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Manobra eterniza caciques políticos

Por Cristian Klein, publicado no Valor Econômco

Nem o capital político de quase 20 milhões de votos (19,3%) acumulado por Marina Silva na última eleição presidencial foi suficiente para que ela tivesse voz no PV. Sem espaço, a ex-senadora sentiu-se obrigada a sair do partido, controlado desde 1999 pelo deputado federal paulista, e bem menos conhecido, José Luiz Penna.

A situação de Marina, hoje desabrigada e à procura de uma agremiação pela qual se candidatar, mostra como é forte o poder das burocracias partidárias na política brasileira e expõe um sistema no qual legendas são dominadas por um único dirigente ou uma oligarquia deles.

O mecanismo pelo qual esse domínio é possível aparece em denúncias e reclamações esparsas, mas que vem ganhando cada vez mais atenção. São as comissões provisórias, previstas pela legislação como forma de organização num momento embrionário do partido mas que se perenizam e mantêm por anos dirigentes no comando das siglas.

É o caso de Penna, no PV; do ex-deputado federal Roberto Jefferson, no PTB; e do deputado Valdemar Costa Neto e do senador Alfredo Nascimento, no PR.

Geralmente mais associado a partidos fisiológicos e de direita, o controle da sigla por grandes caciques, no entanto, independe de ideologia e abrange partidos mais à esquerda, como o PDT, do ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi, que assumiu a legenda após a morte de Leonel Brizola, em 2004, e o PSB, do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que herdou a liderança do avô, Miguel Arraes.

Em comum entre esses partidos está a alta taxa de comissões provisórias, seja no nível municipal ou no estadual. Em levantamento feito para o Valor, o cientista político e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cebrap), Fernando Guarnieri, analisou o percentual de comissões provisórias de todos os 27 partidos em relação à sua presença nos municípios.

Apenas os dois maiores partidos, PT (20%) e PMDB (28%), são constituídos largamente por diretórios municipais em vez de comissões provisórias, o que indica uma maior descentralização de poder interno.

Enquanto os diretórios, compostos a partir de eleições e com mandatos fixos, têm autonomia para tomar as principais decisões locais, as comissões provisórias são nomeadas pela instância imediatamente superior e podem ser destituídas a qualquer momento.

O modelo cria uma relação de dependência que é assim resumida pelo ex-presidente estadual do PV em São Paulo, Maurício Brusadin: "Um cacicão (nacional) protege um cacique (estadual), que protege um caciquezinho (municipal). É um sistema perfeito, a la "Matrix" [o filme]. Não tem como divergir ou se revoltar. Porque quem fala contra é expurgado", afirma o economista, de 36 anos, que estava havia 18 no PV e saiu da legenda junto com Marina Silva.

Brusadin diz que o movimento de "transição democrática", liderado pela ex-senadora, conseguia "encher as reuniões de filiados, mas os dirigentes não iam", temerosos de perder seus cargos, como acabou ocorrendo com ele.

Os números mostram que não foi por menos que Marina Silva e seu grupo foram derrotados na queda-de-braço com o presidente do partido, José Luiz Penna. Ao lado do PR, o PV é a legenda mais centralizada, com a maior taxa de comissões provisórias, 98%, perdendo apenas para o PRB, sob a influência da Igreja Universal do Reino de Deus, cujo índice é de 99%.

A situação nos municípios é quase um espelhamento de como os partidos estão organizados no nível estadual. O PT tem diretórios estaduais em todas as 27 unidades da Federação. O PV e o PR, em nenhuma. Todas são comissões provisórias.

"As comissões permitem que o dirigente da instância superior tenha amplos poderes, decida tudo, quem é o candidato a prefeito, quem pode aparecer no horário eleitoral... Os filiados não têm direito a voto. É muito injusto", reclama Brusadin.

O economista faz o mea culpa por ter aceitado o "jogo de ascensão complexo", no qual era subserviente e "não podia discordar do rei", mas contra o qual se voltou nos últimos quatro anos de partido. Um jogo cujas regras não escritas incluíam agrados, como whisky no fim do ano, e obediência ao dirigente imediato do partido, em uma "cultura do medo insuportável".

A principal crítica de Brusadin é contra os acordos escusos, caracterizados como uma "venda do partido". O mais comum e decepcionante, conta, é quando a agremiação tem um nome que anima os filiados, com potencial de crescimento em determinada eleição municipal, mas o líder local ou acima dele impede o lançamento da candidatura própria e vende o apoio da sigla, em dinheiro ou cargos, para facilitar, em regra, a reeleição do prefeito. Haveria cobrança até para se garantir a candidatura na generosa chapa proporcional de vereadores, que permite a inscrição de dezenas de nomes.

Esse ambiente seria um dos principais motivos para desestimular a militância partidária e impedir o crescimento das siglas médias e pequenas, lamenta.

"O pensamento é o seguinte: se lá não temos muita chance, vamos arrendar o partido. Ainda vou escrever o livro "Pequenos partidos, grandes negócios"", afirma Brusadin.

O cientista político Fernando Guarnieri preferiu escrever a tese de doutorado "A força dos partidos fracos", defendida na USP, em 2009. No trabalho, ele utiliza a taxa de comissões provisórias municipais como um indicador para medir a democracia interna dos partidos. Os resultados o levam a dividir as legendas em três categorias: poliárquicas (ou organizadas), oligárquicas (ou de organização mista) e monocráticas (ou não organizadas).

Na atualização e ampliação dos dados para os 26 Estados com órgãos municipais, feitas a pedido do Valor, o PT e o PMDB, com menos de um terço de comissões provisórias, pertencem à primeira categoria, dos mais democráticos. O PSDB (45%), o PCdoB (55%) e o DEM (59%), com taxas entre um terço e dois terços, são classificados no bloco intermediário. E as demais 22 siglas, com mais de dois terços de comissões provisórias, caem na categoria dos monocráticos.

Guarnieri afirma, contudo, que, mais do que uma coincidência ou um modelo maquiavélico, a proliferação das comissões provisórias atenderia a uma necessidade dos partidos médios e pequenos em busca de sobrevivência.

Como a tendência, pela primazia das eleições majoritárias, seria de concentração de força em dois ou três partidos, e esse espaço já está ocupado por PT, PMDB e PSDB, restaria aos demais adotar outro caminho. E as comissões provisórias serviriam a esse propósito. Em sua visão, elas são utilizadas estrategicamente para permitir aos líderes uma maior coordenação durante as eleições, lhes dando mais liberdade de fazer alianças e acordos.

"Por um lado, as comissões são obstáculos a um ambiente de maior democracia interna, mas, por outro, elas estruturam a arena eleitoral e dão estabilidade aos resultados", diz o pesquisador.

Guarnieri destaca que a força advinda dessa forma de (não) organização contraria o senso comum de que as eleições brasileiras seriam baseadas em um "bando de candidatos aleatórios" e que o poder dos políticos viria do controle sobre os votos de uma parcela do eleitorado. Antes de cultivar os votos, é importante garantir acesso a recursos dos partidos, como o tempo de propaganda de TV e, ainda mais primordial, o direito de se candidatar pela legenda - decisões que passam pela coordenação das burocracias partidárias.

O pesquisador lembra que o instituto das comissões provisórias, criado pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lopp), de 1971, é uma herança da ditadura militar e tinha como objetivo impedir a ascensão de candidatos indesejados na Arena, partido de sustentação do regime.

Para Maurício Brusadin, a legislação seguinte, de 1995, ainda "cheira a mofo", ao considerar como soberana apenas a Executiva nacional. Em sua opinião, deveria-se discutir uma espécie de Estatuto do Filiado, nos moldes em que se criou o Estatuto do Torcedor, para o futebol.O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) é contra grandes interferências na vida das legendas e defende a livre organização partidária. "É um princípio conquistado na luta contra a ditadura e faz parte da Constituição. Quem dá força ao partido são os eleitores", diz, ao lembrar que os filiados petistas podem escolher dos dirigentes locais ao presidente nacional. "O PT tem eleição direta. Mas a indireta é ilegítima? Não. Difícil definir o que é melhor. Não podemos obrigar", afirma.
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Os americanos e a reforma política

Marcos Coimbra, publicado no Correio Brasiliense

Está na hora de acabar com algumas excrescências: os partidos que só existem para fazer negócios, o formato atual da propaganda eleitoral gratuita, a ficção de que só se faz campanha nos três meses que antecedem as eleições

Às vezes, é impossível não sentir inveja dos americanos. Enquanto ficamos enredados em discussões bizantinas, eles estão lá na frente

Sempre resta o consolo de que a cultura política da maioria dos países é mais atrasada que a nossa. Ou que já estivemos tão piores que temos mais a comemorar que a lamentar.

É verdade, mas isso não deve nos levar à sensação do dever cumprido. Se não tivermos consciência de que podemos fazer mais, corremos o risco de desperdiçar as oportunidades que a história vai nos abrindo.

Agora, por exemplo, o meio político discute algo que a sociedade brasileira aguarda há anos, uma reforma política que oxigene nossa democracia, remova obstáculos e elimine os problemas que todos conhecem.

O Senado criou uma comissão para preparar um anteprojeto, a Câmara instituiu a sua, algumas assembleias estaduais promovem discussões para subsidiar o trabalho feito na esfera federal. O Executivo está mobilizado, a presidente da República comprometida. O Judiciário em peso está do seu lado.

A imprensa a discute diariamente, as instituições da sociedade civil só não fazem mais por que ninguém lhes mostrou o quê. A opinião pública a vê como prioridade.

Mas ela não vai bem. A cada dia que passa, se espera menos da Comissão Especial do Senado. Quanto à sua equivalente na Câmara, a incerteza é grande.

Parece que senadores e deputados querem resolver tudo ao mesmo tempo, o que não costuma levar a lugar algum. Sem noção de processo, sem saber o que vem antes e o que depois.

No plano jurídico, nosso sistema político se manteve relativamente estável desde quando seus fundamentos foram assentados depois da Revolução de 1930. Se considerarmos a promulgação do Código Eleitoral de 1934 como seu marco, ele já tem quase 80 anos, o que não é pouco para um país que não completou dois séculos de independência.

Nesse intervalo, foi interrompido por duas ditaduras, mas saiu delas íntegro (na medida do possível). A rigor, o ciclo militar não o extinguiu (como fez o Estado Novo), pois seus intelectuais não se sentiram livres para tanto. Aumentaram os controles, cortaram daqui, cercearam dali, mas ele permaneceu.

É a partir dele que devemos caminhar, como depois da redemocratização, na Constituição de 1988 e na legislação subsequente, com algumas inovações bem-vindas, como a reeleição, e outras equivocadas, como a permissão das coligações nas eleições proporcionais. É o mais recomendável agora, tendo o cuidado de não jogar fora o bebê com a água do banho. Nosso sistema deve ser aprimorado, não negado.

A democracia brasileira precisa modernizar-se, livrar-se do ranço dos excessos regulatórios e burocratizantes. Precisa abrir-se à participação popular, encorajando tudo que aumente a atuação do cidadão na esfera pública: controle social dos eleitos, iniciativa legal, transparência, gestão participativa das políticas governamentais.

Está na hora de acabar com algumas excrescências: os partidos que só existem para fazer negócios, o formato atual da propaganda eleitoral gratuita, a ficção de que só se faz campanha nos três meses que antecedem as eleições.

É aí que entra a inveja dos americanos.

Neste início de abril, Barack Obama começou, às claras, sua campanha para as eleições de novembro de 2012. Está errado? Ou é bom que seja assim, pois os cidadãos têm mais tempo para olhá-lo como candidato e fazer seu julgamento? Para se informar sobre o que pensa fazer em seu segundo governo?

Obama pede ideias e sugestões ao eleitor, dizendo o que fez e o que não conseguiu fazer até agora (e o porquê). Pede apoio e dinheiro, estimando que vai gastar 1 bilhão de dólares na campanha. Tudo com franqueza, sem fingimentos.

Foi engraçado ver o tom de alguns veículos ao dar a notícia. Os mesmos que acharam um absurdo que Lula lançasse Dilma desde 2009, aplaudiram a “jogada de mestre” do presidente americano. O subdesenvolvimento político também se manifesta assim.

Marcos Coimbra é Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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Debatendo as regras eleitorais e as doações de campanha

Como acontece em todas as eleições, o TSE reinterpreta as leis existentes e define regras no ano eleitoral. Dessa vez, o balanço é positivo, embora o direcionamento das regras ainda é equivocado. Foi acertada a decisão do TSE de acabar com o caixa único partidário, obrigando os partidos políticos a abrirem conta específica para recebimento de doações para as campanhas. Também foi acerto a decisão de disponibilizar no sítio da Justiça Eleitoral informações acerca dos processos judiciais de cada candidato. A certidão criminal eleva a transparência para o eleitor, que terá mais informação para decidir sobre o seu voto.

Outro acerto é a permissão das doações pela internet via cartão de crédito ou de débito. Isso estimula as doações de pessoas físicas, o que é bom para a democracia. O candidato torna-se mais suscetível à pressão do cidadão, reduzindo relativamente o poder das empresas que, em regra, defendem os interesses de seus acionistas, não dos cidadãos. Um sistema democrático eficaz é aquele capaz de proteger o cidadão da voracidade dos interesses corporativos.

No mundo ideal, somente as pessoas físicas deveriam ser doadoras para campanhas eleitorais. As empresas deveriam ser proibidas de doarem para as campanhas eleitorais, na medida em que sua função no sistema capitalista é proporcionar dividendos para os acionistas. Para tanto, precisa seduzir o consumidor, ofertando produto a preço competitivo na melhor qualidade possível. Mas a vida real é mais dura, e as empresas são as grandes doadoras para os partidos realizarem suas campanhas. Na ausência de remédio, o jeito é se adequar e construir regras que reduzam a influência do poder do dinheiro das empresas na política.

A medida mais comentada tomada pelo TSE foi a proibição das chamadas “doações ocultas”, ou seja, a doação dos partidos políticos para os candidatos, não permitindo relacionar entre a empresa doadora e o candidato beneficiado. Como tudo na vida, traz aspectos positivos e negativos. No cômputo geral, acredito que a decisão seja equivocada.

A justificativa é que aumentará a transparência, obrigando os partidos a discriminar a origem e o destino dos recursos repassados aos candidatos e comitês financeiros de campanha. Segundo novo entendimento do TSE, as legendas poderão distribuir os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, mas deverão, obrigatoriamente, discriminar a origem e o destino desses recursos repassados a candidatos e comitês financeiros. Até a última eleição, os financiadores doavam recursos para os partidos, que repassavam para os candidatos, sem identificar a origem.

Alguém acredita que a nova regra resolve o problema da “doação oculta”?

No caso hipotético de uma empreiteira fazer doação para um candidato a deputado por meio do partido político. Na regra anterior, o nome da empreiteira apareceria como doadora para o partido, mas não para o candidato. Na nova regra, em tese, isso deveria aparecer na prestação de contas do candidato beneficiado.

A pergunta é: o partido identificará que tal candidato é o beneficiário do dinheiro daquela empreiteira?

Como o TSE averiguará uma prestação de contas em que esse dinheiro do partido fosse distribuído para 10 outros candidatos. Como provar a relação entre o candidato e a empreiteira? Para não prejudicar o candidato recebedor da empreiteira, poderá o partido alocar dinheiro vindo de outras doações na sua campanha, mantendo o mesmo montante. A prestação de contas de campanha torna ficção, acredite quem quiser!

Também existem doações para partidos que não estão direcionadas a determinado candidato. O partido terá que criar uma vinculação inexistente para cumprir a nova regra? Mais uma vez, a nova regra reforça o individualismo das campanhas eleitorais dos candidatos a cargos no Legislativo, em detrimento dos partidos. Esse individualismo encarece as campanhas e dissocia o candidato do partido. Isso está na contramão da decisão do próprio TSE de que o mandato pertence ao partido, não aos candidatos. Incoerência.

A doação ao partido (“ou doação oculta”) pelas empresas é artifício menos gravoso que o “caixa dois”. Na nova regra, se a empresa quiser mesmo doar ao candidato, mantendo oculta tal relação, poderá ser tentada a recorrer ao “caixa dois”. No entanto, é consenso entre os especialistas que depois da crise do chamado “mensalão” os partidos e as empresas ficaram mais receosos do uso do “caixa dois”. A doação oculta (nem tão oculta assim) foi a maneira encontrada para fugir da vinculação direta entre doador e candidato, mas sem recorrer ao “caixa dois”. Ou seja, dentro da legalidade. Mas qual o verdadeiro problema: a relação candidato x doador ou é a corrupção política?

Uma hipótese por trás desse tipo de decisão é que toda doação a candidato funciona como investimento da empresa, ou seja, a empresa doa para receber algo em troca. Nesse caso, não faz sentido permitir a doação das empresas. Deveria ser simplesmente proibida. O dinheiro dos grupos de interesses (empresas, ONGs, sindicatos, associação de consumidores, etc.) sempre comprará influencia política. Não há remédio para tal problema dentro do sistema democrático de representação política.

Em certo sentido, não há nada de ilegítimo na ação dos grupos de interesse a seu favor. O verdadeiro problema não é esse! É a assimetria de poder que inunda a política com o dinheiro das empresas. Como isso não será atacado, é melhor não desviarmos do foco. Vamos voltar ao “caixa dois” como instrumento de corrupção política, um problema que deveria ser atacado.

O “caixa dois” ou dinheiro não contabilizado tem problema de origem. Ele se origina da prática de “caixa dois” dentro das empresas o que, por si só, já é crime. Mas o grande problema é como separar “caixa dois” para financiamento irregular de campanhas da corrupção pura e simples. Não temos como fazer essa distinção. O candidato sempre poderá alegar que o dinheiro era para financiamento de campanha, mesmo em casos de propina. As empresas que doam para “caixa dois” sabem que parte da doação será literalmente embolsada pelos candidatos, ou seja, não tem nada de financiamento irregular. Corrupção na veia!

A proibição da “doação oculta”, que era um instrumento legal, pode elevar a transparência, mas também pode voltar a crescer o uso do artifício do “caixa dois”. Será que vale a pena correr o risco?

Defendo que devesse ser proibida a doação a candidatos individuais para suas campanhas. Toda doação deveria ser direcionada aos partidos políticos. Pronto! Do total arrecadado, o partido deveria ser obrigado a distribuir um percentual mínimo para cada candidato. Nada impediria que o partido alocasse mais recursos a determinados candidatos.

A motivação para que os partidos distribuírem desigualmente os recursos entre seus candidatos seriam: (i) candidato puxador de votos; (ii) candidato viabilizou a arrecadação de grande soma de recursos de campanha; e (iii) influência do candidato dentro do partido. São questões legítimas, não tem porque exigir igualdade de condições entre competidores do mesmo partido. A desigualdade existente atualmente é bem maior.

Poderia até acabar com prestação de contas individuais dos candidatos, substituindo por uma prestação da campanha do partido, discriminando os gastos de campanha de cada candidato. Ou seja, o partido deveria discriminar a origem dos recursos arrecadados e a destinação desses recursos, inclusive discriminando as despesas dos candidatos individualmente.

A empreiteira hipotética daquele exemplo quando fizesse doação a determinado candidato por meio do partido estaria contribuindo para todos os candidatos daquele partido, mesmo que fosse direcionada maior parcela de recursos para seu candidato. O candidato que se esforçasse para obter recursos das empresas para sua campanha estaria colaborando para a campanha de seus companheiros de partido. Isso é um desincentivo para o individualismo das campanhas, e fortalecia a estratégia de arrecadação partidária no seu conjunto. Os partidos deveriam ser instrumentos mais eficientes de arrecadação de recursos para campanha do que seus candidatos individuais.

Em resumo, o foco da legislação deveria ser combater as doações ilegais, não as legalizadas, como ocorrem nas doações aos partidos para os candidatos. Podem-se criar mecanismos para aperfeiçoá-las, mas a decisão do TSE foi na contramão. O sistema atual de doações é insano. Incentiva os candidatos individuais a competirem vorazmente por recursos de campanha. Isso compromete o sistema democrático, pois deixa todos os políticos sob suspeição. É preciso que as regras reforcem o papel dos partidos no financiamento das campanhas, tirando o foco dos candidatos individuais. A competição política não pode ser somente uma disputa por recursos de campanha entre candidatos.

A medida poderia ser acompanhada de outra igualmente importante: proibição das coligações nas eleições parlamentares. O eleitor ao votar no candidato do PSDB não contribuirá para eleger candidato do PPS ou DEM. Ou ainda, o eleitor que votará no PT, seu voto não servirá para eleger candidato do PMDB. São medidas que fortalecem os partidos e reduzem a influência do dinheiro sobre os candidatos individuais. O equívoco do TSE é não entender a magnitude do problema do individualismo das campanhas. E, assim, trabalhar no sentido de reduzir as distorções do sistema, não o contrário.

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Todos partidos para o castelo de areia

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico
02/04/2009

Então, ficamos combinados: quando uma operação policial pegar um partido com a boca na botija, fazendo caixa dois com dinheiro de empreiteira, o responsável pela investigação deve acessar o site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e copiar e colar (ctrl C, ctrl V) o nome de todos os partidos registrados oficialmente.

Segundo os líderes dos partidos de oposição que foram citados na Operação Castelo de Areia - uma investigação originalmente motivada por denúncias de que a empreiteira Camargo Corrêa teria cometido supostos crimes financeiros, de lavagem de dinheiro e de evasão fiscal - é pouco elegante denunciar como implicados na Operação apenas aqueles contra os quais foram levantadas provas. Não acusar o PT, o PV e o PTB é prova do partidarismo da Polícia Federal, que teria sido governista, segundo seus detratores, mesmo apontando igualmente, como beneficiários de supostas doações ilegais que teriam sido feitas pela construtora, os partidos governistas PP, PSB, PDT e PMDB.

A regra não conta, todavia, quando o PT e seus aliados são o centro da investigação. No escândalo do “mensalão”, o caso levado de forma mais discreta foi o do caixa dois da campanha do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que usou em 1998 o mesmo esquema que o PT e seus aliados, para arrecadar dinheiro de campanha. Não seria de bom tom, afinal, dar grande publicidade ao caso do tucano mineiro.

O grosso dos que esperam julgamento no STF, por conta de suposto envolvimento no “mensalão”, é governista. Nesse caso, pode-se dizer que a PF é oposicionista? Deixou de ser quando mencionou o PSDB, o DEM e o PPS em outra investigação? Se a Operação Castelo de Areia for julgada no futuro pelo STF, e este considerar que o suposto caixa dois da Camargo Corrêa não fez réus, e o suposto caixa dois do “mensalão” sim, a Corte será governista ou oposicionista? No caso do “mensalão”, o trabalho conjunto do Ministério Público Federal constituiu o que o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça, Gilmar Mendes, chamou de “algo lítero-poético-recreativo”? Ou esteve adstrito às funções constitucionais das instituições envolvidas? O que diferenciou, então, o caso do “mensalão” da Operação Castelo de Areia?

E daí, ficamos também assim: o controle exercido pelo Ministério Público sobre a Polícia Federal é “algo lítero-poético-recreativo”, e portanto o MP e a PF estão fora de controle, pelo menos no caso da Operação Castelo de Areia e na Operação Satiagraha, as que são objeto das indignações do presidente do STF. Diz Mendes: “Muitas vezes o Ministério Público Federal é parte naquilo que chamamos de ação abusiva da polícia (…). Quando o Ministério Público atua em conjunto com a polícia, quem vai ser o controlador dessa operação?” Ele defende uma “vara especializada no controle das atividades policiais”, que poderia ser instituída “facilmente” pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual o presidente do STF é também presidente - ou seja, supõe-se que uma simples canetada de Mendes tem o poder de eliminar o controle constitucional que o MPF tem sobre a polícia. Isso quer dizer que a Constituição se submete ao CNJ? E, se assim for feito, Mendes, como o “presidente do Judiciário”, passaria exercer o controle sobre a polícia e, com a sua serenidade e neutralidade, evitaria o “aparelhamento do aparato policial, um aparelhamento político” da PF, e a excessiva complacência do MPF?

A Operação Castelo de Areia foi movida pelo Ministério Público, investigada pela Polícia Federal e monitorada pela 6ª Vara da Justiça, da qual é titular o juiz Fausto De Sanctis, que o CNJ do ministro Mendes processa pelas sentenças discordantes tomadas por ele contra as suas próprias. Uma ação da PF que foi acionada pelo MP e teve o controle de uma autoridade judicial não é um complô partidário - é assim que legitimamente se processam as investigações. Isso está longe de ser um clube “lítero-político-recreativo”.

Na verdade, dá para apostar que os procuradores, policiais e juízes envolvidos num trabalho dessa envergadura tenham pouco tempo para frequentar clubes lítero-político-recreativos. Apenas nenhum promotor, policial ou juiz pediu licença ao STF para concluir quais eram os crimes passíveis de indiciamento e quem os cometeu, nem submeteram suas conclusões ao STF, porque não é esse o papel da alta Corte nesse momento. Vai ser no futuro, se algum indiciado recorrer de sentenças ou procedimentos que considerem injustos ou ilícitos. Como, normalmente, pessoas com poder econômico costumam recorrer até a última instância judicial, o STF em algum momento vai se posicionar sobre o caso. E como parlamentares podem estar implicados, o caso deve parar direto no Supremo. Outra razão para Mendes não emitir juízos sobre o trabalho do MP, da PF e do juiz de primeira instância: afinal, vai julgá-lo mais para a frente.

A PF virou alvo do presidente do STF desde a deflagração da Operação Satiagraha que, entre outras coisas, botou duas vezes na cadeia o empresário Daniel Dantas. Mas ainda assim, não percebe o risco que está correndo. As decisões que toma, mesmo técnicas, não estão apenas sendo combatidas por divergências quanto a métodos. O trabalho de descrédito da PF, do juiz De Sanctis e de mais alguns que têm levado adiante investigações por crimes de colarinho branco é para acuar toda a instituição policial. Se os grupos internos dão munição para essa ofensiva externa contra os seus adversários de corporação, por conta de uma disputa de poder, não perceberam que a PF é atingida sem poupar ninguém - e que esse movimento de opinião pública incitado por algumas figuras públicas torna cada vez mais arriscado, para qualquer grupo dela, a investigação de casos politicamente complicados, que envolvam interesses econômicos mais poderosos.

Outro risco que se corre é a instituição STF ficar identificada como aquela que pode estar permeável a interesses. Num país altamente injusto, a mais alta Corte perder sua imagem de mediadora - e justa - e fixar-se como aquela que zela exclusivamente por grandes interesses, é o fim de esperanças de uma parcela da população altamente desassistida. É melancólico.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
E-mail: maria.inesnassif@valor.com.br
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PT não é página virada de folhetim

Maria Inês Nassif, do Valor Econômico

O PT não pode simplesmente desconhecer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e partir para uma carreira solo em 2010, lançando um candidato a presidente que não tenha o referendo e o apoio do atual chefe-de-governo - essa é uma opinião dominante. Não está claro, todavia, se o presidente Lula tem, sozinho, o condão de levar um candidato à sua sucessão à revelia de seu partido.

O PT não é o partido dos sonhos de Lula, mas sequer está claro se Lula é o presidente dos sonhos do PT. É verdade que Lula terá um enorme poder de transferência nas eleições de 2010, quando terá terminado seu segundo mandato e estará se preparando para voltar a São Bernardo do Campo. Lula teve 60,3% dos votos válidos no segundo turno das eleições de 2006. Segundo pesquisa do Instituto Vox Populi feito para a Fundação Perseu Abramo, cujos dados foram coletadas nos últimos dias de maio, Lula nadaria em águas plácidas se pudesse disputar um terceiro mandato. Se isso fosse possível, 43% dos entrevistados votariam nele. Se for considerado como índice de aprovação de seu governo a soma de avaliações positivas e regulares, Lula está no meio do segundo mandato deitado em 93% de aprovação. Tem 59% de avaliações positivas na média do país, que pode chegar a 71% quando se aproxima do Nordeste. Amarga, na média, apenas 7% de avaliações negativas, que chegam no máximo a 11%, quando o eleitor é da Região Norte.

O PT, todavia, não é uma página virada, descartada do folhetim de Lula. O partido que amargou um enorme desgaste no escândalo do mensalão, em 2005, não apenas voltou a patamares anteriores à crise política, como superou-os. Perto dos outros partidos, o PT continua sendo o mais reconhecido pelo eleitor, para o bem ou para o mal - o que significa que tem visibilidade. É a legenda a quem o entrevistado atribui qualidades políticas e conteúdo ideológico. A primeira façanha do PT foi a de manter-se no primeiro lugar das preferências partidárias. Num universo de eleitores onde mais da metade não se identifica com um partido (54%), um quarto (25%) prefere o PT. O PMDB vem em segundo, com 7%; o PSDB tem 6%; e o DEM, 2%. Em março de 2004, o PT tinha 19%; em julho de 2006, depois do mensalão e antes da reeleição de Lula, baixou para 17%. Seu índice de rejeição, que era de 8% em 2004 e subiu para 12% em 2006, foi reduzido para 8% este ano. O DEM, por exemplo, tem 4% de rejeição, mais do que os 2% que ostenta das preferências dos eleitores. No caso do PSDB, os dois índices, de preferência e de rejeição, quase empatam - 6% e 5%, respectivamente. Os eleitores também atribuem alguma coerência ideológica ao partido de Lula - 23% consideram que o PT é de esquerda; 5% acham que é de centro; e 12%, de direita. O PSDB, por exemplo, tem um maior grau de dispersão nas avaliações: 10% o consideram de esquerda; 8%, de centro; e 18%, de direita. Essa informação pode ser completada pelo cruzamento de preferência partidária e da posição ideológica declarada pelo entrevistado. Dos que se declararam favoráveis ao PT, 42% se disseram de esquerda.
Não é claro se Lula pode desprezar seu partido. A pesquisa mostra que Lula e PT possuem pesos específicos, mas igualmente se confundem. Os resultados do cruzamento das variáveis avaliação do desempenho de Lula e favoritismo do PT levantam a dúvida: quem deve mais a quem, o PT a Lula ou Lula ao PT? Segundo a pesquisa, 79% dos que declararam preferir o PT fizeram uma avaliação positiva do governo Lula; Lula era o favorito de 48% dos indiferentes ao PT e de 23% daqueles que eram desfavoráveis ao partido. Se, nessa hipótese, se considera que o PT transferiu automaticamente seus votos para Lula, o inverso também é verdadeiro: dos eleitores tradicionais do presidente (assim considerados aqueles que votaram duas vezes ou mais nele), 62% são favoráveis ao PT; dos eleitores eventuais (que votaram em Lula uma vez), 37% são favoráveis ao seu partido. Quanto mais fiel ao PT, mais fiel o eleitor será a Lula, e vice-versa.

É certo que, numericamente, Lula atrai de forma mais declarada eleitores que o seu partido. Mas parece claro que existe uma convergência natural do eleitor de ambos - o PT avança nas regiões onde o "lulismo" é maior e Lula capta naturalmente os votos petistas. A identificação Lula/PT é um dado - por mais que se considere que o líder seja maior que a sua casa, o dado colocado é que o PT, apesar de todos os tremores, ainda é o partido mais orgânico do país, e a identificação entre a legenda e o presidente é parte dessa expressão orgânica. Todo o desgaste sofrido com o mensalão; as defecções de grupos mais à esquerda, que teoricamente eram a mão contrária à burocracia partidária que se dilatou; a adesão e a incorporação de candidatos com maior poder econômico inclusive com domínio sobre a máquina - todos esses movimentos que vêm questionando o partido há anos, mesmo antes da primeira eleição de Lula, não conseguiram destitui-lo como representante de determinados setores sociais. O eleitor ainda vê o partido assim - e é a visão do eleitor que lhe dá organicidade. O PT continua desempenhando esse papel com alguma densidade. É com essa realidade que tanto a máquina partidária, que desideologiza o partido, como Lula, têm que lidar para articular 2010. Daí se deduz que os candidatos a presidente que correm por fora da preferência de Lula dificilmente terão sucesso - mas isso só será verdade para aqueles que, sem a simpatia do presidente da República, não sensibilizarem também a maioria do partido. Essas duas coisas não são necessariamente iguais - até o momento, a candidata preferida de Lula, a ministra Dilma Rousseff, não tem a preferência do partido; o ministro Tarso Genro não é o preferido de Lula, mas é minoritário no partido não por causa disso, mas porque simplesmente não tem força política para se contrapor ao Campo Majoritário; e Marta Suplicy pode ter a maioria do partido, embora não seja a preferida de Lula. No PT, nunca nada foi simples que se possa resumir, como nos partidos tradicionais, que o candidato do presidente é o candidato do partido. Apesar dos pesares, continua não sendo assim.
(Artigo publicado originalmente no Valor Econômico, em 07/08/2008)
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