As duas faces da crise





O ano que ora se encerra parece destinado a ser avaliado a partir do espectro da crise.

A tendência analítica prevalecente destaca a crise financeira que assola o mundo como dotada de gravidade e profundidade suficientes para ameaçar o pouco que havia de otimismo e sugerir que ingressamos em uma fase na qual o capitalismo está novamente desafiado a reiterar sua autoproclamada racionalidade. Reconhece-se, aqui, a natureza eminentemente incerta e “imprevisível” do sistema capitalista, que a cada ciclo parece maximizar os elementos de risco e anarquia inerentes à sua estrutura de produção.

Este viés dominante embute um outro. É que, sendo a crise de “proporções históricas”, ela não só criaria dificuldades para a reprodução organizada da vida como também abriria oportunidades para a inovação, a revisão de convicções e a reprogramação do futuro. Afinal, todo processo carrega consigo problemas e soluções, falências e novas oportunidades. Não só de dor e sofrimento é feita a história.

Mas crises são crises, e nem sempre a criatividade que as acompanha mostra-se de imediato, de modo automático. Crises só são espaços de invenção quando encontram circunstâncias particularmente favoráveis, que agregam pessoas e despertam vontades desativadas, pondo-as em movimento. Requerem também atores qualificados para traduzir e potencializar tais circunstâncias, de modo a extrair o máximo delas.

Neste ponto, ingressamos num território confuso e controvertido, pois é consensual que vivemos num tempo refratário a mobilizações coletivas e à emergência de lideranças políticas maiúsculas. Além do mais, a própria explicação da crise divide as pessoas em múltiplos campos, que não se reduzem à dicotomia otimismo vs. pessimismo, embora estejam atravessados por ela.

Enfatizar o lado mais sombrio da crise tanto pode expressar um prudente brado de alerta contra os que banalizam e minimizam seus desdobramentos, quanto ter um efeito paralisante, que bloqueia o encontro de saídas e adaptações. Efeitos paralisantes deste tipo não conhecem ideologias; podem ser de esquerda ou de direita, quer dizer, podem explorar de modo invertido um arcabouço ideológico inspirado na idéia de que somente seria possível conceber um mundo “sem crises” se se vivesse em um outro mundo, inteiramente diferente do atual – um novo mundo, que viria na esteira ou de uma “revolução em nome da ordem”, pela direita, ou da completa subversão da ordem existente, pela esquerda.

A ênfase no lado sombrio da crise também pode ocultar estratégias de intimidação, com as quais se proporiam soluções autoritárias ou providenciais, na linha de que situações difíceis exigem soluções amargas e “chefes” especialmente dotados.

Já os que se dizem tranqüilos e “confiantes” diante da crise não são necessariamente sinceros. Alguns talvez desejem contrariar a rational choice e incentivar as pessoas a não cederem diante das dificuldades para não aumentá-las ainda mais. Outros podem manifestar confiança na capacidade que teria o sistema de se auto-regular ou simplesmente revelar algum tipo de cegueira diante da realidade, um tipo de antolho ideológico ou alienação. Tanto podem mobilizar energias coletivas adormecidas quanto impulsionar taras conservadoras. Podem servir para que se cristalizem fés fanáticas no sistema ou para que se recuperem velhas utopias, como a do mercado auto-regulável ou do Estado todo-poderoso.

Entre uns e outros, inserem-se os realistas autênticos, que trabalham para que as circunstâncias existentes se traduzam em uma teoria da ação que faça história e produza transformações em cadeia, isto é, dispostas progressivamente em um círculo espaço-temporal concatenado, no qual cada alteração, cada reforma, cada medida positiva, seja a plataforma para novas medidas ainda mais profundas e contundentes.

Momentos como o atual preparam o palco para que políticos e intelectuais realistas exibam seu estoque de recursos, mostrem-se à altura, equacionem os problemas na medida mesma da gravidade deles. É em momentos assim que surgem os estadistas, os grandes políticos, aqueles que dialogam com as massas mas não se negam a contestá-las, que não são paternalistas, mas generosos e ousados. É neles que os intelectuais deixam-se agitar pela urgência cívica, põem-se uma agenda teórica aberta e elaboram novos paradigmas.

À primeira vista, os dias atuais não parecem reunir condições para que se generalizem tais posturas realistas. A reorganização hipercapitalista a que o mundo está sendo submetido carrega no ventre um cenário embaçado e preocupante, simbolizado pela corrosão dos talentos políticos e intelectuais, pela desmontagem dos arranjos coletivos com que se protegiam as sociedades, pelo esvaziamento das instituições e pela subversão dos circuitos espaço-temporais que forneciam parâmetros para a vida.

Devemos, porém, pensar o tema com os olhos para frente. Se é verdade que o capitalismo turbinado das últimas décadas tem sido devorador da sociedade – estilhaçando a vida coletiva e roubando protagonismo dos grupos em benefício dos mercados – também é verdade que ele manteve ativa a dimensão estrutural e subjetiva do conflito, da contradição, da luta pela vida. A sociedade não morreu, somente foi redefinida. A política não desapareceu, somente foi desorganizada e posta em um plano mais técnico que ético, que não emociona nem inspira confiança.

Por sua gravidade e contundência, a crise pode forçar a que certas coisas voltem ao devido lugar. Há indícios de que algo novo começa a surgir nesta direção. E não deixa de ser uma excelente promessa de fim de ano nos comprometermos todos, cada um a seu modo, a brigar para que 2009 escape da mesmice, das fórmulas conhecidas, das frases feitas, do fanatismo ideológico e das posturas servis de conveniência. [Publicado em O Estado de S. Paulo, 27/12/2008, p. A2.]

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Eta esquadrão de ouro - 2

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Boas festas e um feliz 2009

Agradeço aos leitores desse blog trazendo meus votos de um feliz 2009. Quero aproveitar para desculpar das ausências, de não ter conseguido manter ao longo do ano uma atualizaçao mais constante do blog. Espero a compreensão de vocês. A promessa para 2009 é tentar fazer um blog mais provocativo no bom sentido, interragindo com as discussões da pauta política.
Um forte abraço a todos.
Jefferson Milton Marinho
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O discurso da oposição para 2010 e as pré-candidaturas de Serra e Aécio

A oposição baseada no discurso de quanto pior melhor tem tudo para não emplacar, pois a população é esclarecida o suficiente para entender que a crise não é responsabilidade do governo Lula. As medidas que o governo vem tomando podem não debelar os efeitos da crise sobre o Brasil, mas é do reconhecimento da maioria que elas estão na direção correta. Ou seja, o governo está cumprindo seu papel de governar, fazendo aquilo que está ao seu alcance. A economia provavelmente não conseguirá sustentar o ritmo atual de crescimento, mas nada catastrófico. Na crise atual, o país tem tudo para sair dela mais fortalecido no cenário econômico mundial. Não adianta pensar que a população colocará a culpa no governo Lula, pois sabe que não é o culpado. Para vencer as eleições de 2010, não basta para a oposição a torcida do quanto pior melhor. O eleitor vota em liderança não em algozes. Se a oposição não for capaz de convencer o eleitor que pode conduzir o país melhor que um candidato de continuidade (governista) pode acabar morrendo na praia. Um escorregão da oposição pode consagrar o triunfo lulista.

Os operadores políticos dos principais postulantes oposicionistas (Serra e Aécio) já entenderam o sinal, e dificilmente embarcarão no discurso tosco do aprofundamento da crise buscando colá-la no governo Lula. A tendência é pouparem o governo Lula, que seguirá popular, apostando num discurso em direção ao futuro, pois o passado recente não é bom para a oposição política. O discurso pós-Lula de Aécio e a incessante tentativa de Serra de mostrar-se próximo a Lula em temas importantes é prova de que os únicos políticos da oposição com chances de chegar ao Planalto preferem aproximação com o eleitorado lulista que bater de frente com um presidente popular. Não é por acaso que são líderes da oposição. Afinal, uma dose de inteligência política nunca é demais.

Mas a batalha travada nos bastidores entre os dois postulantes do PSDB é emocionante. Aécio aposta na sua habilidade de seduzir políticos das mais diferentes matizes, o que inclui um bom trânsito com partidos que hoje estão abrigados no consórcio governista. Todavia, Serra conquistou de vez os aliados tradicionais do seu partido, a saber, DEM e PPS. Assim como Aécio transita bem dentro do PMDB, e também faz assédio ao PV. Aécio, por outro lado, fala em ampliação da base de apoio ao governo, incluindo partidos que sempre caminharam no campo governista como PSB e PDT, e uma possível aproximação com o PT num futuro governo. É a famosa convergência política.

A idéia de convergência é antiga entre os mineiros, que preferem a composição à disputa política. De fato, não há nada de novo não tão propagada tese de convergência de Aécio, pois o sonho mineiro sempre embutiu a eliminação da competição política (nem precisa retomar a eleição de Belo Horizonte).Uma política sem ideais ou ideologias. O choque de gestão tucano não deixa de ser a perseguição desse sonho antigo, em que as elites tomam as decisões com critérios supostamente técnicos. Aquilo que deveria representar um meio (critérios técnicos) passa ser um fim em si mesmo. Não importa as escolhas, as opções da política, tudo fica escamoteado no discurso tecnicista. O problema da política se resume à escolha dos meios, de uma solução técnica, sem qualquer relação com seus fins.

A tese de Aécio pode representar uma grande inovação política, mas pode esconder a fraqueza de sua candidatura dentro do seu próprio partido. O governador mineiro ao ver que seu adversário no partido ocupou os espaços nos tradicionais aliados busca trazer novos aliados para contrabalançar o jogo não muito favorável. O discurso é que os tradicionais aliados caminharão juntos com qualquer candidato que o partido escolher. É uma hipótese tão verdadeira que soa como falsidade. A verdade é que Serra tem o total controle de seus aliados dentro e fora do partido, já Aécio não controla o seu destino (nem dentro e muito menos fora do partido). A dificuldade de Aécio com o PMDB mineiro, apesar dos insistentes pronunciamentos em contrário, é mostra de quão complexa é sua empreitada. A boa relação de Aécio com o PSB, por exemplo, não garante apoio deste partido a uma eventual candidatura. Afinal, na hora da onça beber água o que vale são interesses regionais (toda política é local), ou seja, manter nas mãos do PSB os governos de Pernambuco e Ceará (com ajuda preciosa do PT). E não é só.

Serra procura dinamitar a candidatura Aécio com três pilares: (i) é o candidato mais bem colocado nas pesquisas; (ii) a chapa puro-sangue do PSDB, isto é, Serra presidente e Aécio vice; e (ii) o fim da reeleição. E ainda tem gente que diz que política tem fila, e Aécio está numa posição atrás na fila presidencial. O PSDB perdeu as eleições de 2006 e ficou aquela impressão de que não escolheu o melhor candidato. Aécio diz que não basta ter melhor colocação nas pesquisas, porque elas refletem apenas um retrato momentâneo, mas também a capacidade de aglutinar apoios políticos. O candidato Aécio pode ter razão, mas terá que comprovar que tem melhores condições de reunir uma candidatura mais ampla. Até o momento esse candidato é Serra, pois ele unificou a oposição política em torno de sua candidatura, enquanto Aécio tem apenas uma boa tese política, a chamada convergência.

A chapa puro-sangue e o fim da reeleição trazem a idéia de fila na política, com Serra numa posição na frente nessa fila presidencial. Na primeira, os aliados de Serra, principalmente o DEM, abrem mão da vice-presidência para Aécio, com o intuito de unificar as forças políticas e obterem mais condições de trocar de lado com o consórcio governista, ou seja, retomar o poder. É aquilo que Aécio chama de desprendimento, mas dessa vez contra sua candidatura. No caso da reeleição, Serra abre mão de novo mandato, sob a promessa de que Aécio será o candidato em seguida, algo que só mais adiante poderá ter-se certeza de sua eventual candidatura. É o PSDB novamente trazendo uma candidatura para 10 anos de poder. É um filme antigo que nem sempre termina bem (lembrar-se da previsão de Sérgio Motta de 20 anos de poder para o partido). O risco político de Aécio é alto (só é menor que embarcar no PMDB).

Aécio tem total noção do tamanho de sua empreitada. Ela é complexa, difícil, mas não quer dizer impossível. Não se pode subestimar o talento político do governador mineiro. Este aposta nas prévias, ou seja, tenta fazer com que a escolha do candidato seja de forma mais ampla e democrática, por meio do mecanismo de prévias partidárias. Não aceita que o candidato seja ungido apenas pelos caciques partidários. É até cômico falar de ampliação da democracia partidária quando se trata de Aécio. Ele fez parte do trio (Aécio, FHC e Tasso Jeressaiti) que reuniu num restaurante em São Paulo para escolher o candidato do partido para 2006. Nas eleições de Minas, junto com o prefeito petista Fernando Pimentel, escolheu o próximo prefeito de Belo Horizonte num verdadeiro dedaço. Em suma, Aécio representa o caciquismo partidário, as decisões tomadas de cima para baixo. É uma forma legítima de fazer política, embora pouca democrática.

Como os ventos da política mudam, Aécio precisa das prévias partidárias para forçar a disputa interna dentro do PSDB, o que aumenta suas chances, bem como fornece uma justificativa política aos mineiros para o caso de não sair candidato. Ou seja, ele pode perder a indicação do partido, mas não aceita ser atropelado por uma decisão dos caciques partidários. Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Obviamente, Aécio não quer provar do próprio veneno.
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