Pior, só de parabelo
Poucas vezes se usou linguagem tão dura em relação aos banqueiros fora de panfletos da extrema-esquerda, mas trata-se de um grande jornal liberal. Visto que os calçados Gucci substituíram as cartolas vitorianas como símbolos dos magnatas financeiros, “Meliantes de Mocassim” (Looters in Loafers, no original) foi a expressão de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia e um dos astros do New York Times na sua coluna de 19 de abril.
O Goldman Sachs, o mais lucrativo banco de investimentos da história e o único dos “quatro grandes” de Wall Street a manter sua independência após a crise, teria surrupiado ao menos 1 bilhão de dólares. O fundo Magnetar foi acusado de operação similar em escala ainda maior pela ProPublica, uma respeitada agência de jornalismo sem fins lucrativos. Receia-se – e afirma-se – que é só a ponta do iceberg de um escândalo comparável ao de Bernard Madoff em 2008, que fraudou investidores em cerca de 50 bilhões de dólares.
Muitos bancos venderam títulos lastreados em hipotecas subprime, de risco de inadimplência alto e, ao mesmo tempo, criaram derivativos que apostavam na queda desses títulos, o que era eticamente duvidoso, mas não ilegal. O Goldman Sachs passou dos limites, segundo a SEC (equivalente estadunidense da CVM), por vender títulos propositalmente concebidos para beneficiar um cliente à custa de outros, sem que esses pudessem saber disso.
No início de 2007, o fundo de hedge Paulson & Co., dirigido por John Paulson, foi ao Goldman interessado em apostar pesado no estouro da bolha imobiliária. Para isso, precisava de um número suficiente de otários dispostos a apostar no contrário, no crescimento indefinido do mercado. O banco o atendeu lançando 2 bilhões de dólares em títulos chamados Abacus. O banco mentiu aos compradores, dizendo-lhes que um terceiro, o ACA Management, selecionara os títulos que lastreavam os Abacus. Na verdade, Paulson escolhia os piores papéis possíveis e o ACA os referendava. Ao mesmo tempo, o banco iludiu o ACA Management, dizendo-lhe que Paulson seria um comprador.
Um pouco como se uma concessionária aceitasse gorjeta de uma mulher para vender um carro sem freios ao marido para ela receber o seguro de vida. Em janeiro de 2008, 99% desses títulos haviam sido rebaixados, Paulson havia embolsado 1 bilhão, um terço da fortuna que o fez o 368º mais rico do mundo em 2008. Hoje tem 12 bilhões e é o 45º. Pelo serviço, pagou 15 milhões ao Goldman, mas a SEC não o acusou de nada.
Naturalmente, foram os investidores na outra ponta que perderam esse bilhão. A maior perda foi do ABN Amro, que quebrou e teve de ser estatizado, em 2008, passando ao controle do Royal Bank of Scotland (com participações do Banco Santander e o governo da Holanda), que teve de pagar 841 milhões de dólares ao Goldman para livrar-se das dívidas do ABN para com o banco de Wall Street. Outro grande perdedor foi o alemão IKB Deutsche Industriebank, que sofreu perdas de 150 milhões e também faliu. Passou ao controle do estatal KfW, que o revendeu à holding texana Lone Star Funds.
Reino Unido e Alemanha iniciaram suas- próprias investigações. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, acusou o Goldman de “falência moral” e ameaçou reter o pagamento de juros à instituição. Sua colega alemã, Angela Merkel, também avalia um processo legal. O diretor do Goldman londrino que articulou a operação e enganou o ACA, o francês Fabrice Tourre, foi protegido do assédio de clientes e jornalistas com o descredenciamento do órgão regulador e uma licença remunerada e o banco insiste em que ele não fez nada de errado. O Goldman alega em sua defesa que a transação se deu entre grandes investidores profissionais – ou seja, “homem não chora”.
Em 21 de abril, horas depois de o governo britânico anunciar o inquérito oficial, o Goldman anunciou lucros de 3,5 bilhões de dólares no primeiro trimestre, 65% mais que no mesmo período de 2009 e 35% mais que o esperado pelos analistas do mercado. E pagou 5,9 bilhões em bônus a seus executivos.
Igualmente perigosas para as finanças globais, embora não claramente ilegais, foram as operações do Goldman com o governo da Grécia para iludir as autoridades da União Europeia quanto a seu endividamento. As receitas futuras de aeroportos, pedágios e loterias do Estado foram “vendidas” por dinheiro vivo, o que equivale na prática a contrair empréstimos garantidos por essas receitas, mas não se revela como dívida nos demonstrativos oficiais. O JP Morgan realizou operações análogas com a Itália.
O caso do Magnetar é semelhante, diz o ProPublica: apostou contra os próprios papéis que, criados para quebrar, perderam 96% do valor total de 40 bilhões de dólares, enquanto títulos semelhantes de outras instituições perderam 68%. Pessoas com acesso à negociação disseram que o fundo pressionou os nove participantes – incluindo Merrill Lynch (hoje parte do Bank of America), Citi, JP Morgan Chase e o suíço UBS – a escolher os piores ativos. Todos os banqueiros lucraram pessoalmente, mas seus bancos, mesmo sem explicar aos investidores o caráter da operação e da aposta do Magnetar, tiveram dificuldade em vender esses papéis e arcaram com parte do prejuízo.
Segundo a SEC e o ProPublica, neste caso não se tentou ocultar os responsáveis pela escolha e não houve ilegalidade óbvia. Mas isso só reforça a necessidade de regulamentos mais severos para o setor financeiro, no momento em que o debate começa a se tornar mais sério no Congresso dos EUA. Os republicanos prometiam bloquear a discussão, mas, em 21 de abril, dois dos seus senadores anunciaram estar dispostos a negociar um acordo.
Pode ser apenas uma maneira de ganharem tempo até o caso sair das manchetes e voltar a atacar a proposta como “socialista”. Assim se fez com a reforma da saúde, apesar de meses de negociações para tentar conseguir o apoio de dois ou três republicanos. As bases de direita populista do “Tea Party” detestam Wall Street tanto quanto o governo federal, mas dificilmente esses políticos abrirão mão das doações de banqueiros para garantir seu voto.
Via CartaCapital