstimos bancários juntos aos grandes bancos estrangeiros. Além disso, incorporaram-se à indústria russa os métodos fordistas e tayloristas de produção que, entre outras coisas, garantiriam a manutenção dos altos salários para os especialistas e técnicos. Seria o conjunto dessas medidas a que Lênin chamaria de capitalismo de Estado nas condições russas.
Sobre as necessárias concessões ao capitalismo, Lênin escreveu: “Tivemos de recorrer ao velho método burguês e aceitar um pagamento muito elevado dos ‘serviços’ dos maiores especialistas burgueses (...). É claro que tal medida é não apenas uma interrupção – por certo tempo e em certo grau – da ofensiva contra o capital, mas também um passo atrás do nosso poder de Estado socialista, soviético, que desde o primeiro momento proclamou e conduziu uma política de redução dos altos ordenados até o nível do salário do operário médio”.
Em outro artigo afirmou: “Enquanto não houver revolução noutros países, precisaremos de dezenas de anos para escapar e não deve importar-nos ceder uma parte de nossas incalculáveis riquezas (...) ao valor de centenas e até de milhões de rubros, para receber ajuda dos grandes capitalistas avançados. Mas não é possível manter o poder proletário num país incrivelmente arruinado com um gigantesco predomínio do campesinato, igualmente arruinado, sem a ajuda do capital, pelo qual logicamente cobrará juros exorbitantes”. Lênin fala em dezenas de anos de concessão ao capitalismo e não em poucos meses ou mesmo anos.

É claro que as sucessivas opções de desenvolvimento econômico feitas pelos dirigentes soviéticos, tanto a NEP (1921-1928) como a industrialização forçada (1928-1953), embora necessárias, trouxeram implicações muitas vezes negativas no campo das relações sociais e no desenvolvimento da democracia soviética. A rigorosa centralização econômica, por exemplo, foi acompanhada pela excessiva centralização política beirando ao despotismo.

Nas empresas taylorizadas imperava uma rígida disciplina fabril, ditadura dos gerentes e graves assimetrias salariais. Todos esses elementos foram ainda radicalizados durante os anos de industrialização forçada e coletivização (também forçada) no campo. Neste processo ocorreu a gradual fusão dos movimentos sociais e do Partido ao Estado. Esvaziaram-se politicamente os sovietes e as organizações populares. Formou-se uma burocracia partidária e estatal cada vez mais forte e distanciada das massas trabalhadoras das quais deveriam ser expressão.

A industrialização forçada – traduzida nos primeiros planos qüinqüenais – conseguiu índices de crescimento inéditos. Neste período, todas as concessões estrangeiras foram anuladas, os últimos setores privados expropriados pelo Estado e a dívida externa, contraída durante a implantação dos planos de industrialização, foi drasticamente reduzida e depois eliminada. Segundo Stálin, com essas medidas, haviam sido eliminados todos os elementos do capitalismo de Estado, e o modo de produção socialista já estava implantado na sua integralidade.

Mas, contraditoriamente, continuaram predominando nas fábricas o fordismo e os métodos tayloristas (e com eles o despotismo fabril, as diferenças salariais entre operários e técnicos, a divisão entre o trabalho intelectual e manual). Ou seja, defendia-se a manutenção e o fortalecimento de elementos do capitalismo naquela que era considerada a fase avançada do socialismo e que começava, segundo os dirigentes soviéticos, a trilhar as sendas do comunismo.

Apesar dos efeitos negativos desta opção pela industrialização forçada, é preciso reconhecer que a base industrial, construída durante os três planos quinquenais, é que permitiu ao povo soviético enfrentar o poderoso exército nazista a partir de 1941. O planejamento centralizado – sob a base de propriedade não-privada dos meios de produção – é que permitiu converter toda a economia para o esforço de guerra e transferir, em tempo recorde, indústrias inteiras do Oeste para o Leste do território soviético, salvando-as dos ataques alemães. Coisas que um país capitalista – assentado na propriedade privada dos meios de produção – dificilmente poderia fazer.

A URSS venceu a Segunda Guerra Mundial e foi a principal responsável pela derrota do nazi-fascismo, mas viu sua economia bastante enfraquecida. Novamente se colocava a tarefa da retomada da industrialização acelerada, com todas suas virtudes e mazelas. A democracia socialista deveria ser novamente sacrificada em nome da defesa do Estado soviético, ameaçado pelas potências imperialistas cada vez mais agressivas.

A guerra fria já se desenhava no horizonte mesmo durante o desenrolar do conflito mundial, quando os aliados retardaram ao máximo a abertura de uma segunda frente na Europa e os Estados Unidos, sob Truman, decidiram utilizar bombas atômicas contra Hiroshima e Nagazaki. A destruição de duas pequenas cidades japonesas sem nenhuma importância estratégica serviria como advertência aos soviéticos.

O final da guerra também criou um fato novo e alvissareiro. Constituiu-se um campo socialista envolvendo a maioria dos países do Leste Europeu libertados do nazi-fascismo. Campo que foi reforçado com a vitória da Revolução Chinesa e das revoluções nacional-libertadoras na Ásia. A URSS finalmente se via libertada do isolamento imposto pelo imperialismo desde 1917.

O paradigma da Comuna de Paris e o socialismo real
Antes da Revolução Russa existia uma visão generalizada na esquerda socialista de como deveriam ser o Estado e a democracia socialistas. Ela, em grande parte, se baseava em algumas formulações de Marx, Engels e Lênin. O paradigma desses revolucionários era a Comuna de Paris de 1871. Esta primeira experiência socialista de organização estatal se caracterizou, entre outras coisas: pela fusão do poder Executivo e Legislativo; pela adoção do sufrágio universal; pelo princípio eletivo para o poder judiciário; pelo princípio da revogabilidade para todos os cargos eletivos; pleo salário médio de um operário para os membros da Comuna, a burocracia estatal e técnico-especialista; pelo fim do exército permanente e armamento geral do povo.

A Comuna seria um arranjo político-institucional considerado suficiente para evitar a autonomia do Estado e o surgimento de uma burocracia onipotente – sendo assim um passo importante para a eliminação do próprio Estado, como instrumento de dominação e opressão. O Estado-Comuna, pensavam Marx, Engels e Lênin, já não seria um Estado no sentido forte do termo.

No entanto, a Comuna de Paris foi uma experiência curta no tempo e restrita quanto ao espaço geográfico que abrangeu. Durou apenas 72 dias e abarcou Paris e seu entorno. Os comunardos não passaram pela experiência de governar um grande país ainda agrário e com amplos setores antissocialistas no seu interior. Isso, necessariamente, teria acontecido se tivessem derrotado Versalhes (onde se encontrava o governo da contrarrevolução) e vencido o cerco dos exércitos prussianos. Nesta situação, eles teriam que implantar um governo de tipo jacobino ou uma “ditadura do proletariado” nos moldes russos.

Como era de se esperar, após a Revolução de Outubro, o projeto da República Soviética só poderia ter como referência a Comuna de Paris. Infelizmente, as condições históricas não permitiram que os sovietes russos se transformassem em modelos ampliados – em escala nacional ou multinacional – da comuna parisiense.

Os projetos e os programas das organizações revolucionárias são fundamentais. Os socialistas precisam saber claramente o que querem, e prever o que, em condições ideais de pressão e de temperatura, irão realizar. Também é preciso que o povo saiba o que está sendo proposto para a sociedade futura. Essa é a condição para que ele possa aderir conscientemente ao projeto transformador.

Mas, na grande maioria das vezes, a pressão e a temperatura sobem muito acima das condições consideradas ideais e impõem mudanças dramáticas de planos, mudanças abruptas de rotas. Obrigam os revolucionários a seguirem por caminhos até então imprevistos que, em geral, são mais penosos e tortuosos. Assim ocorreu na Rússia soviética e na maioria dos países que trilharam o caminho ao socialismo. Vejamos agora alguns casos nos quais o programa socialista de Outubro teve que se confrontar com realidades bastante adversas e, por isso, ser alterado.

É sabido que não constava do projeto original bolchevique a construção de um sistema político assentado no unipartidarismo. Este, inicialmente, foi uma imposição da sangrenta guerra civil e da ocupação militar estrangeira que se seguiram à revolução. Neste processo os partidos burgueses e pequeno-burgueses se aliaram aos exércitos contrarrevolucionários e foram fechados. Por sua vez, as organizações socialistas pequeno-burguesas, como os social-revolucionários de esquerda e os anarquistas, foram cassadas quando tentaram organizar um golpe de Estado contra o governo soviético, durante as difíceis negociações do Tratado de Brest-Litovsky.

Visando a impedir a assinatura do tratado de paz e assumirem o poder, os social-revolucionários de esquerda – com apoio dos anarquistas – assassinaram o embaixador alemão, explodiram a sede do Partido Comunista em Moscou, matando dezenas de pessoas e ferindo Bukharin. Terroristas social-revolucionários assassinaram Uritsky, comandante da Cheka (polícia política) e atentaram contra a vida de Lênin, Trotsky e outros importantes dirigentes bolcheviques. A esses atentados seguiu-se uma dura repressão contra a “oposição armada”.
O que foi uma fatalidade imposta pela guerra civil acabou, pouco a pouco, sendo racionalizada pela direção partidária e o sistema de partido único se transformou num princípio político-organizativo do próprio socialismo. Todas as experiências socialistas do século XX – com alguma nuance – seguiram aquele modelo monolítico.

O sufrágio universal também não pôde vingar imediatamente. A única tentativa de implantá-lo foi durante a eleição da Constituinte de 1918, que deu maioria aos setores antissoviéticos devido à forte presença da pequena burguesia rural e urbana entre a população russa. Diante desse fato, irremovível em curto prazo, os bolcheviques foram obrigados a implantar o voto qualificado ao revés. O voto do operário passou a valer cinco vezes mais do que o voto do camponês e os proprietários – especialmente os que assalariavam trabalhadores – ficaram proibidos de votar. Medidas que durariam até a década de 1930, quando a burguesia havia sido eliminada como classe e a oposição calada.

Logo após a revolução, os bolcheviques deram-se conta de que a guarda vermelha, composta por trabalhadores fiéis ao regime e sem uma rígida hierarquia, era impotente para enfrentar a poderosa contrarrevolução armada e apoiada pelo conjunto do imperialismo. Então, constituíram, não sem controvérsias, um poderoso exército regular nos moldes tradicionais. Reintroduziram a hierarquia e a rígida disciplina militar (eliminou-se o princípio eletivo, voltaram as patentes e a pena de morte no front). Vários antigos oficiais czaristas retomaram seus postos de comandos – com suas respectivas patentes e altas remunerações. Trotsky foi o principal idealizador e comandante deste novo exército.


Portanto, neste conturbado processo, o controle operário de baixo foi substituído pelo planejamento e controle dos operários pelo alto. Tivemos a volta dos especialistas (técnicos e engenheiros) com salários bem acima do que ganhavam os trabalhadores manuais. Foi restabelecido o poder unipessoal dos gerentes nas fábricas. Trotsky chegou mesmo, levando esta tendência ao extremo, a defender a militarização do trabalho e a subordinação dos sindicatos ao Estado. Estes, decerto, eram tidos como imperativos da produção num país cercado por potências inimigas e que precisava rapidamente desenvolver as suas forças produtivas. A eclosão da Segunda Guerra Mundial e a ocupação da URSS pareciam comprovar integralmente esta tese.

Respostas inadiáveis
Como podemos ver, a experiência real de construção do socialismo não conduziu à redução gradual – rumo à extinção – do Estado, como previsto por Marx, Engels e Lênin. Pelo contrário, na maioria dos casos, ocorreu justamente o inverso. A construção das bases econômica do socialismo se deu assentada no fortalecimento do Estado, inclusive nos seus aspectos mais repressivos.

Tendo em vista esse quadro e se apegando, de forma esquemática e a-histórica, às fórmulas marxistas – transformando-as numa espécie de ideal-tipo weberiano –, várias organizações e intelectuais de esquerda chegaram à conclusão de que não existiram experiências socialistas no século XX. Os comunistas, ao contrário, acreditam que o que existiu na URSS e no Leste Europeu – com seus acertos e erros – foi o socialismo – ou, como afirmou o controverso líder soviético Leonid Breznev, o “socialismo realmente existente” (sorex). Uma fórmula plena de sentido – afinal, de fato, existiu um socialismo idealizado e aquele que foi concretamente construído em diversos países.

O socialismo em sua existência real pode assumir diversas configurações políticas e econômicas. Sendo este, no essencial, um modo de produção no qual, em maior ou menor ritmo, os principais meios de produção passam a ser propriedade coletivo-estatal (e não privada), e no qual o poder político está nas mãos de forças políticas interessadas em transitar ao socialismo, rumo ao comunismo. Sabemos o quanto este último item está sujeito a uma forte dose de subjetivismo.


O socialismo é um período longo de transição que conhecerá várias fases – difícil de serem determinadas de antemão. E, nas suas fases iniciais, conviverá com relações econômicas, políticas e sociais ainda não-socialistas. Lênin, como Marx e Engels, sabia da necessidade da convivência durante certo período do socialismo com o mercado. O socialismo, em última instância, é a negação – entendida como superação – do Estado e do mercado; mas, ao mesmo tempo e contraditoriamente, precisará deles para se desenvolver numa dialética nem sempre fácil de ser compreendida e muito menos resolvida no plano teórico e prático.


Sem dúvida, houve um crescimento acentuado das forças produtivas durante a vigência do socialismo na URSS – num ritmo superior ao dos países capitalistas –, mas, ao contrário do que se podia esperar, não houve, no mesmo ritmo, o crescimento do atendimento das necessidades materiais das massas trabalhadoras. Neste campo, o socialismo continuou aquém dos países capitalistas centrais, como EUA, Inglaterra, França e Alemanha Ocidental. A URSS, apesar de ter se tornado a 2ª potência industrial e militar do mundo, continuou sendo, contraditoriamente, uma sociedade de escassez.
Por que uma economia que conseguiu superar a dos Estados Unidos no setor aeroespacial nas décadas de 1950 e 1960, foi perdendo o seu dinamismo até entrar em colapso no início da década de 1990? Por que não conseguiu deixar de ser uma sociedade de relativa escassez, pelo menos quando em comparação aos países capitalistas centrais?


Podemos até entender a necessidade de um Estado forte para impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas em países relativamente atrasados. Mas, como explicar a manutenção dos mecanismos antidemocráticos após o processo de industrialização e modernização destas sociedades? Por que os “socialismos reais”, passada a fase embrionária, não puderam se constituir como democracias diretas e/ou participativas nos moldes da Comuna de Paris?


Sabemos que o fetiche da sociedade de consumo e da democracia liberal, incrementado por uma ativa propaganda ocidental, ajudou a selar a sorte daquelas importantes experiências históricas. Isso pode ser claramente constatado no processo de unificação alemã e nas grandes manifestações antissocialistas que varreram o Leste Europeu naqueles anos fatídicos. As massas davam vivas à liberdade e invadiam os supermercados da Alemanha Ocidental.


Esses são problemas teóricos e políticos que não conseguiram ser resolvidos satisfatoriamente e, não o sendo, engendraram uma crise na teoria e na prática socialista. Portanto, superar esta dupla crise é uma necessidade premente das forças políticas e sociais que desejam relançar em outro patamar o projeto socialista no século XXI. Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário, mas sem movimento revolucionário também não é possível desenvolver plenamente a teoria. O marxismo nos ensinou que teoria e prática social não são realidades estanques – estranhas entre si –, elas se completam e se enriquecem, mutuamente, na luta por um mundo novo.
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* Este artigo foi publicado no livro O capitalismo contemporâneo e a nova luta pelo socialismo (Ed. Anita Garibaldi), resultado de um texto apresentado no seminário de mesmo nome, promovido pelo Instituto Maurício Grabois, em novembro de 2007, na comemoração dos noventa anos da Revolução Russa. O título original era Os dilemas da revolução soviética, mudado para não confundir com meu último artigo divulgado: “Lênin e os dilemas da Revolução Russa”.

* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira e Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos publicados pela Editora Anita Garibaldi.

Bibliografia

- AMAZONAS, João. Os desafios do socialismo no século XXI. São Paulo: Anita Garibaldi, 2006.

- AMAZONAS, João e outros. O significado da revolução socialista de 1917. Edição CES, 1997.

- BERTELLI, Antônio R. Capitalismo de Estado e Socialismo. IPSO/IAP, 1999.

- FERNANDES, Luís. URSS: ascensão e queda. São Paulo: Anita Garibaldi, 1991.
_______. O enigma do socialismo real. Mauad, 2000.

_______. “O desafio da democracia e da produtividade no socialismo” (entrevista). In: Princípios, nº 92, out./nov. de 2007.

- LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. São Paulo: Hucitec, 1986.

_______. Estado, ditadura do proletariado e poder soviético (organizado por Antônio Bertelli). São Paulo: Oficina de Livros, 1988.

- LOSURDO, Domenico. “Marx, Cristóvão Colombo e a revolução de outubro”. In: Princípios, nº 92, out./nov. de 2007.

_______. Fuga da história? São Paulo: Revan, 2004.

- MARX, Karl. A Guerra Civil em França. Lisboa: Avante, 1984.

- RABELO, Renato. “A nova luta pelo socialismo”. In: Princípios, nº 92, out./nov. de 2007.
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José Serra e o "bovarismo" do PSDB

Por Antônio Mello, em seu blog:

José Serra não conseguiu se eleger prefeito de São Paulo, onde conta com uma rejeição de 50%. Praticamente escorraçado do partido a que é filiado, chegou a levantar a hipótese de se transferir para o PPS, tal sua rejeição entre correligionários e eleitores.

No entanto, a mídia corporativa continua a segui-lo, como fieis à procura da salvação, porque, endividada e sem perspectivas de recuperação, sabe que só Serra e PSDB a mantêm sobrevivendo, graças a aquisições de exemplares de jornais, revistas e material didático.

Só isso explica a presença do "cadáver adiado" (apud Fernando Pessoa), dia sim, outro também, no noticiário.

A nova matéria foi feita num, vejam só, encontro marcado pela juventude tucana (uma contradição em termos), em que José Serra deitou falação sobre o PSDB, com o objetivo (apoiado pela mídia) de detonar a candidatura do presidente do Partido Aécio Neves.

Dito engenheiro e economista, sem diploma e reconhecimento por nenhuma das duas categorias, sem cargo público ou trabalho declarado, e ainda sem dar explicação alguma sobre as inúmeras e graves acusações que lhe são feitas no livro Privataria Tucana, de Amaury Ribeiro, Serra aproveitou o excesso de tempo livre para dizer que o PSDB sofre de bovarismo:

"Que me desculpem as mulheres, pois a coisa é mais complexa do que isso. Mas o problema da Madame Bovary é querer ser aceita pelo outro lado. Ela vai à loucura, quebra a família e trai o marido com Deus e todo mundo para ser aceita. O PSDB tem um pouco do bovarismo, de precisar ser aceito pelo PT".[Fonte]
Pulando a hilária afirmação de que "o problema da Madame Bovary é querer ser aceita pelo outro lado", vamos ver se o PSDB tem mesmo um pouco de bovarismo.

Bovarismo é um conceito criado por Jules de Gaultier (em Le bovarysme, la psychologie dans l’oeuvre de Flaubert), a partir do personagem Emma Bovary, do romance Madame Bovary, de Gustave Flaubert. “Emma personificou essa doença original da alma humana, para a qual seu nome pode servir de rótulo, se entendermos por ‘bovarismo’ a faculdade que faz o ser humano conceber a si mesmo de outro modo que não aquele que é na verdade”. Ou seja, o bovarismo consiste em “se imaginar diferente do que se é”.

Este conceito acabou adotado pela psicologia, com um sentido mais amplo, como uma pessoa que vive uma fantasia de si, diferente daquilo que é, e vive de acordo com essa fantasia e em desacordo com a realidade.

Vamos transportar essa noção para o campo político, para exemplificar: Imaginemos uma pessoa que se julgue a mais preparada para ser presidente da República e que se comporte e dê declarações como se realmente tivesse aquele preparo, aquela importância que só ele mesmo se atribui.

Imagine que essa pessoa, por se ter em tal conta, aja de modo a retirar de seu caminho adversários reais ou imaginários, na busca por alcançar a presidência a que se julga predestinado. Mesmo contra a toda a realidade, mesmo com a imensa rejeição do eleitorado e até do próprio partido. Isso é um caso tipo de bovarismo.

Será que José Serra conhece alguém assim?

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Por falar em bovarismo, Bovary, clique no banner abaixo e dê um pulo na editora, onde você poderá conhecer e comprar meu mais novo livro, o romance Madame Flaubert. Aproveite e dê uma curtida na página do romance, onde você vai conhecer detalhes e trechos dele e também informações sobre Madame Bovary, de Gustave Flaubert: http://on.fb.me/1aOWRqC
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Dilma e o TCU: O que é imoral?

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Dilma Rousseff tem razão ao condenar a recomendação do Tribunal de Contas da União, que pede a paralisação de sete grandes obras em andamento no país e a retenção parcial de recursos para oito empreendimentos.

Estamos falando de investimentos de bilhões de reais, um dinheiro do povo, que deve voltar a ele na forma de melhorias que estão sendo pagas através de impostos que, como nós sabemos, costumam atingir especialmente o bolso dos mais pobres.

As obras envolvem investimentos necessários. Incluem trechos da Ferrovia Norte-Sul e também da Leste-Oeste, esgotamento sanitário no Piauí, pontes e rodovias, uma refinaria de petróleo em Pernambuco, trens urbanos em Fortaleza e em Salvador. Tudo aquilo que se diz, todos os dias, que o país precisava para ontem e anteontem.

Não conheço nenhuma análise capaz de demonstrar que elas não irão beneficiar nossa infraestrutura, uma carência tão óbvia de nosso desenvolvimento que em breve será estudada por crianças de jardim de infância.

O debate é outro. O TCU encontrou indícios de irregularidades e, em nome delas, pretende que sejam paralisadas. Assim, como se fosse um esporte. Para empregar um termo jurídico, as hipóteses do TCU não foram transformadas em acusação, não viraram denúncia, não foram provadas e tampouco transitaram em julgado. Ainda assim, tenta-se parar as obras de qualquer maneira.

É irracional.

Caso se demonstre que as irregularidades não eram tão irregulares assim, os trabalhos podem ser retomados – dentro de meses, anos, quem sabe décadas.

Mas como é sempre possível encontrar indícios que levem a outros indícios, a paralisação pode se arrastar indefinidamente. Enquanto isso, as obras ficarão mais caras – caso não sejam abandonadas no meio do caminho. Boa parte do trabalho já feito terá de ser refeito. O desperdício ficará ainda maior.

Será uma boa ideia?

Não acho. Creio que ninguém tem dúvidas de que a busca do bem-estar da população é o primeiro princípio moral para toda atividade política legítima.

Desse ponto de vista, o mais adequado é fazer o possível para levar um investimento até o fim, tomando as providências cabíveis na medida em que as irregularidades sejam efetivamente comprovadas.

Os responsáveis podem ser obrigados, inclusive, a devolver recursos que foram desviados.

Pode não ser a solução ideal, mas, na prática, é o mal menor. Em qualquer caso, aprende-se também no jardim de infância que a interrupção de uma obra serve, inclusive, para novas chantagens para que seja retomada de qualquer maneira.

Veja-se o caso do metrô paulistano.

É cada vez mais difícil negar que ele foi construído por empresas cartelizadas, que pagavam propinas para autoridades.

Lembrando que as primeiras irregularidades já eram conhecidas há duas décadas, pergunto se teria sido uma boa ideia suspender a construção do metrô até que tudo fosse esclarecido. Imagino quantas estações não teriam sido construídas, quanta linhas teriam sido paralisadas – e tento fazer uma ideia de como milhões de paulistanos estariam se virando para ir de casa para o trabalho. Penso no trânsito, no congestionamento de helicópteros e bicicletas, quem sabe no retorno de charretes à avenida Paulista.

Basta considerar todos os benefícios que o metrô – mesmo superfaturado – oferece à população da maior cidade brasileira para dar a resposta. O erro não foi construir o metrô, apesar dos deslizes e desvios, mas deixar de apurar as irregularidades e desvios quando eles foram descobertos.

É certo que teremos, agora, com as denuncias do TCU, uma pressão muito maior pela interrupção imediata.

A questão é política. Pode-se até imaginar que, como subproduto da insanidade ideológica dos fanáticos pelo Estado mínimo, pretende-se impedir os poderes públicos de levantar até aqueles investimentos que a iniciativa privada não tem a menor possibilidade de colocar de pé com seus próprios meios. Não duvide da ousadia de personalidades cada vez mais distantes da vida real e das aflições da maioria dos brasileiros. Sem votos junto a maioria do eleitorado, eles tentarão se valer de qualquer instrumento, inclusive um tribunal, para impedir qualquer iniciativa que possa beneficiar seus adversários.

Em ano pré-eleitoral, interessa à oposição bloquear investimentos que possam render melhorar a qualidade de vida da população e, por essa razão, engordar o cesto de votos do governo. E vice-versa. Isso vale para Dilma, mas também para todo governador, todo prefeito, que procura fazer não mais do que sua obrigação de melhorar as condições de vida da população.

A opção contrária é simples. Deixar o dinheiro dos impostos render juros para quem aplica na especulação financeira.

Esta atitude representa uma tentativa de boicote ao desenvolvimento do país.

Quem perde, na prática, é a população que deixará de receber melhorias e serviços que já foram pagos.

E isso é verdadeiramente imoral.
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