Ditaduras, relativismo moral e a necessidade de métodos brutais para se atingir o socialismo
Veja abaixo as manchetes de quatro obituários publicados pelo The New York Times, o mais influente jornal da esquerda chique. A primeira manchete relata o obituário do ditador anticomunista Augusto Pinochet. As outras três são os obituários dos comunistas Mao, Stalin e Lênin, autênticos genocidas. Gentileza observar quantos são descritos como tendo 'governado pelo terror'.
11 de dezembro de 2006: Augusto Pinochet, Ditador que Governou pelo Terror o Chile, morre aos 91
10 de setembro de 1976: . . . Mao Tsé-tung Morre em Pequim aos 82; Líder da Reveolução Vermelha da China
6 de março de 1953: Stálin Emergiu da Opressão Czarista para transformar a Rússia em um Poderoso Estado Socialista; IMPLACÁVEL NA BUSCA POR SEUS OBJETIVOS
Em todas essas manchetes encontramos condenação rematada e absoluta a apenas um ditador. Um que foi relativamente brando no que tange a ditaduras, mas que era anticomunista; sua principal característica foi seu governo pelo "Terror".
Em contraste, no caso dos genocidas comunistas, observa-se uma tolerância acrítica nas manchetes, em conjunto com uma zelosa recusa à menção dos terrores incalculavelmente maiores que eles causaram. Assim, Mao foi o "Líder da Revolução Vermelha da China"; Stálin supostamente transformou "a Rússia em um Poderoso Estado Socialista"; e o funeral de Lênin foi descrito como um fenômeno de entusiasmo beirando a adoração: "...CAIXÃO CARREGADO POR OITO QUILÔMETROS, Membros do Conselho de Comissários Cambaleiam sob o Peso do Caixão, Recusando-se a Utilizar Suportes..."
O caso chileno
A reação da imprensa mundial e dos intelectuais de esquerda quando da morte de Augusto Pinochet relembrou-me que, além da fábula de Papai Noel e suas renas, há uma outra fábula ainda vigorosamente presente no mundo atual. E, ao passo que a fábula de Papai Noel é inocente, servindo apenas para entreter crianças pequenas, essa outra definitivamente não tem nada de inocente; ela é puramente maliciosa. Trata-se da fábula de que aqueles que são responsáveis por tentar socializar o sistema econômico de um país, como os marxistas do governo chileno de Salvador Allende, são bem intencionados e, por isso, merecem estar imunes de todo e qualquer malefício corporal, além de certamente não merecerem jamais ser mortos.
De acordo com essa fábula, em um país como o Chile sob o governo Allende, garotos e garotas marxistas cantavam e dançavam alegremente, seus rostos resplandecentes de amor pelos oprimidos, enquanto se dedicavam à jubilosa tarefa de construir um sistema econômico socialista. É claro que, como em toda fábula, sempre existem forças negras que conspiram contra essa alegria: repetidamente, onde quer que esses inocentes e felizes marxistas tentam efetuar sua obra caritativa — na Rússia soviética, na China comunista, em Cuba e em todos os outros vários satélites — empobrecimento, miséria, escravidão e genocídios sempre teimam em ocorrer.
Porém, de acordo com a fábula, é claro que tais acontecimentos nada têm a ver com a natureza do socialismo e com as ações dos marxistas que tentam estabelecê-lo. O infortúnio simplesmente acontece. De maneira igualmente inexplicável — a menos que seja simplesmente por sua natureza puramente má —, homens malvados e sórdidos aparecem do nada e, sem nenhum motivo aparente, se opõem aos inocentes marxistas, espancam-nos e matam-nos, como fizeram os soldados de Pinochet no Chile em resposta à tentativa dos marxistas de socializar a economia daquele país. O horror! Que afronta contra bons e inocentes marxistas! Tal tipo de maldade certamente merece ser severamente punida!
Fim da fábula. Agora, a realidade.
O Chile na época do golpe militar estava imerso no caos econômico. O presidente Allende, apesar de ter sido eleito com apenas 36% dos votos válidos (a direita teve 34,9% e os social-democratas, 27,8%), estava agressivamente implementando um programa econômico puramente marxista, como até mesmo o amplamente hostil obituário do The New York Times admite: "um programa socialista de confisco e estatização de minas, bancos e indústrias estratégicas; divisão e repartição de grandes propriedades rurais em fazendas comunais; e controle absoluto de preços". Não surpreendentemente, tais medidas, como o próprio Times reconhece, "rapidamente resultaram em acentuados declínios na produção, escassez absoluta de bens de consumo e inflação explosiva."
Ademais, Allende centralizou e nacionalizou a educação e o sistema de saúde, distribuiu benefícios para seus aliados políticos e inflacionou alucinadamente a oferta monetária, o que levou ao colapso de toda a economia e ao endividamento maciço seguido do calote. A inflação de preços foi combatida com o típico e anacrônico recurso do congelamento, o que deixou lojas e supermercados com prateleiras vazias, além de gerar revolta em todos os proprietários e empreendedores do país.
Hoje sabe-se que havia até mesmo um projeto que parece ter saído direto de um livro de ficção científica, levando ao paroxismo tudo aquilo com que Marx sempre sonhou: uma economia centralmente planejada por um computador gigante.
Com tudo isso, resta a pergunta: é realmente crível que não houve violência nesse processo de confiscos? Nenhum sofrimento humano?
A questão essencial a ser julgada é que estava em andamento um maciço processo de confisco armado sendo conduzido pelo governo Allende. O regime possuía milícias armadas que eram utilizadas para saquear e confiscar a propriedade das pessoas, sendo que o critério para tal era exatamente aquele definido por Marx: qualquer um que se enquadrasse na descrição de 'burguês'. De acordo com o obituário do The Wall Street Journal, o regime estava agindo em claro desacato à Suprema Corte chilena, que o havia denunciado por seu "deliberado e obstinado desprezo por decisões judiciais", o que criou a ameaça de um "iminente colapso de toda a legalidade."
O direito de se defender
Enquanto os marxistas se limitam apenas a escrever, falar e fantasiar a destruição do capitalismo e o consequente estabelecimento do socialismo, eles têm todo o direito de serem deixados em paz e não sofrerem qualquer tipo de moléstia, assim como tem esse mesmo direito qualquer outra pessoa que não agride ninguém a não ser ela própria. Porém, quando os marxistas saem de suas fantasias e começam a colocá-las em prática no mundo real, cometendo confiscos e roubos à mão armada, então tal ato cancela seus direitos à não agressão, inclusive seu direito à vida.
O direito à vida, à liberdade e a não ter sua propriedade confiscada, o qual todos os homens possuem, carrega consigo o direito à autodefesa. O exercício do direito à autodefesa inclui a morte daqueles que representam uma ameaça iminente à vida de uma pessoa. Isso inclui matar aqueles que são uma ameaça iminente à vida de um indivíduo que está apenas tentando defender sua propriedade. Ladrões armados querendo confiscar propriedades sempre representam essa ameaça, sejam eles marxistas ou não.
Contrariamente ao que pensam vários intelectuais de esquerda, comunistas não têm o direito de matar dezenas de milhões de pessoas inocentes. Mais ainda: eles não têm o direito de reclamar quando suas almejadas vítimas reagem, impedem suas ações e, nesse processo, matam alguns comunistas.
Se os marxistas que apanharam e morreram no Chile quisessem de fato evitar tal destino, eles deveriam simplesmente ter ficado em casa escrevendo livros e artigos, ou fazendo palestras, ou organizando marchas e protestos pacíficos. Eles certamente não deveriam ter feito planos para saquear a propriedade de terceiros.
Quanto ao general Pinochet, ele ao menos merece ser lembrado como o homem que impediu que seu país se tornasse o segundo satélite soviético no Ocidente, após a Cuba de Fidel Castro. E, assim como Cuba e a União Soviética, uma ditadura totalitária com uma população empobrecida e faminta.
O general certamente não era nenhum anjo. Nenhum soldado pode ser. Ele foi repetidamente denunciado pela morte ou desaparecimento de mais de 3.000 cidadãos chilenos, além de acusado pela tortura de outros milhares. É bem provável que um número substancial de chilenos inocentes tenha morrido ou desaparecido ou sofrido tratamentos brutais como resultado das ações de Pinochet. Porém, em uma batalha para se evitar a imposição de uma ditadura comunista, é algo incontestável que a maioria daqueles que morreram ou sofreram torturas estavam preparados para infligir um número excepcionalmente maior de mortes e uma escala avassaladoramente maior de sofrimento aos seus conterrâneos.
A morte e o sofrimento desses propensos totalitários não deve ser lamentada, assim como não se deve lamentar as mortes de Lênin, Stálin, Hitler e seus respectivos auxiliares. Tivesse havido um general Pinochet na Rússia em 1918 ou na Alemanha em 1933, as pessoas daqueles países, assim como o resto do mundo, estariam incomparavelmente melhores, exatamente em virtude da morte, desaparecimento e concomitante sofrimento de um vasto número de comunistas e nazistas. A vida e a liberdade são positivamente auxiliadas pela morte e o desaparecimento desses seus inimigos mortais. A ausência destas pessoas significa a ausência de coisas como campos de concentração e genocídios, e isso obviamente é algo que deve ser ardentemente desejado.
Quanto a todas as pessoas inocentes que morreram no Chile, seu destino deveria ser imputado principalmente aos conspiradores comunistas que queriam impor sua ditadura totalitária. Como dito, as pessoas têm o absoluto direito de reagir e defender suas vidas, liberdade e propriedade contra um levante comunista. Nesse processo, não se pode esperar que elas façam as distinções presentes em um processo judicial. Elas precisam agir rapidamente e decisivamente para remover as ameaças. Essa é a natureza de uma guerra de reação. O cruel destino de inocentes, em sua grande maioria pessoas que não puderam ser distinguidas do inimigo, é responsabilidade dos comunistas. Caso eles não tivessem tentado impor sua ditadura totalitária, não haveria qualquer necessidade de uso de força e violência para impedi-los. Consequentemente, os inocentes não teriam sofrido.
Por fim, vale lembrar que o general Pinochet voluntariamente renunciou à sua ditadura. Ele fez isso após ter logrado dois êxitos: impedir uma tomada comunista e impor vastas reformas pró-livre mercado na então completamente combalida economia chilena. O efeito dessas reformas foi o transformar o Chile na mais próspera economia da América Latina. De acordo com as palavras do hostil obituário do The New York Times, o ditador utilizou seu poder para "determinar limites, por exemplo, nos debates sobre políticas econômicas, frequentemente alertando que não toleraria um retorno a medidas estatizantes". Isso o tornou o único ditador não estatista em todo o mundo.
Uma palavra sobre ditaduras
Assim como as guerras, ditaduras necessariamente são um malefício. Como as guerras, uma ditadura só pode ser justificada quando é absolutamente necessária para impedir um malefício excepcionalmente maior do que a própria ditadura e contra o qual não restam mais medidas de curto prazo. No caso chileno, o malefício excepcionalmente maior era a imposição de uma outra ditadura permanente, muito mais abrangente e severa: a ditadura comunista.
Não obstante o fato de que o general Pinochet utilizou seus poderes de ditador para implementar grandes reformas pró-livre mercado, a ditadura jamais deve ser vista como um meio justificável para a implantação de tais reformas, por mais necessárias e desejáveis que elas sejam. A ditadura é a mais perigosa das instituições políticas e facilmente produz resultados catastróficos. Isso porque um ditador não está restringido por nenhuma discussão ou debate público, o que facilmente o permite levar o país a desastres que poderiam ter sido evitados caso houvesse a liberdade de se criticar suas ações e de se fazer oposição a elas. E mesmo quando suas políticas parecem estar certas, o fato de que elas são impostas contrariamente à opinião pública apenas faz aumentar a impopularidade delas, dificultando ainda mais qualquer necessidade de mudança permanente.
Com base nessas considerações, quando perguntado o que faria caso fosse apontado ditador, Ludwig von Mises respondeu: "Eu renunciaria".
A necessidade de métodos brutais para se atingir o socialismo
Por que o socialismo jamais pode ser aplicado consensualmente? Por que os comunistas chilenos tiveram de implantar seu sonhado modelo à força?
Comecemos considerando os meios empregados para se alcançar o socialismo. De imediato, observamos dois fenômenos que não são dissociados um do outro. Primeiro: onde quer que o socialismo tenha sido implantado, como nos países do bloco comunista e na Alemanha nazista, métodos violentos e sanguinários foram utilizados para impô-lo e mantê-lo. Segundo: nos países onde partidos socialistas chegaram ao poder mas se abstiveram de violência e derramamento de sangue, como na Grã-Bretanha, em Israel ou na Suécia, eles não implementaram o socialismo de fato, mas conservaram a chamada economia mista, a qual eles não alteraram radicalmente nem fundamentalmente. Consideremos as razões para esses fatos.
Mesmo que um governo genuinamente socialista fosse eleito democraticamente, seu primeiro ato de governo ao implantar o socialismo teria de ser um ato de enorme violência, qual seja, a expropriação a força dos meios de produção. A eleição democrática de um governo socialista não alteraria o fato de que o confisco de propriedade contra a vontade dos proprietários é um ato de força. Uma expropriação à força da propriedade baseada no voto democrático é tão pacífica quanto um linchamento também baseado no voto. Trata-se de uma violação primordial dos direitos individuais. A única maneira de o socialismo realmente ser implantado por meios pacíficos seria com os donos de propriedade voluntariamente doando sua propriedade ao estado socialista. Porém, pense nisso. Se o socialismo tivesse de esperar que os donos de propriedade doassem voluntariamente sua propriedade para o estado, este certamente teria de esperar para sempre. Logo, se o socialismo tem de ser implementado, então ele só pode existir por meio da força — e força aplicada em escala maciça, contra toda a propriedade privada.
Ademais, no caso da socialização de todo o sistema econômico, em contraposição à socialização de uma indústria isolada, é impossível criar alguma forma de compensação para os donos das propriedades confiscadas. No caso de uma estatização isolada, o governo pode compensar os proprietários destituídos simplesmente tributando o restante dos donos de propriedade. Mas se o governo confisca todas as propriedades, e simplesmente abole a propriedade privada, então não há nenhuma possibilidade de compensação justa. O governo simplesmente rouba a propriedade de todos, por completo. Nessas circunstâncias, os donos de propriedade irão quase que certamente resistir e tentar defender seus direitos — pela força, se necessário —, e estariam totalmente corretos em agir assim.
Isso explica por que apenas os comunistas conseguem implantar o socialismo, e por que os social-democratas sempre fracassam em suas tentativas. Os comunistas, com efeito, sabem que têm de ir a campo e roubar toda a propriedade dos homens. E sabem também que, se quiserem ser bem sucedidos nessa empreitada, é melhor irem armados e preparados para matar os donos de propriedade, os quais certamente tentarão defender seus direitos (daí a importância de se desarmar a população para se implantar um estado totalitário). Os social-democratas, por outro lado, são hesitantes e acabem sendo contidos pelo medo de tomar essas medidas necessárias para se chegar ao socialismo.
Em suma, os fatos essenciais são esses. O socialismo necessariamente deve começar com um enorme ato de confisco. Aqueles que querem seriamente roubar devem estar preparados para matar aqueles a quem eles planejam roubar. Assim sendo, os social-democratas são meros vigaristas e batedores de carteira, que se ocupam em proferir palavras vazias sobre o dia em que finalmente implantarão o socialismo, mas que saem em desabalada carreira ante o primeiro sinal de resistência oferecido por suas almejadas vítimas. Os comunistas, por outro lado, levam muito a sério a implantação do socialismo. Eles são assaltantes armados preparados para matar. É por isso que os comunistas conseguem implantar o socialismo. Dentre esses dois, apenas os comunistas estão dispostos a empregar os meios sanguinolentos necessários para implantar o socialismo.
Sendo assim, torna-se claro por que todos os livros, palestras e protestos pacíficos do mundo são incapazes de algum dia implantarem o socialismo: eles jamais irão persuadir o número necessário de pessoas a doarem voluntariamente sua propriedade ao estado socialista. Portanto, todas essas medidas "intelectuais" serão necessariamente fúteis, pelo menos até o ponto em que tudo descambe em ação violenta.
A implicação de tudo isso é que, a menos que os marxistas possam se tornar satisfeitos com a atual situação, assim como os social-democratas aparentemente aprenderam a ser — com medidas econômicas apenas parciais rumo ao seu objetivo, tais como a criação e a expansão do estado assistencialista, regulador e vorazmente tributador —, eles estarão fadados à frustração permanente. Ao mesmo tempo, aqueles dentre eles que continuarem comprometidos com a realização do seu objetivo — isto é, o real socialismo — certamente não irão tolerar tal frustração permanentemente. Pela lógica, é de se supor que, em algum momento, quase que inevitavelmente, eles irão descambar para a ação violenta, pois essa é a única maneira na qual eles podem de fato realizar seu objetivo.
Tais marxistas, como os socialistas — os sérios e dedicados —, não são de modo algum santos ou mártires incriticáveis, mas sim pessoas perigosas e com uma mentalidade criminosa.
Tradução de Leandro Augusto Gomes Roque
INSTITUTO LUDWIG VON MISSES BRASIL