De certo modo, falar de um direito universal à vida não parece muita inovação. A mudança parece ser uma questão de forma. A maneira anterior de expressar o tema era que existe uma lei natural contra tirar vidas inocentes. Ambas as formulações parecem proibir as mesmas coisas. A diferença, porém, não está no que é proibido, mas no lugar do sujeito. A lei é aquilo a que devo obedecer. Ela pode me assegurar alguns benefícios, no caso a imunidade de que também minha vida deve ser respeitada; mas, fundamentalmente, estou sob a lei. Em contraste, um direito subjetivo é alguma coisa em relação à qual o possuidor pode e deve agir para colocá-la em vigor. Atribuir a alguém uma imunidade, antes dada pela lei natural, na forma de um direito natural é dar-lhe um papel no estabelecimento e aplicação dessa imunidade. Agora, sua participação é necessária e seus graus de liberdade são correspondentemente maiores. No limite extremo destes, pode-se até renunciar a um direito, derrotando assim a imunidade. Eis porque Locke, a fim de excluir essa possibilidade no caso de seus três direitos básicos, teve de introduzir a noção de “inalienabilidade”. Nada semelhante a isso era necessário na formulação da lei natural anterior, porque essa linguagem, por sua própria natureza, exclui o poder de renúncia.– Charles Taylor, As fontes do self: a construção da identidade moderna, 2. ed., trad. A. U. Sobral e D. De A. Azevedo, São Paulo: Loyola, 2005 [1989], p. 25.
A autônoma subjetividade moderna
RECEITA PARA A LIBERDADE DE EXPRESSÃO
.
Por Urariano Mota
.
Clique para ver...
Por Urariano Mota
.
“Em seminário promovido pelo Instituto Millenium em SP, representantes dos principais veículos de comunicação do país afirmaram que o PT é um partido contrário à liberdade de expressão e à democracia. Eles acreditam que se Dilma for eleita o stalinismo será implantado no Brasil”, assim começava o esclarecedor texto de Bia Barbosa, no site Carta Maior, esta semana. Por isso, decido expor aqui uma receita para a liberdade de expressão que nos salve de Stalin na imprensa brasileira. Como toda boa receita de bolo, há que se começar pelos ingredientes. Que são saudáveis:
.
O povo, com todos seus tentáculos Fascismo, com o nome de Princípio Ativo do Capital Mão forte, para o golpe Democracia, no gênero defesa do mercado Liberdade, para quem sempre a possuiu Ovos de crocodilo, para as lágrimas Ovos de serpente, para o veneno
E farofa, muita farofa, de preferência pronta na saliva.
.
Modus operandi, ou modo de fazer o cremoso criminoso:
.
Na batedeira dos noticiários, bata as claras dos ovos de serpente primeiro, bem unidas, a ponto de se tornarem venenosas só de serem vistas. Faça o mesmo com as claras dos ovos de crocodilos, que devem ficar no ponto do close de lágrimas na imagem e na tinta de pesar dos obituários. Acrescente o açúcar de voz melosa, suave, beatífica, de apresentadoras que de tão boazinhas, puras e pulcras viram santas no Vaticano. Bata por mais 3minutos em cada flash de exposição dessa matéria. Agora ponha as gemas de crocodilos e serpente em deliciosa mistura, junte a Democracia do mercado, Liberdade da classe mais A do Brasil, mais o Princípio Ativo do Capital, que jamais se chamará de Fascismo, e, para dar o gosto e o sabor do passado, da tradição que não falha, agite a mistura com Mão Forte, com golpes rápidos e de surpresa, à semelhança dos ladrões e assaltantes. Isso até formar uma massa homogênea, unida, submetida pela força e pela persuasão da força. Por último, ponha o fermento bem armado e bata e bata, e bata, e golpeie. Despeje a massa numa forma de classe média bem untada de valores familiares e de nossa classe contra o resto do mundo. Asse em frigideiras de reputação bem aquecidas, até fazer a massa dourar pela aceitaçãodo fogo. Reforce o fogo.
.
Os ingredientes da cobertura são simples: farofa e os ovos de serpente que sobraram.
.
Modus operandi da cobertura:
.
Retire as claras para que sejam batidas às escuras, em off. Deixe-as respirar em papel de jornais e revistas, bem expostas na sala durante o tempo dos informativos na televisão. Depois, adorne a cobertura com a frase “eu tenho medo”, em todos os espaços livres da liberdade de expressão. Sirva-a com palavras dramáticas e lágrimas de Regina Duarte. . Sei que a esta altura devem estar perguntando: e o povo, e o povo com todos os seus tentáculos, como está escrito lá em cima nos ingredientes? O que fazer com o povo? Ora, o povo entra nesta receita por figuração estética. É simples. Usa-se o povo e se joga fora. Esta é a nossa receita para a liberdade de expressão, conforme o seminário promovido pelo Instituto Millenium. Jornalistas, editores e donos do pensamento em geral poderão ter com ela a paz de evitar a eleição da Dilma Roussef. É possível que a receita não seja digerível por estômagos mais humanos. Mas com certeza dará um belo bolo.
Debatendo as regras eleitorais e as doações de campanha
Como acontece em todas as eleições, o TSE reinterpreta as leis existentes e define regras no ano eleitoral. Dessa vez, o balanço é positivo, embora o direcionamento das regras ainda é equivocado. Foi acertada a decisão do TSE de acabar com o caixa único partidário, obrigando os partidos políticos a abrirem conta específica para recebimento de doações para as campanhas. Também foi acerto a decisão de disponibilizar no sítio da Justiça Eleitoral informações acerca dos processos judiciais de cada candidato. A certidão criminal eleva a transparência para o eleitor, que terá mais informação para decidir sobre o seu voto.
Outro acerto é a permissão das doações pela internet via cartão de crédito ou de débito. Isso estimula as doações de pessoas físicas, o que é bom para a democracia. O candidato torna-se mais suscetível à pressão do cidadão, reduzindo relativamente o poder das empresas que, em regra, defendem os interesses de seus acionistas, não dos cidadãos. Um sistema democrático eficaz é aquele capaz de proteger o cidadão da voracidade dos interesses corporativos.
No mundo ideal, somente as pessoas físicas deveriam ser doadoras para campanhas eleitorais. As empresas deveriam ser proibidas de doarem para as campanhas eleitorais, na medida em que sua função no sistema capitalista é proporcionar dividendos para os acionistas. Para tanto, precisa seduzir o consumidor, ofertando produto a preço competitivo na melhor qualidade possível. Mas a vida real é mais dura, e as empresas são as grandes doadoras para os partidos realizarem suas campanhas. Na ausência de remédio, o jeito é se adequar e construir regras que reduzam a influência do poder do dinheiro das empresas na política.
A medida mais comentada tomada pelo TSE foi a proibição das chamadas “doações ocultas”, ou seja, a doação dos partidos políticos para os candidatos, não permitindo relacionar entre a empresa doadora e o candidato beneficiado. Como tudo na vida, traz aspectos positivos e negativos. No cômputo geral, acredito que a decisão seja equivocada.
A justificativa é que aumentará a transparência, obrigando os partidos a discriminar a origem e o destino dos recursos repassados aos candidatos e comitês financeiros de campanha. Segundo novo entendimento do TSE, as legendas poderão distribuir os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, mas deverão, obrigatoriamente, discriminar a origem e o destino desses recursos repassados a candidatos e comitês financeiros. Até a última eleição, os financiadores doavam recursos para os partidos, que repassavam para os candidatos, sem identificar a origem.
Alguém acredita que a nova regra resolve o problema da “doação oculta”?
No caso hipotético de uma empreiteira fazer doação para um candidato a deputado por meio do partido político. Na regra anterior, o nome da empreiteira apareceria como doadora para o partido, mas não para o candidato. Na nova regra, em tese, isso deveria aparecer na prestação de contas do candidato beneficiado.
A pergunta é: o partido identificará que tal candidato é o beneficiário do dinheiro daquela empreiteira?
Como o TSE averiguará uma prestação de contas em que esse dinheiro do partido fosse distribuído para 10 outros candidatos. Como provar a relação entre o candidato e a empreiteira? Para não prejudicar o candidato recebedor da empreiteira, poderá o partido alocar dinheiro vindo de outras doações na sua campanha, mantendo o mesmo montante. A prestação de contas de campanha torna ficção, acredite quem quiser!
Também existem doações para partidos que não estão direcionadas a determinado candidato. O partido terá que criar uma vinculação inexistente para cumprir a nova regra? Mais uma vez, a nova regra reforça o individualismo das campanhas eleitorais dos candidatos a cargos no Legislativo, em detrimento dos partidos. Esse individualismo encarece as campanhas e dissocia o candidato do partido. Isso está na contramão da decisão do próprio TSE de que o mandato pertence ao partido, não aos candidatos. Incoerência.
A doação ao partido (“ou doação oculta”) pelas empresas é artifício menos gravoso que o “caixa dois”. Na nova regra, se a empresa quiser mesmo doar ao candidato, mantendo oculta tal relação, poderá ser tentada a recorrer ao “caixa dois”. No entanto, é consenso entre os especialistas que depois da crise do chamado “mensalão” os partidos e as empresas ficaram mais receosos do uso do “caixa dois”. A doação oculta (nem tão oculta assim) foi a maneira encontrada para fugir da vinculação direta entre doador e candidato, mas sem recorrer ao “caixa dois”. Ou seja, dentro da legalidade. Mas qual o verdadeiro problema: a relação candidato x doador ou é a corrupção política?
Uma hipótese por trás desse tipo de decisão é que toda doação a candidato funciona como investimento da empresa, ou seja, a empresa doa para receber algo em troca. Nesse caso, não faz sentido permitir a doação das empresas. Deveria ser simplesmente proibida. O dinheiro dos grupos de interesses (empresas, ONGs, sindicatos, associação de consumidores, etc.) sempre comprará influencia política. Não há remédio para tal problema dentro do sistema democrático de representação política.
Em certo sentido, não há nada de ilegítimo na ação dos grupos de interesse a seu favor. O verdadeiro problema não é esse! É a assimetria de poder que inunda a política com o dinheiro das empresas. Como isso não será atacado, é melhor não desviarmos do foco. Vamos voltar ao “caixa dois” como instrumento de corrupção política, um problema que deveria ser atacado.
O “caixa dois” ou dinheiro não contabilizado tem problema de origem. Ele se origina da prática de “caixa dois” dentro das empresas o que, por si só, já é crime. Mas o grande problema é como separar “caixa dois” para financiamento irregular de campanhas da corrupção pura e simples. Não temos como fazer essa distinção. O candidato sempre poderá alegar que o dinheiro era para financiamento de campanha, mesmo em casos de propina. As empresas que doam para “caixa dois” sabem que parte da doação será literalmente embolsada pelos candidatos, ou seja, não tem nada de financiamento irregular. Corrupção na veia!
A proibição da “doação oculta”, que era um instrumento legal, pode elevar a transparência, mas também pode voltar a crescer o uso do artifício do “caixa dois”. Será que vale a pena correr o risco?
Defendo que devesse ser proibida a doação a candidatos individuais para suas campanhas. Toda doação deveria ser direcionada aos partidos políticos. Pronto! Do total arrecadado, o partido deveria ser obrigado a distribuir um percentual mínimo para cada candidato. Nada impediria que o partido alocasse mais recursos a determinados candidatos.
A motivação para que os partidos distribuírem desigualmente os recursos entre seus candidatos seriam: (i) candidato puxador de votos; (ii) candidato viabilizou a arrecadação de grande soma de recursos de campanha; e (iii) influência do candidato dentro do partido. São questões legítimas, não tem porque exigir igualdade de condições entre competidores do mesmo partido. A desigualdade existente atualmente é bem maior.
Poderia até acabar com prestação de contas individuais dos candidatos, substituindo por uma prestação da campanha do partido, discriminando os gastos de campanha de cada candidato. Ou seja, o partido deveria discriminar a origem dos recursos arrecadados e a destinação desses recursos, inclusive discriminando as despesas dos candidatos individualmente.
A empreiteira hipotética daquele exemplo quando fizesse doação a determinado candidato por meio do partido estaria contribuindo para todos os candidatos daquele partido, mesmo que fosse direcionada maior parcela de recursos para seu candidato. O candidato que se esforçasse para obter recursos das empresas para sua campanha estaria colaborando para a campanha de seus companheiros de partido. Isso é um desincentivo para o individualismo das campanhas, e fortalecia a estratégia de arrecadação partidária no seu conjunto. Os partidos deveriam ser instrumentos mais eficientes de arrecadação de recursos para campanha do que seus candidatos individuais.
Em resumo, o foco da legislação deveria ser combater as doações ilegais, não as legalizadas, como ocorrem nas doações aos partidos para os candidatos. Podem-se criar mecanismos para aperfeiçoá-las, mas a decisão do TSE foi na contramão. O sistema atual de doações é insano. Incentiva os candidatos individuais a competirem vorazmente por recursos de campanha. Isso compromete o sistema democrático, pois deixa todos os políticos sob suspeição. É preciso que as regras reforcem o papel dos partidos no financiamento das campanhas, tirando o foco dos candidatos individuais. A competição política não pode ser somente uma disputa por recursos de campanha entre candidatos.
A medida poderia ser acompanhada de outra igualmente importante: proibição das coligações nas eleições parlamentares. O eleitor ao votar no candidato do PSDB não contribuirá para eleger candidato do PPS ou DEM. Ou ainda, o eleitor que votará no PT, seu voto não servirá para eleger candidato do PMDB. São medidas que fortalecem os partidos e reduzem a influência do dinheiro sobre os candidatos individuais. O equívoco do TSE é não entender a magnitude do problema do individualismo das campanhas. E, assim, trabalhar no sentido de reduzir as distorções do sistema, não o contrário.
Outro acerto é a permissão das doações pela internet via cartão de crédito ou de débito. Isso estimula as doações de pessoas físicas, o que é bom para a democracia. O candidato torna-se mais suscetível à pressão do cidadão, reduzindo relativamente o poder das empresas que, em regra, defendem os interesses de seus acionistas, não dos cidadãos. Um sistema democrático eficaz é aquele capaz de proteger o cidadão da voracidade dos interesses corporativos.
No mundo ideal, somente as pessoas físicas deveriam ser doadoras para campanhas eleitorais. As empresas deveriam ser proibidas de doarem para as campanhas eleitorais, na medida em que sua função no sistema capitalista é proporcionar dividendos para os acionistas. Para tanto, precisa seduzir o consumidor, ofertando produto a preço competitivo na melhor qualidade possível. Mas a vida real é mais dura, e as empresas são as grandes doadoras para os partidos realizarem suas campanhas. Na ausência de remédio, o jeito é se adequar e construir regras que reduzam a influência do poder do dinheiro das empresas na política.
A medida mais comentada tomada pelo TSE foi a proibição das chamadas “doações ocultas”, ou seja, a doação dos partidos políticos para os candidatos, não permitindo relacionar entre a empresa doadora e o candidato beneficiado. Como tudo na vida, traz aspectos positivos e negativos. No cômputo geral, acredito que a decisão seja equivocada.
A justificativa é que aumentará a transparência, obrigando os partidos a discriminar a origem e o destino dos recursos repassados aos candidatos e comitês financeiros de campanha. Segundo novo entendimento do TSE, as legendas poderão distribuir os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, mas deverão, obrigatoriamente, discriminar a origem e o destino desses recursos repassados a candidatos e comitês financeiros. Até a última eleição, os financiadores doavam recursos para os partidos, que repassavam para os candidatos, sem identificar a origem.
Alguém acredita que a nova regra resolve o problema da “doação oculta”?
No caso hipotético de uma empreiteira fazer doação para um candidato a deputado por meio do partido político. Na regra anterior, o nome da empreiteira apareceria como doadora para o partido, mas não para o candidato. Na nova regra, em tese, isso deveria aparecer na prestação de contas do candidato beneficiado.
A pergunta é: o partido identificará que tal candidato é o beneficiário do dinheiro daquela empreiteira?
Como o TSE averiguará uma prestação de contas em que esse dinheiro do partido fosse distribuído para 10 outros candidatos. Como provar a relação entre o candidato e a empreiteira? Para não prejudicar o candidato recebedor da empreiteira, poderá o partido alocar dinheiro vindo de outras doações na sua campanha, mantendo o mesmo montante. A prestação de contas de campanha torna ficção, acredite quem quiser!
Também existem doações para partidos que não estão direcionadas a determinado candidato. O partido terá que criar uma vinculação inexistente para cumprir a nova regra? Mais uma vez, a nova regra reforça o individualismo das campanhas eleitorais dos candidatos a cargos no Legislativo, em detrimento dos partidos. Esse individualismo encarece as campanhas e dissocia o candidato do partido. Isso está na contramão da decisão do próprio TSE de que o mandato pertence ao partido, não aos candidatos. Incoerência.
A doação ao partido (“ou doação oculta”) pelas empresas é artifício menos gravoso que o “caixa dois”. Na nova regra, se a empresa quiser mesmo doar ao candidato, mantendo oculta tal relação, poderá ser tentada a recorrer ao “caixa dois”. No entanto, é consenso entre os especialistas que depois da crise do chamado “mensalão” os partidos e as empresas ficaram mais receosos do uso do “caixa dois”. A doação oculta (nem tão oculta assim) foi a maneira encontrada para fugir da vinculação direta entre doador e candidato, mas sem recorrer ao “caixa dois”. Ou seja, dentro da legalidade. Mas qual o verdadeiro problema: a relação candidato x doador ou é a corrupção política?
Uma hipótese por trás desse tipo de decisão é que toda doação a candidato funciona como investimento da empresa, ou seja, a empresa doa para receber algo em troca. Nesse caso, não faz sentido permitir a doação das empresas. Deveria ser simplesmente proibida. O dinheiro dos grupos de interesses (empresas, ONGs, sindicatos, associação de consumidores, etc.) sempre comprará influencia política. Não há remédio para tal problema dentro do sistema democrático de representação política.
Em certo sentido, não há nada de ilegítimo na ação dos grupos de interesse a seu favor. O verdadeiro problema não é esse! É a assimetria de poder que inunda a política com o dinheiro das empresas. Como isso não será atacado, é melhor não desviarmos do foco. Vamos voltar ao “caixa dois” como instrumento de corrupção política, um problema que deveria ser atacado.
O “caixa dois” ou dinheiro não contabilizado tem problema de origem. Ele se origina da prática de “caixa dois” dentro das empresas o que, por si só, já é crime. Mas o grande problema é como separar “caixa dois” para financiamento irregular de campanhas da corrupção pura e simples. Não temos como fazer essa distinção. O candidato sempre poderá alegar que o dinheiro era para financiamento de campanha, mesmo em casos de propina. As empresas que doam para “caixa dois” sabem que parte da doação será literalmente embolsada pelos candidatos, ou seja, não tem nada de financiamento irregular. Corrupção na veia!
A proibição da “doação oculta”, que era um instrumento legal, pode elevar a transparência, mas também pode voltar a crescer o uso do artifício do “caixa dois”. Será que vale a pena correr o risco?
Defendo que devesse ser proibida a doação a candidatos individuais para suas campanhas. Toda doação deveria ser direcionada aos partidos políticos. Pronto! Do total arrecadado, o partido deveria ser obrigado a distribuir um percentual mínimo para cada candidato. Nada impediria que o partido alocasse mais recursos a determinados candidatos.
A motivação para que os partidos distribuírem desigualmente os recursos entre seus candidatos seriam: (i) candidato puxador de votos; (ii) candidato viabilizou a arrecadação de grande soma de recursos de campanha; e (iii) influência do candidato dentro do partido. São questões legítimas, não tem porque exigir igualdade de condições entre competidores do mesmo partido. A desigualdade existente atualmente é bem maior.
Poderia até acabar com prestação de contas individuais dos candidatos, substituindo por uma prestação da campanha do partido, discriminando os gastos de campanha de cada candidato. Ou seja, o partido deveria discriminar a origem dos recursos arrecadados e a destinação desses recursos, inclusive discriminando as despesas dos candidatos individualmente.
A empreiteira hipotética daquele exemplo quando fizesse doação a determinado candidato por meio do partido estaria contribuindo para todos os candidatos daquele partido, mesmo que fosse direcionada maior parcela de recursos para seu candidato. O candidato que se esforçasse para obter recursos das empresas para sua campanha estaria colaborando para a campanha de seus companheiros de partido. Isso é um desincentivo para o individualismo das campanhas, e fortalecia a estratégia de arrecadação partidária no seu conjunto. Os partidos deveriam ser instrumentos mais eficientes de arrecadação de recursos para campanha do que seus candidatos individuais.
Em resumo, o foco da legislação deveria ser combater as doações ilegais, não as legalizadas, como ocorrem nas doações aos partidos para os candidatos. Podem-se criar mecanismos para aperfeiçoá-las, mas a decisão do TSE foi na contramão. O sistema atual de doações é insano. Incentiva os candidatos individuais a competirem vorazmente por recursos de campanha. Isso compromete o sistema democrático, pois deixa todos os políticos sob suspeição. É preciso que as regras reforcem o papel dos partidos no financiamento das campanhas, tirando o foco dos candidatos individuais. A competição política não pode ser somente uma disputa por recursos de campanha entre candidatos.
A medida poderia ser acompanhada de outra igualmente importante: proibição das coligações nas eleições parlamentares. O eleitor ao votar no candidato do PSDB não contribuirá para eleger candidato do PPS ou DEM. Ou ainda, o eleitor que votará no PT, seu voto não servirá para eleger candidato do PMDB. São medidas que fortalecem os partidos e reduzem a influência do dinheiro sobre os candidatos individuais. O equívoco do TSE é não entender a magnitude do problema do individualismo das campanhas. E, assim, trabalhar no sentido de reduzir as distorções do sistema, não o contrário.
Assinar:
Postagens (Atom)