"O museu da memória, em sua proliferação atual, é produto de uma maneira de pensar, e de prantear, a destruição dos judeus europeus nas décadas de 1930 e 1940, que alcançou sua concretização institucional em Yad Vashem, em Jerusalém, no Museu em Memória do Holocausto, em Washington, e no Museu Judaico, em Berlim.
Fotos e outras reminiscências da Shoah foram consignadas a uma recirculação permanente a fim de garantir que aquilo que mostram será lembrado. Fotos do sofrimento e do martírio de um povo são mais do que lembranças de morte, de derrota, de vitimização.
Elas evocam o milagre da sobrevivência. Ter por objetivo a perpetuação das memórias significa, de forma inevitável, que se assumiu a tarefa de continuamente renovar e criar memórias – com a ajuda, sobretudo, da marca deixada por fotos exemplares.
As pessoas querem ser capazes de visitar – e revigorar – suas memórias. Agora, muitos povos vitimizados desejam um museu da memória, um templo para abrigar uma narrativa de seus sofrimentos que seja abrangente, organizada de forma cronológica e ilustrada. Os armênios, por exemplo, reivindicaram durante muito tempo um museu, em Washington, que institucionalizasse a memória do genocídio do povo armênio cometido pelos turcos otomanos.
Mas por que não existe ainda na capital da nação, por acaso uma cidade cuja população é esmagadoramente afro-americana, um Museu da História da Escravidão? De fato, não existe em nenhum lugar dos Estados Unidos um Museu da História da Escravidão – a história completa, a partir do tráfico de escravos na própria África. Pelo visto, criar e pôr em vigor essa memória é considerado perigoso demais para a estabilidade social.
O Museu em Memória do Holocausto e o futuro Museu e Monumento do Genocídio Armênio tratam daquilo que não ocorreu nos Estados Unidos, portanto o trabalho da memória não corre o risco de rebelar uma população doméstica insatisfeita contra a autoridade. Ter um museu para narrar o grande crime que foi a escravidão africana nos Estados Unidos da América seria reconhecer que o mal esteve aqui.
Os americanos preferem retratar o mal que esteve lá, e do qual os Estados Unidos – uma nação especial, a única que ao longo de toda a sua história não teve nenhum líder comprovadamente cruel – estão isentos. A circunstância de que este país, como qualquer outro, tem seu passado trágico não condiz com a crença fundadora, e ainda poderosa, no caráter excepcional dos Estados Unidos.
O consenso nacional em torno da história americana como uma história de progresso constitui um novo cenário para fotos deprimentes – um cenário que dirige nossa atenção para injustiças, aqui ou em qualquer parte, para as quais os Estados Unidos se vêem como a solução ou a cura".
[Páginas 74 e 75 in Diante da Dor dos Outros de Susan Sontag – 2003.]
Ainda de Susan Sontag:
"A raça branca é o câncer da história humana".[escrevendo sobre a Guerra do Vietnam afirmou.]
-Dias após o evento de 11 de Setembro, ela criticou a política externa dos Estados Unidos e fez elogios aos terroristas.
********
"É impossível passar os olhos por qualquer jornal, de qualquer dia, mês ou ano, sem descobrir em todas as linhas os traços mais pavorosos da perversidade humana [...]. Qualquer jornal, da primeira à última linha, nada mais é do que um tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, linchamentos, torturas, as façanhas malignas dos príncipes, das nações, de indivíduos particulares; uma orgia de atrocidades universal. E é com este aperitivo abominável que o homem civilizado diariamente rega o seu repasto matinal".
[Trecho do diário particular do poeta e diagnosticador francês Baudelaire escrito no início da década de 1860, citado por Susan Sontag in Diante da Dor dos Outros (2003), páginas 89 e 90].