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Absurdo!

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Os limites do adesismo

Defesa do projeto PSD explica proposta de Kassab ao PT

Cláudio Gonçalves Couto, publicado no Valor Econômico

Se há algo que notabiliza como político o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, é a sua habilidade como articulador. Antes mesmo de ser guindado por José Serra à condição de alcaide da maior metrópole brasileira, Kassab já havia se destacado como o principal construtor do PFL paulista, organizando o partido pelo interior. Foi essa capacidade como negociador político, mais do que eventuais sucessos administrativos, que lhe renderam o posto de vice-prefeito na chapa demo-tucana e, depois, a reeleição, cindindo o PSDB. Seguiu nessa senda ao deflagrar uma defecção em massa do DEM, que teve como subproduto substancial a oportunidade de migração sem custos ou riscos para insatisfeitos de todos os matizes, tanto os desconfortáveis no barco da oposição como os incomodados em agremiações do campo governista. Nada mais fácil, já que o PSD não seria “de direita, de esquerda, nem de centro”, apenas oportunista.

A última cartada desta raposa foi a oferta ao PT de uma aliança nas eleições municipais paulistanas. O fato de seu partido ser um invertebrado ideológico, disposto a negociar com quem quer que seja, em princípio facilita as coisas. Mas isto não seria exatamente algo indispensável, já que a lógica coalicional do multipartidarismo brasileiro facilita todas as aproximações, a despeito de quaisquer origens programáticas que as agremiações possam ter tido. Isto fica evidente tanto pelo apoio do PP (partido do capitão Bolsonaro e sucessor da Arena da ditadura militar) ao governo da ex-guerrilheira Dilma Rousseff, quanto pela presença do PCdoB na administração kassabista em São Paulo. Nessa festa partidária brasileira, ninguém é de ninguém e todos são de todos; ou quase. Um dos limites mais claros para isto está nas alianças eleitorais entre os dois partidos polares do sistema nacional, PT e PSDB. Para esses dois, são interditadas as alianças nacionais, estaduais ou em municípios de primeira grandeza, embora sejam liberadas as coligações pelo interiorzão afora, onde a lógica da política nacional não faz sentido e a ideologia é uma língua estranha.

Aliança entre PSD e PT só interessa ao primeiro

Ao acenar publicamente com seu possível apoio ao PT no pleito paulistano, Kassab aumenta seu cacife numa negociação com os tucanos, seus parceiros de primeira hora. De quebra, facilita sua amizade com o governo federal. Contudo, para que tal proposta matreira seja politicamente levada a sério, é preciso considerar se tal aliança é proveitosa para o PT, já que o casamento não sai sem a anuência das partes. Fazendo-se as contas, faz muito pouco sentido, pois o prefeito paulistano não tem muito a oferecer, mas pode causar prejuízos. Vejamos.

Em primeiro lugar, o PSD não carreia tempo de TV para seus aliados (não mais do que 30 segundos), pois tendo sido criado após as últimas eleições congressuais, não obteve votos para deputado federal e, consequentemente, não pontua no critério de distribuição do tempo no horário eleitoral gratuito. Em segundo lugar, a administração de Kassab é mal avaliada pela população, como demonstram todas as pesquisas. Assim, contar com seu apoio mais tira do que atrai votos – como também foi demonstrado em recente pesquisa do Datafolha. Em terceiro lugar, o PT faz uma forte oposição à administração Kassab na Câmara Municipal e em outras instâncias, de modo que uma aliança obrigaria o partido a moderar seu discurso e, no limite, defender o aliado. Como explicar ao eleitor tal mudança de posição? E, se como afirmou Fernando Haddad ao Valor de ontem, candidatos não devem esconder seus aliados, seria muito difícil jogar Kassab para baixo do tapete.

Em quarto lugar, poder-se-ia alegar que Kassab barganharia a aliança eleitoral em troca do eventual apoio dos vereadores de sua base ao futuro prefeito petista, se eleito. Ora, mas há quem duvide que os vereadores que hoje apoiam o prefeito na Câmara, sejam ou não de seu partido, apoiarão qualquer um que for eleito, desde que recebam algo em troca? Portanto, uma oferta como essa apenas enganaria a ingênuos, que se dispõem a pagar por algo que já têm. Em quinto lugar, Kassab poderia barganhar o apoio do PSD à presidenta Dilma em troca da aliança em São Paulo. Mas vale aqui a mesma lógica dos vereadores: o PSD e seus deputados se dispõem a apoiar qualquer governo que atenda a seus pleitos no Legislativo.

O único ganho a ser auferido pelos petistas no caso de uma aliança com o PSD seria o isolamento de José Serra em relação a um de seus maiores aliados. Contudo, tal ganho é largamente sopesado pelos prejuízos que traz (como nas segunda e terceira razões aduzidas acima). Ademais, Serra já passa por um processo de isolamento dentro de seu próprio partido, tanto na frente nacional (com Aécio à frente), como na estadual (com Alckmin à frente). Para quê, então, gastar cartuchos importantes na aceleração de um processo que já está em curso por questões internas à disputa tucana? Faz mais sentido buscar uma aliança com o principal parceiro nacional, o PMDB, eliminando um adversário que também é ligado à educação, jovem e com forte potencial de crescimento (Gabriel Chalita). Ou então, repetir a tradicional aliança com o PCdoB, que possui um candidato bem situado nas pesquisas (Netinho de Paula) e que reforçaria a candidatura petista na periferia da cidade, oferecendo um contraponto à imagem de moço de classe média escolarizada de Haddad (apesar de sofrer forte rejeição).

Em suma, embora o assédio de Kassab ao PT seja um ato de esperteza política, ela faz muito mais sentido para o prefeito de São Paulo do que para o partido de Lula. Entretanto, como ele, apesar de engenheiro e muito matreiro, não é o único que sabe fazer contas, é pouco provável que tal aliança prospere.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP e colunista convidado do “Valor”. 
E-mail claudio.couto@fgv.br
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Hiper-antipetismo dependente não, PPS independente sim!

A dura crítica que Raul Jungmann faz à atuação do próprio partido. O artigo dá pistas do modus operandi da oposição política brasileira, mesmo não concordando inteiramente com o teor do artigo.

Por Raul Jungmann, publicado no portal do PPS

O hiper-antipetismo é um mix de três atitudes. A crítica e negação permanente do PT e seu governo, a denúncia como método e a afirmação do fim próximo do lulopetismo como mantra. Por não ser autônomo, ele requer aquilo que nega para existir e dele depende.

Na sua origem, temos as razões pelas quais reagimos ao petismo e vice versa.

A principal delas é que eles surrupiaram o lugar que entendíamos nosso, enquanto a ditadura nos perseguia e esmagava.

Depois, dividiram a história da esquerda em duas, uma antes e outra depois deles.

Segundo a narrativa petista, no tempo do PCB vigiam os acordos de cúpula e o controle das massas pelas elites. Com o advento do PT, instala-se a era inaugural da verdadeira esquerda, independente e autônoma, não colaboracionista do capital. A esquerda que chegou ao poder.

Outra razão de disputa, menos visível, é que nós e eles sempre tivemos pretensão à hegemonia da esquerda e nisso somos parecidos.

Para nós, eles nunca aderiram de fato à democracia e às instituições. Para eles, somos vira-casacas e subalternos da direita representada pelos tucanos e demistas.

Se nós do PCB/PPS sempre colocamos o conjunto, as frentes democráticas e a política de alianças em primeiro lugar, eles, egoístas e estreitos, privilegiaram a construção do seu partido e projeto, sem concessões.

Esse caldo e disputa desandaram de vez quando deixamos o governo Lula em 2004, que queria, via Ciro Gomes, nos transformar em barriga de aluguel.

De lá para cá, fomos ficando mais e mais críticos, até que o antipetismo tornou-se a principal raison d’etre da nossa ação política.

Não que nos faltassem motivos, ao contrário.

Lula e o PT descambaram para um despudor nunca visto no uso e acobertamento da corrupção. Aparelharam o Estado até tornarem-no um quase apêndice do petismo. Ameaçaram amordaçar liberdades em nome da impunidade e da ojeriza as críticas.

Destroçaram e cooptaram a oposição. Rasgaram seu programa e roubaram as bandeiras dos seus antecessores. Engoliram ou cooptaram os movimentos, sindicatos e a sociedade civil.

A isto tudo respondemos radicalizando na ação e no discurso, até chegarmos ao “hiper-antipetismo” e dele nos tornarmos dependentes, com graves efeitos colaterais.

O primeiro deles é que fomos reduzindo nosso interesse por quaisquer outras preocupações e propostas. Deixamos de ter uma agenda própria e global para concentrar todas as nossas energias em negar, denunciar e combater o mal simbolizado pelo PT e seu demiurgo, Lula.

Assim, passo a passo, descolamos da política e mergulhamos num embate moral, do bem que representávamos, versus o mal personificado no lulopetismo.

Com isso, empobrecemos nosso discurso e prática. Descuidamos de nós mesmos, atados que fomos à nossa némesis.

O segundo dos efeitos negativos é que delegamos aos nossos aliados a construção de um projeto de poder próprio e de como chegar até ele, pois o nosso projeto era, e segue sendo, derrotar o PT. Donde resulta que pouco ou nada temos a anunciar, preocupados em denunciar que estávamos e estamos.

Terceiro, gradativamente abdicamos de elaborar políticas para o país. Aliás, deixamos de olhar as transformações positivas pelas quais o Brasil passa. Enquanto nós só vemos o que está errado, a grande maioria da população percebe e apóia o que está dando certo.

Diante dessa “ilusão” que se alastrava pelos campos e cidades, contagiando os ingênuos ou manipulados, apelamos ao milenarismo, passando a avistar o “juízo final” em cada esquina da conjuntura.

Num momento, o fim estava próximo porque os juros subiam a níveis insustentáveis; mais adiante, porque o endividamento das famílias ia explodir. Depois, batemos na tecla da crise global, que faria descer sua espada sobre os maus e os males do reino.

Hoje o mensalão; amanhã o último escândalo e o próximo, já engatilhado. Sem falar do retorno inexorável e descontrolado da inflação...

Trocamos a análise dos fatos e sua penosa interpretação pela paixão.

Nesse andar, tornamo-nos um “partido decente” não por escolha, mas por decantação. Se eles eram indecentes, não nos restava outra alternativa.

Ser decente não é um programa para o país, nem um projeto partidário. Sabemos disso. Mas, como decretamos a morte do comunismo, que a socialdemocracia está moribunda e sobre o socialismo nada temos a dizer, a “decência” foi preenchendo nosso vazio ideológico.

Fomos também ficando rígidos e isolados, no desconforto de conviver com adversários de ontem, parceiros de hoje.

Noutro nível, falhamos em entender o lulopetismo e dele extrair lições. Em analisar a razão de sua ascenção; as condições de formação do seu bloco de poder de ciclo longo e que ainda não apresenta sinais de entropia – algo que nos negamos terminantemente a reconhecer.

Em decorrência, sucumbimos também em desenvolver uma política de resistência e convívio de médio e longo prazo com o PT no poder, preparando o partido para essa lenta travessia.

Aferrados à negação deles, tropeçamos em (re)construir nossa identidade, abalada desde a passagem do PCB para PPS. Afinal, ser “anti” não basta ou é suficiente para afirmar uma identidade, dado que permanecemos presos e dependentes do outro, nosso oponente.

Nesse sentido, o hiper-antipetismo é uma prisão, pois nos deixa atados ao campo do lulopetismo, que detestamos. Psicologicamente, estacionamos no terreno da contra-dependência, sem nos alçarmos à independência plena, que é essencialmente afirmativa.

Presos à nossa paixão negativa pelo lulopetismo, esquecemos que a liberdade não passa apenas pela negação de outro, mas pela afirmação de nós mesmos.

Resultado: de 2004 para cá fomos estiolando. Não produzimos nada de envergadura e riqueza comparáveis aos nossos primeiros anos como PPS.

O corolário do hiper-antipetismo dependente, enterrada a 3ª via com Ciro Gomes, tem sido a gravitação em torno do projeto tucano. Estes crescem no desdém por nós, na mesma medida em que diminuímos eleitoralmente.

Nesse cenário, a proposta de candidatura própria a presidente em 2014 representa uma ruptura com a cultura da denúncia, cuja cristalização se dá no hiper-antipetismo. É o retorno a uma política de afirmação partidária e de anúncio de um novo tempo.

É passar da negação do outro, a sua “morte” (tanatos), para a nossa afirmação e vida (eros). É transitar da prisão e da dependência para a liberdade de se (re)criar.

Isso não implica deixar de ser oposição, de denunciar desvios, abandonar o nosso campo de alianças ou de dar duro combate ao lulopetismo.

Sem qualquer auto glorificação, posso afirmar que poucos o combateram tão dura e persistentemente como fiz . Mas não sou antipetista. Sou pepesista, com orgulho, alegria e confiança.

Orgulho, pela nossa história, altivez e ética partidárias. Alegria pela democracia interna que desfrutamos e valores que possuímos.

Confiança porque, como de tantas outras vezes, saberemos construir uma saída para a crise que passamos. Que não é apenas nossa, mas geral e ampla dos partidos e da política representativa.

Porém, temos convicção que não alcançaremos essa saída com base apenas na negação do outro, dissociada da afirmação de um projeto próprio, do resgate de uma agenda positiva e de poder do PPS.
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O Voto Distrital é Excludente

Artigo do cientista político Alberto Carlos de Almeida, publicado no Valor Econômico

Quem defende o voto distrital no Brasil defende a exclusão da representação de grande parcela de nosso eleitorado. O voto distrital é clamorosamente excludente. Essa exclusão é a mesma coisa que bipartidarismo. Todos os países que adotam o sistema eleitoral distrital tornam-se países governados por apenas dois partidos que se revezam no poder por meio de maiorias esmagadoras. 

Ninguém em sã consciência admitirá que a Grã-Bretanha, em toda sua complexidade social e demográfica, seja representada apenas por dois partidos. O mesmo vale para os Estados Unidos. Se esses dois países mudassem seu sistema eleitoral, trocando o voto distrital pelo voto proporcional, eles se tornariam, já nas primeiras eleições legislativas com o novo sistema, países multipartidários. O voto distrital é idêntico a uma camisa de força que limita os movimentos da representação.

Para se obter a maioria dos deputados em uma Câmara eleita por meio do voto distrital, basta que um partido obtenha somente 25% dos votos nacionais. Isso porque é preciso ter 50% de votos em 50% dos distritos, o que resulta nos 25% dos votos nacionais mencionados. Resultado: a maioria governa graças a uma minoria de votos, e a maioria dos votos - 75% - fica de fora do governo. É impossível ser mais excludente. No sistema proporcional, um partido só poderá ter a maioria da Câmara dos Deputados se obtiver 50% dos votos nacionais. 

É evidente, portanto, que o sistema eleitoral proporcional é infinitamente mais justo do que o distrital. Imagine-se no Brasil, onde todos os eleitores acham que todos os políticos são ladrões, um governo majoritário estabelecido com apenas 25% dos votos. Os eleitores vão dizer: além de ladrões, foram eleitos com a minoria dos votos. Seria a mais completa falta de legitimidade. Surpreende-me o fato de haver defensores desse absurdo no Brasil.

Para entender por que o sistema distrital obriga quem o adota a ter somente dois partidos importantes, vale entender o que acontece na eleição dentro de cada distrito. Em um distrito britânico onde há três candidatos, um conservador, um trabalhista e um liberal-democrata, é comum que o candidato liberal-democrata fique na terceira posição em proporção de votos. Somando-se todos os liberais-democratas que ficaram em terceiro lugar nos mais de 600 distritos britânicos, pode-se obter, por exemplo, que esse partido teve um total nacional de 10% dos votos.

Porém, como esses 10% de votos não foram para nenhum candidato que ficou em primeiro lugar, foram desperdiçados, jogados no lixo, esses 10% de votos não elegeram deputado algum. Somente os liberais-democratas que ficaram em primeiro foram eleitos, mas, somando-se a votação nacional de todos os primeiros colocados desse partido, tem-se somente 6%. É por isso que o partido fica com 16% dos votos nacionais e somente 7% das cadeiras do parlamento. Isso jamais ocorre no nosso sistema eleitoral, que é o proporcional.

Foi assim que em 1983 os liberais-democratas britânicos tiveram 25,4% dos votos, mas somente 3,5% das cadeiras, um completo absurdo, uma completa falta de proporcionalidade, uma total injustiça distributiva quando se considera a relação entre votos e cadeiras. Em 1987 foram 22,6% dos votos que resultaram somente em 3,4% de cadeiras; em 1992 ocorreu que 17,8% dos votos foram traduzidos em somente 3,1% de assentos no parlamento. Em 1997 a injustiça foi menor, mas permaneceu: 16,7% dos votos os levaram a obter 7% de cadeiras. 

Daí para a frente, a situação só fez piorar: em 2001, 18,3% dos votos resultaram em 7,9% de assentos parlamentares; em 2005, 22,1% dos votos conquistaram 9,6% das cadeiras, e em 2010 a situação foi ainda pior, quando 23% dos votos resultaram em somente 8,8% de cadeiras. Todos os lugares que adotam o voto distrital punem cruelmente o terceiro partido. Esqueça quarto partido, ele simplesmente não existe na prática.

A consequência prática imediata desse processo é que o eleitor médio percebe que o sistema pune o terceiro partido e assim ele passa a praticar o voto útil, escolhendo preferencialmente candidatos trabalhistas ou conservadores, que são os únicos partidos que realmente têm condições de obter a maioria parlamentar. Ou seja, além de todos os defeitos do voto distrital que venho mostrando nesta coluna, ele tem um defeito adicional perverso: estimula o voto útil. Esse fenômeno foi mostrado a primeira vez por Maurice Duverger nos anos 1950.

Se o Brasil adotar o voto distrital, sobreviverão apenas três partidos, que provavelmente serão o PT, o PMDB e o PSDB. Os demais serão liquidados, extintos, aniquilados. Se alguém tiver dúvidas quanto a essa afirmação, dê-se ao trabalho de ver a composição da Câmara dos Deputados dos países que adotam o voto distrital.

O sistema distrital pune o terceiro partido e premia o partido mais votado. É um sistema perverso, porque fabrica artificialmente a maioria. Não se trata de mágica, é um resultado real e concreto de um sistema que distorce a representação. Mais uma vez o melhor exemplo para demonstrar esse fenômeno é a Grã-Bretanha.

Em 1983, Margaret Thatcher foi eleita primeira-ministra pela segunda vez, com seu partido obtendo 42,4% dos votos. O impressionante é que o Partido Conservador conquistou nada menos do que 61% das cadeiras do Parlamento, praticamente 20% a mais do que sua votação. Em 1987 a desproporção também ficou muito próxima disso: com somente 42,3%, obteve-se 57,9% dos assentos. Em 2001 foi a vez dessa injustiça distributiva favorecer o Partido Trabalhista: foram 40,7% de votos que resultaram na conquista de 62,5% das cadeiras. Em 2005, foram 35,2% de votos para o partido de Tony Blair, e eles conquistaram 55,2% de cadeiras. Isso seria intolerável no Brasil.

O voto distrital elimina o multipartidarismo, aniquila todos os partidos menos três, pune o terceiro partido tornando-o um nanico sem poder de influência nas decisões governamentais, incentiva o voto útil, e por fim cria uma maioria artificial dando mais cadeiras do que votos para o partido mais votado. No voto distrital o vencedor leva tudo ("the winner takes all").

A nossa Câmara dos Deputados tem 513 representantes e o partido mais votado, o PT, ficou com 80 cadeiras. No voto distrital o PT teria ficado provavelmente com 280 cadeiras, isto é, mais do que 50% dos assentos. Hoje o primeiro-secretário da Câmara é o deputado Eduardo Gomes, do PSDB do Tocantins, um parlamentar da oposição. Isso jamais ocorreria se o PT tivesse 280 cadeiras. 

Ao contrário, toda a mesa da Câmara seria composta por deputados petistas. No sistema distrital, a maioria simplesmente manda e ocupa todos os espaços. Em todos os países com voto distrital, a mesa da câmara é 100% controlada pelo partido que tem a maioria, e o mesmo acontece para todas as comissões legislativas. Funciona novamente aqui o princípio do vencedor leva tudo.

Margaret Thatcher extinguiu em 1986 o Greater London Council, que era a prefeitura da grande Londres, porque seu ocupante à época, Ken Livingstone, era um duro opositor. É impensável esse tipo de medida no Brasil. É impossível que Dilma, insatisfeita com a oposição que lhe fizessem o prefeito de São Paulo ou do Rio, simplesmente extinguisse uma dessas prefeituras. Aliás, como nosso sistema é predominantemente conciliatório, é muito difícil que prefeitos de cidades importantes façam oposição ao presidente.

Nós brasileiros temos preconceito contra nós mesmos. O sistema proporcional que adotamos resulta na existência de um grande partido de centro, o PMDB. O sistema distrital americano resulta na existência de somente dois partidos, Republicano e Democrata. Se formos pensar fora da caixinha, fora do tradicional, veremos que a relação custo-benefício do PMDB é bem mais favorável do que a simples existência de dois partidos como democratas e republicanos. No último mês vimos os prejuízos (de bilhões e bilhões de dólares) causados pelo sistema americano ao seu próprio país e ao mundo. Um sistema que, graças ao voto distrital, não incentiva o consenso, mas somente o conflito. O PMDB, ao contrário, confere total governabilidade ao Brasil.

Aliás, ainda no terreno da comparação, desde 1928 somente os presidentes peronistas cumprem integralmente o mandato na Argentina. Todos os radicais eleitos não tiverem esse destino. Isso aconteceu porque não existe um PMDB na Argentina. É possível que nós brasileiros tenhamos um excelente sistema eleitoral, embora não saibamos disso ou não reconheçamos esse fato. Em suma, não há motivos razoáveis para adotarmos o excludente voto distrital.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário
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MEMBROS DA EXECUTIVA E PRESIDENTES DE ZONAIS DO PT DE PORTO ALEGRE DEFENDEM CANDIDATURA PRÓPRIA

(Extraído do Portal PT POA)



foto: Tatiana Feldens

Membros da Executiva defendem candidatura própria

Também foi entregue ontem à noite ao presidente do Diretório Municipal, vereador Adeli Sell, carta assinada por por sete integrantes da Executiva do PT e seis presidentes de Zonais, manifestando-se a favor de candidatura própria em 2012. O documento defende que a vaga de candidato à vice seja reservada a outro partido da base de sustentação do governo estadual.

Leia o conteúdo da carta na íntegra:


Compromisso com o PT e com Porto Alegre
 Recente artigo do sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto Vox Populi, apontou para uma mudança significativa no comportamento do eleitorado em relação aos efeitos das eleições municipais nos cenários estadual e nacional. Diz o articulista que, se antes pleitos municipais exerciam forte influência sobre processos eleitorais superiores, esta realidade é nos dias de hoje superada por novas formas e canais de informações à disposição dos eleitores, tornando-os mais independentes de suas lideranças políticas locais. Argumenta ele:

“O eleitor brasileiro médio é muitas vezes mais autônomo em relação às lideranças municipais e tem condições de se informar sozinho sobre quem são e o que representam os candidatos ao Legislativo, aos governos estaduais e, especialmente, à Presidência da República. Por esses motivos, a discussão sobre os efeitos de 2012 sobre 2014 é, em grande parte, uma perda de tempo. Como foram as que fizemos nos últimos anos, em situação semelhante. Nenhuma das eleições municipais que tivemos de 1988 em diante teve consequências significativas nas presidenciais seguintes.”

Ao analisarmos os últimos pleitos ocorridos no Rio Grande do Sul, verificaremos que a afirmação é verdadeira. Um grande exemplo é a eleição de Tarso Genro para o governo estadual em 2010 ainda no primeiro turno num momento onde a hegemonia das prefeituras gaúchas era exercida por campos políticos opostos ao projeto da Unidade Popular. Das maiores cidades gaúchas, apenas uma era governada pelo PT. Porto Alegre, Santa Maria, Caxias do Sul e Pelotas tinham composições de governo identificadas com outras candidaturas em nível estadual . Indo além, a vitória de Tarso no primeiro turno não resultou na vitória no estado da candidatura apoiada por ele e pela Unidade Popular em nível nacional .

Mesmo considerando a mudança de comportamento do eleitorado explicitada por Coimbra, qualquer análise do PT sobre a eleição de Porto Alegre em 2012, deve ter como um de seus elementos os cenários futuros em nível estadual e nacional. Da mesma forma como o reconhecimento da necessidade de reeleger o projeto petista em nível nacional fez parte da análise que o PT realizou em nível estadual, a qual culminou na candidatura e na vitória de Tarso Genro ainda no primeiro turno da eleição de 2010 aqui no RS.

Durante o processo estadual, setores do partido cogitaram a necessidade de que o partido indicasse o vice na chapa do PMDB, aliado nacional do PT. No entanto, a vitória evidenciou o acerto do partido ao promover processo de construção do consenso em torno de uma candidatura a governador e de um programa de governo construído com a participação da sociedade.

Inspirada no acerto estadual, a direção municipal do PT de Porto Alegre iniciou, ainda em 2010, um processo de diálogo interno entre as correntes políticas que compõem o partido, sua bancada municipal e o conjunto de seus filiados sobre a eleição de 2012 na capital. Processo ainda em curso, que vem avançando passo a passo, sem atropelos, com muito diálogo e a busca de consensos.

Tal processo, em nível municipal, culminou no lançamento da “Carta de Porto Alegre”, na abertura de inscrições de pré-candidaturas ao Paço Municipal, na consulta ainda em curso a ex-prefeitos e figuras públicas de relevância do PT na cidade, na abertura de debate sobre o tema em todas as zonais partidárias. Além disso, neste processo, o PT nunca deixou de dialogar com os demais partidos da base de sustentação do governo estadual.

Até o presente momento, as ações da atual direção demonstraram-se acertadas, fazendo de seus filiados os protagonistas do caminho que o partido deve trilhar em 2012. E assim deve continuar este processo, sob pena de afastarmos a militância das decisões partidárias ao praticarmos a condenável lógica de outras agremiações partidárias onde as decisões ocorrem da cúpula para a base.

Durante este processo, já é possível identificar, no âmbito da militância petista, nas afirmações de ex-prefeitos e figuras públicas relevantes consultadas, a necessidade do PT apresentar candidatura à prefeitura de Porto Alegre. Seria impensável para um partido que governou a cidade durante quatro gestões, que historicamente recebe o apoio de um quarto da população, lidera os movimentos sociais e populares e está à frente dos governos federal e estadual, abrir mão do seu protagonismo eleitoral.

Sem dúvida, a grande tarefa do PT para 2012 é constituir uma candidatura à prefeitura que tenha densidade, opinião sobre os grandes temas da cidade, aponte para o futuro do nosso projeto e esteja à frente de uma aliança com todos ou parcela dos partidos da base estadual. Este é um processo fundamental para que o PT tenha a força necessária para enfrentar o embate eleitoral e mantenha o partido vivo no legislativo municipal e nos movimentos sociais e populares da cidade.

Em tese, isto parece ser um consenso no PT.

No entanto, a realidade é que existem duas pré-candidaturas oriundas de partidos da base de sustentação estadual. De um lado, o PDT já afirmou e reafirmou a candidatura do atual prefeito Fortunati à reeleição, do outro, o bloco PCdoB-PSB fez o mesmo com relação à candidatura de Manuela. Salvo uma hecatombe, este cenário não mudará. Ambos tem idêntica posição de que o PT pode compor suas chapas apresentando o candidato ou a candidata à vice. Com relação à chapa de candidatos proporcionais, ambos também declinam da possibilidade de aliança.

Esta é a realidade e é em cima desta realidade que a direção e os filiados de Porto Alegre devem construir sua análise.

Sem falsos dilemas, não há quem no PT deixe de defender aliança com os partidos da base de sustentação estadual. O grande debate consiste no papel do partido no cenário acima colocado e o método de construção de alianças.

A nosso ver, a construção de uma aliança entre todos os partidos da base estadual dependeria necessariamente da retirada imediata das pré-candidaturas já apresentadas e a formação de uma mesa de diálogo que discutisse uma composição sob outra lógica. E aí, com toda sinceridade, perguntamos: alguém no PT acredita na possibilidade de Fortunati ou Manuela retirarem suas candidaturas para apoiarem uma única opção do bloco de alianças do governo estadual?

Com o cenário praticamente consolidado, com duas pré-candidaturas não-petistas apresentadas por partidos da base de sustentação estadual, reafirmamos a necessidade do PT ser protagonista na eleição de 2012 em Porto Alegre, o que significa ter candidatura própria e, a partir dela, buscar partidos aliados. Não ao contrário. Opinião que está com consonância com os debates já realizados pelos filiados no diretório municipal e diretórios zonais do partido.

Entendemos que capitular e abrir mão deste protagonismo, buscando aderir uma das duas pré-candidaturas não-petistas já apresentadas implicaria em uma série de riscos para o PT em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul.

Mesmo concordando com o sociólogo Marcos Coimbra sobre a pequena influência do resultado eleitoral nas cidades com relação aos cenários eleitorais superiores, a opção por uma das pré-candidaturas não-petistas inevitavelmente poderia ocasionar mal-estar e fissuras entre os partidos da base de sustentação estadual. Como se comportaria o bloco PCdoB-PSB diante do apoio petista a Fortunati no cenário eleitoral de 2014? E o inverso, como se comportaria o PDT com o apoio petista a Manuela?

Neste cenário, a base de apoio será menos fragilizada se o PT não optar por uma das pré-candidaturas não-petistas, pois deixaremos de optar por um dos lados, já que não se pode unificá-la. Mais ainda, assim como ocorreu na eleição de 2010 que resultou na vitória de Tarso, os projetos estadual e federal teriam representação política efetiva sem comprometer movimentos futuros do partido com relação ao processo eleitoral de 2014.

Nosso partido nasceu para disputar e conquistar o poder. Seu programa, desde a fundação, apresentou esta perspectiva, traduzida em propostas políticas em cada embate. Tanto nas disputas do movimento social como nos processos eleitorais institucionais em todos os níveis. É evidente que havendo elementos conjunturais e pontuais como uma grande força do campo da direita ou supremacia de estrutura partidária e proposta política mais ajustada faz parte do processo político a consideração de composições partidárias. Nos locais em que o PT abandonou seu projeto em nome de acordos eleitorais, desconsiderando seu protagonismo e sua tarefa histórica, o saldo político é extremamente danoso para o projeto partidário. Rio de Janeiro e Belo Horizonte são os exemplos de maior visibilidade.

Na Porto Alegre de 2012, não estamos em frente a um dos momentos em que a esquerda está enfraquecida em relação à direita política e social. Ao considerarmos tanto a experiência petista como as propostas programáticas apresentadas pelos partidos aliados, não podemos nos furtar de apresentar o PT como a melhor alternativa política para a cidade. Não exercer o nosso protagonismo é negligenciar com a expectativa em nós depositada por expressiva parte da cidade. É abandonar nossa militância, filiada ou não ao partido. Os efeitos deste tipo de opção são conhecidos em outros diretórios do partido.

Entendemos que a história e o capital político do maior partido presente em Porto Alegre construído ao longo dos anos por sua aguerrida militância não pode ser desprezado. O PT tem projeto e tem nomes em condições de representar a nossa visão de cidade, de disputar e vencer a eleição de 2012.

Neste sentido, defendemos que o PT encare a realidade de frente, decida o caminho a seguir sem atropelos, mas também sem protelar os debates já em curso. O momento é de decisão e não da criação de falsas polêmicas que travem a discussão buscando esconder-se atrás de um processo para não revelar sua posição ou mesmo para tentar em vão reverter um sentimento que se consolida entre os filiados e os dirigentes petistas.

Porto Alegre também tem o direito de voltar a ser do Rio Grande do Sul, do Brasil, do Mundo. E o PT deve ser o protagonista desse processo, com candidatura própria e um programa de governo que represente a nossa história, nossa visão de cidade e tenha a capacidade de se renovar.

* Este é um documento aberto a contribuições de filiados e filiadas do Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre. Tem como signatários integrantes da Executiva Municipal, do Diretório Municipal e Presidentes Zonais identificados com diversas tendências internas do partido dispostos a contribuir no debate sobre a sucessão municipal de 2012.

Alencar Quoos (diretório municipal)
André Rosa (diretório municipal)
Angélica Mirinha (presidente da 1ª zonal)
Assis Brasil Olegário (diretório municipal)
Ester Marques (diretório municipal)
Hermes Tuca Vidal (presidente da zonal 113)
Isabel Torres (executiva municipal)
Jorge Maciel (diretório Municipal)
José Carlos Conceição (secretário de formação)
Márcia Olegário (presidente da 2ª zonal)
Márcio Tavares dos Santos (diretório municipal)
Nasson Sant’Anna (diretório municipal)
Nelci Dias (executiva municipal)
Nélson Cúnico (presidente da zonal 159)
PauloWayne (diretório municipal)
Reginete Bispo (executiva municipal)
Rodrigo Oliveira (vice-presidente)
Ubiratan de Souza (secretário de organização)
Wagner Negão (presidente da zonal 160)
Maria de Fátima Baierle (diretório municipal)
João Alberto Fontoura (diretório municipal)
Zé Reis (secretário geral)

Asscom PT-POA
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Um sopro de vida orgânica no PT

O documento aprovado no Congresso do PT é uma tentativa de resgatar a organicidade política do partido que, depois de oito anos de governo Lula (e oito meses de Dilma) acabou se conformando como uma mera unidade pró-governo. É uma tentativa de sair da arena da luta meramente institucional com os partidos aliados e ganhar a opinião pública para suas bandeiras.

Maria Inês Nassif, publicado na Revista Carta Maior

Não se recomenda reduzir o Congresso do PT, realizado no final de semana, a um mero jogo de cena. A ausência de debates acalorados ou a não explicitação de grandes divergências internas dizem mais do que isso. Ao longo de oito anos de governo, e no início de um terceiro mandato na Presidência, era inevitável que mudanças se produzissem num partido que sempre funcionou como uma frente de tendências de esquerda, setores sindicais e grupos ligados à Igreja Progressista. 

O PT passa por um processo de mudança que se iniciou em 1998, após a terceira derrota de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência. Ao longo do tempo, sofreu defecções próprias de um partido que se consolidou na oposição e como partido de esquerda que, uma vez no poder, não teria condições de governabilidade se não optasse por uma política de alianças mais ampla e maleável.

Muita água rolou debaixo da ponte desde a formação do PT, em 1980. Sofreu rachas que resultaram no PSTU e no PSol; não apenas perdeu setores ligados à Teologia da Libertação, como os que lá permaneceram vivem o ostracismo a eles imposto nos dois últimos papados (de João Paulo II e de Bento XVI); amargou as crises do chamado Mensalão e dos "Aloprados", que resultaram não apenas em desgaste popular, mas em perdas de quadros importantes para a dinâmica interna, sangria iniciada na formação do Ministério petista; foi de alguma forma redimido pelo sucesso dos governos Lula, mas para isso teve que pegar carona na popularidade de um líder carismático que detinha o poder do presidencialismo. 

O resultado foi um esvaziamento de quadros dirigentes, uma crise interna que se estendeu no tempo, inclusive pela falta de mediadores com o peso de Lula, e uma perda de peso relativo em relação aos demais partidos da base aliada, embora permaneça com uma grande bancada no Congresso.

Essa conjunção de desgraças poderia ter reduzido o partido a pó, à semelhança do que acontece com o desidratado DEM, ex-PFL. Não foi o que aconteceu. Primeiro, porque continua partido do governo - e num sistema presidencialista, isto não é pouco, nem para o PT (embora, por justiça, é preciso lembrar que o partido, desde a sua criação, teve um crescimento eleitoral contínuo, mesmo na oposição, e apenas sofreu uma queda eleitoral em 2006, quando era governo e apesar da reeleição de Lula). Em segundo lugar, porque a sangria de quadros não alterou a realidade de que o partido ainda é o único que dispõe de quadros, não apenas os nascidos de sua organização mas também os originários da esquerda pré-redemocratização. 

A vantagem disso é que, mesmo com a proliferação de grupos articulados em torno de líderes paroquiais (isso também existe no PT), prevalece, inclusive numericamente, a ideia de que a organicidade partidária é a grande vantagem de que desfruta em relação aos partidos da base aliada, nas contendas com o governo.

As dificuldades que o governo Lula e o PT enfrentaram a partir de 2005 também colocaram como questão eleitoral para o partido a atração dos movimentos sociais, afastados nos primeiros anos de governo petista, e a inclusão dos setores que ascenderam à sociedade de consumo nesse período graças às políticas de inclusão do governo petista. Se o partido não capitalizar esses setores agora, não conseguirá dividir esse legado com Lula. Ou o perderá para o PSDB, que investe na "nova classe média" partindo do conceito clássico de que esse setor social tem grande tendência ao conservadorismo. O PSDB quer conquistar os setores que emergiram no governo petista pela direita; o PT tenta fidelizá-lo com um discurso mais progressista, para não perder o apoio das classes mais baixas que, se não chegaram às classes médias, ascenderam à sociedade de consumo nos governos petistas.

A defecção de grupos de esquerda e a divisão das responsabilidades de governo com tendências que se desentendiam internamente permitiram o milagre da unidade, num momento de crise em que se apostaria na fatalidade da desunião. A saída de Lula do governo e uma aposta na incapacidade da presidenta Dilma Rousseff nas questões de natureza política reiteravam essa previsão. Não foi tão ruim assim. E, pensando bem, pode ser uma grande chance para o PT encontrar o equilíbrio entre os interesses do partido e as exigências do governo.

O documento do PT, aprovado no encontro, é uma tentativa de resgatar a organicidade política do partido que, depois de oito anos de governo Lula (mais oito meses de Dilma) acabou se conformando como uma mera unidade pró-governo. É uma tentativa de ter suas próprias bandeiras, no suposto de que o partido deve assumir o papel de abrir espaço, na sociedade, para medidas de caráter mais progressista. Entenda-se a manifestação política do Congresso do PT como uma tentativa de sair da arena da luta meramente institucional com os partidos aliados e ganhar a opinião pública para suas bandeiras. Por enquanto, o único mérito é tentar retomar o seu papel de intelectual orgânico. Será um grande mérito, contudo, se conseguir levar essa missão a bom termo.

(*) Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.

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Dirceu X Veja: ponto de inflexão




Capa da edição nº 1 da revista Mídia com Democracia - FNDC: trata do Capítulo V da Comunicação Social de CF88.


Por Eugênio Neves

Não escrevo este texto para participar dessa campanha de repúdio a conduta da "revista" Veja. Me recuso a fazer parte, mais uma vez, desse coro de indignados que canta em uníssono a cada nova armação da mídia golpista. Aliás, falar em mídia, golpe e capitalismo, é uma redundância. Me recuso a participar dessas ações pontuais, desses apaga incêndios que a mídia ateia por todo canto, a todo o instante. Escrevo sim, para dizer ao Zé Dirceu que ele deve ir às comemorações do aniversário dos "90 anos" da Veja e agradecer, penhorado, pela "honra" de ser sacaneado pela "revista" do Murcita.

Acho que ele deve fazer como Dilma e mostrar sua "magnanimidade" com aqueles que o querem ver pelas costas. Pois Dirceu não se prestou a ir à TV Cultura, aparelho do tucanato paulista, para ser sovado por pelo Augusto "Nules" e as outras nulidades do Roda VivaO que Dirceu esperava conseguir ao submeter-se voluntariamente ao sacrifício naquela "fogueira" inquisitorial? Pelo visto, todas as explicações que deu ali não produziram o menor resultado, já que, como ele mesmo diz, Veja volta a carga com "o claro objetivo de destruir" sua "imagem".
Dilma foi massacrada na campanha, foi arrastada para lá e para cá como um pano de chão, difamada, incriminada por documentos falsos, chamada de poste. No entanto... 

Em 12/08/10 escrevi:  
"O Lula, na minha opinião, é possuído por uma espécie de soberba em relação a Globo. Ele acha que seu carisma resolve tudo e se recusa, estupidamente, a meter o dedo na cara da mídia cobrando compostura. Esse excesso de confiança pode ter consequências funestas. 
E a esquerda, em geral, vive dessa fantasia imbecil de que o povo é depositário de toda a sabedoria e está imune as maquinações midiáticas. Que bom seria se assim fosse. Mas a realidade é bem outra. Só o fato de termos que disputar uma eleição com um nada como o Serra, da bem a medida do quanto nosso povo é "çábio".
O que veremos é a velha choradeira de que a mídia manipulou pesquisas, fez isso e aquilo, se perdermos a eleição. Por que o Lula não fez, até agora, um comentário sobre as discrepâncias das pesquisas dos vários institutos? Ele se acha acima dessas "picuinhas"?
E se ganharmos, a primeira coisa que a Dilma fará é ir correndo sentar no colo da Globo, para pedir a benção e dar uma exclusiva. Pode apostar". Só errei de colo.
E tudo isso em nome de uma suposta "distensão. O que a presidenta ganhou indo aos 90 anos da Folha? Os mais otimistas dirão que ela foi promovida de poste a faxineira. Claro, sempre se pode ver o lado bom das coisas. E como "faxineira" Dilma inicia seu governo, completamente refém da máfio mídia, obrigada a cortar cabeças no rastro de uma campanha "moralizante" que os Murcitas lhe empurraram goela abaixo. Mesmo cumprindo a "agenda" midiática que lhe foi imposta, Dilma cai nas pesquisas, pois a mídia, cínica e habilmente, consegue colar em seu governo a pecha de "mar de lama". Não preciso, imagino, repetir aqui o enfadonho discurso sobre a hipocrisia da mídia e sua moralidade seletiva, quando trata-se de denunciar corrupção. O Brindeiro que o diga.
Acreditar piamente que a mídia é passível de ser cooptada, parece um pensamento que domina uma boa parte do PT, inclusive suas cabeças "coroadas". Tá aqui o Palocci, todo solícito, dando explicações aos "porteiros" do Instituto Milenium. Esse foi outro que não precisou esperar para ver que a mídia não tem "amiguinhos". Dizem as más línguas que ele teria sido o padrinho daquele gesto de "distensão" que a Dilma teve com a Folha. Falou-se até em "lua de mel" do governo com a mídia, quando na verdade era só uma pausa tática, para estudar qual seria o ponto frágil a ser explorado pelos fabricantes de factóides. E, ironia das ironias, foi justamente o padrinho desse "casamento" bizarro que teve sua cabeça posta a prêmio pelo "noivo" ingrato, que refugou a mão estendida de Dilma. A presidenta acabou abandonada em plena "lua de mel", encerrando de forma abrupta e traumática aquilo que parecia ser um "viveram felizes para sempre". E Palocci, montado em seu jerico, que provavelmente foi quem lhe deu essa brilhante idéia da "distensão" com a mídia, voltou para o mercado, de onde jamais deveria ter saído.    

A falta do limite

A mídia, só tem feito, no final das contas, aquilo que se permite que ela faça. Não há na nossa sociedade qualquer instância que a regule. Toda vez que se tentou algo nesse sentido, a mídia fez uma campanha feroz em defesa de seu privilégio de manter-se como um ente paralelo ao estado, que atua sem prestar contas a ninguém. Usa seu poder para intimidar a sociedade, o legislativo e até o judiciário. Não se furta a cometer todo tipo de crimes, desde a criação de documentos falsos a invasões de domicílio. Assassina reputações por qualquer da cá aquela palha. 
Eu gostaria de ter o direito, como cidadão (já que a lei, ou a falta dela, deveria ser igual para todos), de produzir um documento falso fazendo todo tipo de acusações ao Murcita. Para mim seria muito fácil: é só abrir meu "fotoxópi" e mandar ver. Usaria até aquele tom sépia, característico dos documentos antigos, para dar ares "credibilidade" a picaretagem. E ainda teria o cuidado de não colocar nenhum CPF, como fez a Globo nos documentos da "compra" da TV São Paulo, num tempo em que esse instrumento fiscalizador sequer existia.
Mas se eu cometesse tal ousadia, teria na minha porta uma legião de advogados ou o ministério público para me processar. Como aconteceu com os blogueiros da "Falha" de São Paulo, por terem feito um trocadilho com o nome daquele pasquim. Isso é um bom exemplo do quanto a relação mídia X sociedade é totalmente assimétrica, quando tratam-se de deveres e direitos. Estamos sempre pisando em ovos, medindo as palavras pra não desencadear a divina ira dos donos da mídia. Se, inadvertidamente, dissermos qualquer coisa que os desagrade, lá vem processo. E, claro, sem contar com as tuitadas do Zé Dirceu para nos defender. Imagine se ele iria se "queimar" com a mídia por causa de uns eleitores que resolvessem querer jogar o mesmo jogo sujo que é o "mudus operandi" da mídia? 
Ainda sobre a impunidade da mídia, em texto publicado no Ponto e Contraponto , seu autor observa:
"Antes de publicar a edição dessa semana, a revista VEJA já tinha se complicado com a  denúncia de José Dirceu. Foi aberto boletim de ocorrência no 5º distrito policial de Brasília, que conta com o depoimento da camareira e do chefe de segurança do hotel. Na edição dessa semana, por burrice ou amadorismo, a revista produz prova robusta contra si mesma". Burrice, amadorismo? Ou soberba, de quem sente-se acima da lei e tem convicção de que jamais será enquadrado por ela?

Ausência de regulação

É bom recuar no tempo para entender melhor como chegamos a esse estado de coisas. Lá na constituinte de 1988, a sociedade civil mobilizada, atuou no capítulo que diz respeito a comunicação social. Essa ação garantiu o dispositivo que proíbe o monopólio das comunicações. Cabe lembrar que foi nesse período que as várias entidades que atuaram na constituinte, pela democratização das comunicações, fundaram o FNDC. Mas isso não se materializou em resultado prático, pois até hoje, o executivo recusa-se a enviar o projeto de lei ao legislativo. Que tal regulamentação não tenha ocorrido até o final da era FHC, dispensa comentários. Mas e o que aconteceu nos oito anos do mandato de Lula? O relatório que o professor Venício A. de Lima produziu sobre esse período é desalentador. De concreto, Lula deixou o tal Marco Regulatório. Produzido pelo ministro Franklin Martins, até o momento continua estacionado no Ministério das Comunicações, dando a impressão de que o ex-presidente empurrou para a Dilma o abacaxi que não queria descascar. 
Cabe lembrar, também, que foi no penúltimo ano do governo Lula, depois de uma grande pressão da militância ligada a democratização das comunicações, que aconteceu a CONFECOM. Até agora não foi elaborado o relatório dessa conferência e parte das demandas aprovadas, em tese, teriam sido incorporadas ao tal marco regulatório. Em tese, por que ninguém sabe, ninguém viu.
Mesmo assim, Lula não se furtou a dar declarações bombásticas do tipo "não se deve ter medo da mídia", quando a platéia era de blogueiros ou estava abaixo do palanque. Diante dos barões da mídia, um silêncio obsequioso, enquanto ouvia a ladainha do "nelsinho" sobre "liberdade" de imprensa, quando este era presidente da ANJ. No governo Dilma, as coisas não estão melhores. O ministro Paulo Bernardo, se dá até ao luxo de ironizar os blogueiros quando cobrado sobre o projeto da banda larga universal, uma promessa de campanha da Dilma. Sem falar, que na última licitação de concessões de radio difusão, até cabeleireiras serviram de laranja para políticos e empresários do setor. 

O "terror noturno"

Como eleitor e não participante do círculo do poder, tudo o que posso fazer é especular sobre determinadas coisas, mesmo correndo o risco de passar por ingênuo. Não canso de querer entender por que essa questão da regulação da mídia é tratada com tamanha negligência pelos governos do chamado campo progressista. 
Uma razão possível, é a de que a comunicação não é um um tema merecedor de atenção, dada a sua "pouca" importância. Afinal, vendo as coisas por essa ótica estreita, existem outros problemas a serem encarados, tais como crescimento econômico, saúde, educação, segurança, etc. Outra razão possível, seria a incapacidade de compreender em profundidade o que é esse fenômeno da midiatização e seu poder de produzir subjetividade e consensos, ao bel prazer de quem tem o controle dos meios de comunicação de massa. Uma outra hipótese possível, seria o "terror noturno" que assombra as esquerdas. Ou seja: o medo da mídia possuir um grande trunfo, um mega mensalão no bolso do colete para ser usado na hora certa. A bala de prata, a bolinha de papel definitiva que dará um cheque mate no governo e em todo o campo progressista.
Mas, se a última hipótese fosse plausível, por que a mídia se arriscaria a operações rocambolescas e ilegais (como essa contra o Dirceu), para golpear o governo Dilma, se pudesse acabar com ele, apenas utilizando o seu "grande trunfo"? Por que a mídia continua "testando hipóteses"?
A resposta óbvia é que ela não tem trunfo algum. Assim, o tal "terror noturno", não tem a menor razão de ser. 
Isso nos coloca diante do que poderia chamar-se de "ponto de inflexão" na postura do governo e da sociedade em relação a conduta da mídia. Esse episódio é um divisor de águas entre o passado e o futuro da história desse país. Luis Nassif chama a atenção exatamente para isso

  
Da indignação à ação

Daqui para adiante, fica impossível para o governo, refugiar-se na sua costumeira omissão (ou covardia mesmo), no "faz de conta que não está vendo o que a mídia está aprontando". 

Acabou-se o tempo dessa retórica do Zé Dirceu sobre como Veja abandonou "os critérios jornalísticos e a legalidade,...abriu mão também dos princípios democráticos". Ou suas recorrentes lamúrias sobre a revista ter "o claro objetivo de destruir" sua "imagem e pressionar a Justiça pela" sua "condenação. Sua campanha contra mim não tem limites. Mas a Veja não fere apenas os meus direitos. Ao manipular fatos, ignorar a Constituição, a legislação e os direitos individuais, a revista coloca em risco os princípios democráticos e fere toda a sociedade". 
Acabou-se, também, o tempo da indignação e do voluntarismo dos anônimos militantes internéticos e dos blogueiros, que viram noites escrevendo e tuitando para tentar reverter os efeitos das patifarias da mídia. É preciso haver mudanças. Agora, não há outra solução que não o enfrentamento aberto. Mas não o enfrentamento Dirceu X mídia. 
Não! Quem tem a obrigação de enfrentar esse gangsterismo midiático é o governo que nós colocamos no poder. Dilma nos deve isso. Chega de dissimulação, chega de fazer de conta que a mídia não é um estado paralelo dentro do estado e que não atenta contra a democracia a cada editorial.
É importante levar em conta que o que acontece aqui, tem muitos pontos em comum com ao crimes que o tablóide sensacionalista do Murcita praticou na Inglaterra. Enquanto lá, devido a comoção que tais crimes causaram, o magnata da desinformação foi obrigado a fechar seu pasquim, aqui, o desdobramento do caso Dirceu X Veja é uma verdadeira incógnita. Considerando-se outros episódios que envolveram a mídia na história recente do país, passada a indignação do momento, tudo tende a voltar a conhecida estagnação. Foi assim com a manipulação do debate entre Lula e Collor, com a Escola de Base, com o pânico da febre amarela, com os documentos falsos contra Dilma, com a bolinha de papel e tantos outros casos, que marcam a sanha golpista da mídia cabocla. 

Do varejo ao atacado

Se o governo precisa abordar essa questão de uma forma como nunca fez antes, a militância internética, por sua vez, também precisa fazer algumas reflexões sobre o seu papel em relação as decisões que o governo venha a tomar sobre esse episódio. Assim como o governo deve entender que esse é o "ponto de inflexão, os militantes da comunicação não podem deixar as coisas no patamar em que estão. 
Continuaremos emprestando nosso apoio incondicional ao governo? Continuaremos limitando nossa ação a difusão de piadinhas tipo o "poderoso gebão" e textos sobre uma realidade que estamos fartos de conhecer? Ou partiremos para o enfrentamento, também? Mas não com a mídia, dessa vez, mas sim com o próprio governo, forçando-o a usar o peso das instituições republicanas para dar um paradeiro nesse permanente terror golpista que os Murcitas nos impõem?
Não estaria na hora de provar se a militância que usa a internet tem realmente o poder de mudar alguma coisa? Até acho que tem, pois se não fossemos nós segurando a onda da bolinha de papel, a candidatura da Dilma dançava. E se não estamos com essa bola toda, nossa solidariedade ao Dirceu também não faz diferença. 
Não estaria na hora de dizer que nosso esforço tem um preço e que queremos mais do que uma reunião de final de campanha, para o eleito da vez nos adoçar com o "vocês foram muito importantes para essa vitória, blá, blá, blá", para logo em seguida, seu ministro dizer que não tem tempo para perder com blogueiros? Não estaria na hora de dizer que não seremos engambelados por paliativos como a tal auto regulação da mídia, que na Inglaterra provou ser uma farsa colossal?
Não estaria na hora de, ao invés de ficar no varejo fazendo coro com as lamúrias do Dirceu e atacando a Veja pela sua enésima patifaria, começar a atuar no atacado, exigindo do governo que ajudamos a eleger, nada menos que a implantação do tal Marco Regulatório das Comunicações?
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Sem exemplos para seguir

Entrevista do cientista político Fernando Limongi, publicado no Valor

Fernando Limongi, um dos principais nomes da ciência política nacional, questiona tese de que governo Dilma corre riscos e diz que crise financeira põe em xeque modelos dos EUA e Europa.

No tempo em que se dizia que o país precisava de reforma política para se tornar governável, Fernando Limongi publicou o livro definitivo - "Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional" (1999) - mostrando voto a voto que o Executivo não tinha embaraços em formar maioria. Quando o debate passou a ser dominado pela fisiologia paralisante das comissões de Orçamento, novo livro, também em parceria com Argelina Figueiredo - "Política Orçamentária no Presidencialismo de Coalizão" (2008) - mostrava que as emendas comprometem migalhas do investimento e que, ao rifá-las da lei orçamentária, se arriscava a empobrecer a representação.

Aos 53 anos, professor titular de ciência política da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), que presidiu de 2001 a 2005, Limongi continua incomodado. Não aceita a tese de que a amplitude da base aliada é a raiz dos problemas da presidente Dilma Rousseff nem que seu governo começa sob mais turbulência que os precedentes.

Em entrevista ao Valor, afirma que a maior novidade da conjuntura política brasileira é a unidade do PMDB, mas ainda se confessa aturdido pela tendência de fragmentação do quadro partidário que acreditava estar em processo de reversão.

Diz que a crise política por que passa o governo Barack Obama revela uma crise decisória no sistema político americano que não deveria servir de inspiração para nenhuma das democracias emergentes. E lança uma provocação aos compatriotas que não conseguem enxergar nenhum outro país mais corrupto que o Brasil: "Não há como medir a corrupção. Todos os indicadores são baseados em percepção que é um nome bonito para "pré-conceito". É possível obter uma correlação quase perfeita entre índices desse tipo e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos".
A seguir, a entrevista:

Valor: O governo Dilma Rousseff mal começou e já trocou dois ministros. Aliados se dizem apreensivos com seu estilo. Teme-se que colha troco lá na frente. Dilma corre o risco de se inviabilizar?

Fernando Limongi: Se você acompanha o início do [Fernando] Collor, do Fernando Henrique e do [Luiz Inácio] Lula [da Silva], todos começaram com um rearranjo muito profundo das bases. Collor superestimou seu poder e precisou reformular o ministério. FHC começou com um governo majoritário para aprovar legislação ordinária, mas minoritário para reforma constitucional. Para passar a reforma da Previdência, chamou o PP e rearrumou a coalizão. Lula também começou minoritário. Na primeira fase o [ex] PFL e o PSDB cooperaram, depois ele também refez o ministério.

Valor: A base excessivamente heterogênea do governo não é fonte permanente de tensão?

Limongi: O que ocorreu com o [Antonio] Palocci também ocorreu no governo FHC, que teve uma crise no caso de escuta telefônica na Casa Civil [conversa grampeada entre o embaixador Júlio Cesar dos Santos e o representante da Raytheon, empresa que disputava o Sivam, levou à queda do chefe de gabinete do presidente, Xico Graziano]. Esse tipo de problema sempre acontece. Os governos sempre custam a engrenar e a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma, por ter maior continuidade com Lula - com o fim do governo, não com seu início -, parecia que não ia ter esse problema de ajuste, mas é sempre difícil botar a coisa pra funcionar. O governo começa, tenta achar o prumo e encaixar as peças. É o contrário da ideia da lua de mel, do período de graça. Só com o início de governo é possível saber se as pessoas combinam com os cargos e as lideranças são de fato exercidas. Lula só foi achar o prumo quando Dilma subiu para a Casa Civil e botou a máquina para andar. Até lá, a visão era toda negativa porque a coisa não funcionava. Tinha-se grande expectativa de que [José] Dirceu ia ser o condutor, mas ele se mostrou muito aquém das expectativas. Além do mensalão, só deu problema e nunca foi o homem da máquina que se esperava.

Valor: Essa fase inicial de ajustes pode ser semelhante a outros governos, mas a base dela é mais ampla do que a de qualquer outro. São 17 partidos na base, sendo 7 representados no governo. A dificuldade de abrigar todos no primeiro escalão não é parte da explicação?

Limongi: Pode ser, mas não há evidências de que esse é o problema. Do ponto de vista das evidências, o que chama a atenção, e não se dá a devida atenção, é que o PMDB tem votado absolutamente disciplinado. Ter votado 100% unido no salário mínimo e no Código Florestal não é pouca coisa. O PMDB nunca teve essa unidade.

Valor: Qual é sua leitura dessa unidade?

Limongi: Essa unidade é politicamente construída. [Michel] Temer exerce uma liderança sobre a bancada que ninguém nunca teve. O PMDB sempre esteve em todos os governos, mas nunca com essa disciplina. Isso é disciplina de PT. O PMDB hoje tem mais cadeiras e representação nacional do que qualquer outro partido. Está jogando diferente. Se há tensão no interior da base por espaço, o PMDB vai ocupá-lo. O partido já não era pequeno no fim do governo Lula. E agora joga com unidade para aumentar seu espaço. Todo mundo falou do seu lado fisiológico ou ruralista no Código Florestal. Até pode ser que o PMDB tenha sido majoritariamente ruralista, mas e o PCdoB, que votou igual?

Limongi: É parte da estratégia política do PMDB, e não necessariamente o partido é o mal. Não existe um lado do bem e do mal, como todo mundo tende a ler. Meus filhos de cinco e oito anos podem pensar assim, mas as coisas são muito mais complexas. O Código Florestal tinha muitos lados, vi alguns debates e não conseguia saber de que lado eu estava. Ninguém, no fundo, sabia de que lado estava.

Valor: Mas o fato é que o governo foi derrotado na votação...

Limongi: Em situações semelhantes outros governos sempre foram mais ambíguos, mais coniventes e dançaram conforme a música. Dilma bateu ficha numa questão difícil. FHC e Lula sempre fugiram pela tangente nessas horas, fizeram algum acordo que diluía o embate. Lula decidia por decreto no tema. Dilma não diluiu. Talvez tenha sobre-estimado forças, não tenha querido voltar atrás, perder imagem. Ex post foi desnecessário, até porque ainda tem Senado e a negociação vai e volta.

Valor: A base excessivamente heterogênea do governo não é fonte permanente de tensão?

Limongi: O que ocorreu com o [Antonio] Palocci também ocorreu no governo FHC, que teve uma crise no caso de escuta telefônica na Casa Civil [conversa grampeada entre o embaixador Júlio Cesar dos Santos e o representante da Raytheon, empresa que disputava o Sivam, levou à queda do chefe de gabinete do presidente, Xico Graziano]. Esse tipo de problema sempre acontece. Os governos sempre custam a engrenar e a encontrar seu ponto de equilíbrio. Dilma, por ter maior continuidade com Lula - com o fim do governo, não com seu início -, parecia que não ia ter esse problema de ajuste, mas é sempre difícil botar a coisa pra funcionar. O governo começa, tenta achar o prumo e encaixar as peças. É o contrário da ideia da lua de mel, do período de graça. Só com o início de governo é possível saber se as pessoas combinam com os cargos e as lideranças são de fato exercidas. Lula só foi achar o prumo quando Dilma subiu para a Casa Civil e botou a máquina para andar. Até lá, a visão era toda negativa porque a coisa não funcionava. Tinha-se grande expectativa de que [José] Dirceu ia ser o condutor, mas ele se mostrou muito aquém das expectativas. Além do mensalão, só deu problema e nunca foi o homem da máquina que se esperava.

Valor: Essa fase inicial de ajustes pode ser semelhante a outros governos, mas a base dela é mais ampla do que a de qualquer outro. São 17 partidos na base, sendo 7 representados no governo. A dificuldade de abrigar todos no primeiro escalão não é parte da explicação?

Limongi: Pode ser, mas não há evidências de que esse é o problema. Do ponto de vista das evidências, o que chama a atenção, e não se dá a devida atenção, é que o PMDB tem votado absolutamente disciplinado. Ter votado 100% unido no salário mínimo e no Código Florestal não é pouca coisa. O PMDB nunca teve essa unidade.

Valor: Qual é sua leitura dessa unidade?

Limongi: Essa unidade é politicamente construída. [Michel] Temer exerce uma liderança sobre a bancada que ninguém nunca teve. O PMDB sempre esteve em todos os governos, mas nunca com essa disciplina. Isso é disciplina de PT. O PMDB hoje tem mais cadeiras e representação nacional do que qualquer outro partido. Está jogando diferente. Se há tensão no interior da base por espaço, o PMDB vai ocupá-lo. O partido já não era pequeno no fim do governo Lula. E agora joga com unidade para aumentar seu espaço. Todo mundo falou do seu lado fisiológico ou ruralista no Código Florestal. Até pode ser que o PMDB tenha sido majoritariamente ruralista, mas e o PCdoB, que votou igual?

Limongi: É parte da estratégia política do PMDB, e não necessariamente o partido é o mal. Não existe um lado do bem e do mal, como todo mundo tende a ler. Meus filhos de cinco e oito anos podem pensar assim, mas as coisas são muito mais complexas. O Código Florestal tinha muitos lados, vi alguns debates e não conseguia saber de que lado eu estava. Ninguém, no fundo, sabia de que lado estava.

Valor: Mas o fato é que o governo foi derrotado na votação...

Limongi: Em situações semelhantes outros governos sempre foram mais ambíguos, mais coniventes e dançaram conforme a música. Dilma bateu ficha numa questão difícil. FHC e Lula sempre fugiram pela tangente nessas horas, fizeram algum acordo que diluía o embate. Lula decidia por decreto no tema. Dilma não diluiu. Talvez tenha sobre-estimado forças, não tenha querido voltar atrás, perder imagem. Ex post foi desnecessário, até porque ainda tem Senado e a negociação vai e volta.

Valor: E o combate à corrupção não passa pelo corte dessas ramificações?

Limongi: A gente não tem nenhuma forma de saber se a corrupção aqui é mais alta ou mais baixa do que no resto do mundo. O problema é óbvio: como se mede corrupção? Não pode ser medida objetivamente por razões óbvias. Os indicadores normalmente usados em pesquisas comparadas são indiretos e se referem à percepção. Muitas vezes essa percepção é um nome mais bonito para "pré-conceito". Eu brinco que é possível obter uma correlação quase perfeita entre esses índices e pigmentação da pele. Os países africanos em geral aparecem como os mais corruptos e os escandinavos como os menos. Todas as indicações são de que a corrupção aqui é como em qualquer outro lugar. A Inglaterra, com esse escândalo da imprensa, mostra que quando os interesses privados chegam junto do Estado você não consegue mais distingui-los. De repente o cara está na Scotland Yard, de vez em quando ele está no jornal, ele vai na Scotland Yard... Esse é o jeito que os interesses se constroem. Não tem saída para isso. É um problema de assimetria de informações. Como é que você vai ter um setor de empreiteiras que seja verdadeiramente competitivo? Três ou quatro grandes empresas vão controlar o mercado. E quem vai contratar esses caras? No fim é o cara que era da empreiteira e foi para o Estado e de lá para o setor privado, e esses interesses acabam não se distinguindo como se gostaria.

Valor: O sr. diz que não há como medir se o Brasil é mais ou menos corrupto do que outros países. A que o sr. atribui, então, a difusão dessa convicção entre os brasileiros?Limongi: É puro "pré-conceito". Quem acompanha política em outros lugares do mundo sabe que coisas feias acontecem em todo lugar. Uma vez fui fazer uma conferência para banqueiros na Europa. Eles queriam saber como funcionava o sistema político brasileiro. Fui lá e mostrei que funcionava bem, que tinha lógica, que a forma como eles entendiam os sistemas políticos europeus poderiam ser usadas para entender o Brasil. Daí, no debate, um senhor começou a me espinafrar, dizendo que estava cansado de ouvir que os políticos brasileiros eram confiáveis, que as coisas aqui eram OK, e quando ele abria o jornal só lia notícias desabonadoras quanto às nossas práticas políticas, que o governo brasileiro só fazia aumentar o déficit. Quando ele acabou de falar, eu estava meio nas cordas e para ganhar tempo perguntei de que país ele vinha. Ele respondeu: Itália. Não precisei responder. Só "I see" com riso meio cínico bastou.

Valor: O sr. vê alguma relação entre a perda de prerrogativas legislativas e a ocupação dos aliados em desencavar os podres da República? As MPs têm saído com mais de 50 temas, tanto que uma recebeu o nome de "árvore de Natal"...

Limongi:: Na entrevista do Temer para o Valor, ele começa falando: "Participei de um grupo que elaborou uma medida provisória. Nós ficamos estudando e todo mundo participou". Então quem fez a medida? Dilma não tem tempo para fazer isso. Quando sai uma MP, não é uma decisão unilateral do Executivo.

Valor: Pode ser uma costura partidária, mas que foge do âmbito legislativo...

Limongi: Se está saindo como "árvore de Natal" é porque todo mundo já deu "pitaco". Quando o texto começa a tramitar, não foi Deus quem o criou. Todo mundo já botou a mão. O texto não é confeccionado a portas fechadas.

Valor: Mas a oposição não participa...

Limongi: Nem é para participar. Tem a tramitação para espernear. Quando passou a reforma das MPs no governo FHC, todo mundo achou que estava fazendo uma grande coisa. E, na verdade, foi um desastre institucional. A MP tramitava no Congresso, em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Não atrapalhava a tramitação dos demais projetos nem travava a pauta. Agora a medida passa pela Câmara, depois vai para o Senado, tem um tempo para correr, e tem que apresentar emenda aqui e lá, mas ninguém sabe como funciona. O fato é que se o Congresso quiser rejeitar uma medida porque não é pertinente à matéria em tramitação, derruba. O regimento garante. Não tem essa de nosso Legislativo estar subjugado, isso é tudo bobagem.

Valor: Num artigo polêmico, FHC disse que a política tem que ser buscada fora das instituições, nos jovens e na internet. A maior surpresa de 2010, Marina Silva, não veio desse mundo?

Limongi: Marina, de fato, surpreendeu. Mas só foi tão bem votada porque Serra e Dilma perderam votos. Lula polarizou demais no fim da campanha, chamou para a briga e tirou votos de Dilma, que, pelo desempenho da economia, teve um resultado eleitoral aquém do esperado no primeiro turno. Tanto que seguraram Lula no segundo. José Serra cresceu, mas puxando um voto que não era dele, de quem achava que, por ter religião, não podia votar em Dilma. Foi um voto que também beneficiou Marina. Teve a coisa religiosa que surpreendeu todo mundo. Marina não conseguiu segurar nem o PV. Então tem um apoio muito difuso e desorganizado para ser considerado um trunfo. Tirante o PT, nenhum partido consegue penetrar na sociedade, mas o que os petistas têm de voto é muito mais do que têm de militância e penetração. É outro modelo de partido daquele do pós-guerra, que tinha células, militância, cobrava contribuição, fazia jornal e tinha escolinha. Hoje partido não precisa disso, vai à TV. Se é isso que FHC quer dizer, realmente mudou e não apenas no Brasil. Mas não é de hoje.

Valor: A internet, então, ainda vai demorar a dar as cartas na política?

Limongi: Deve ter muita gente tentando transformar o que se passa na internet em voto. Não vai ser espontâneo. FHC é sociólogo e sabe que não há nada de espontâneo nesse mundo de meu Deus. Tem que ter coisa organizada, estruturada. Onde isso tudo junta? No modelo institucional da eleição majoritária. Por isso PT e PSDB têm vantagem. Porque polarizam as eleições e coordenam a competição. PT e PSDB saem na frente na hora de lançar candidato à Presidência. Vai ter um candidato do PSDB, um do PT e uma terceira via. Marina vai ter que correr por fora para montar uma estrutura de campanha. Não vai ter os governos estaduais do PSDB nem a estrutura de governo federal do PT. Não vai ganhar pelo Twitter, até porque as pessoas, para votarem nela, precisam saber que ela tem chance de ganhar. Uma candidatura desastrosa do PSDB poderia fazer isso. Mas o PSDB teria que pisar muito na bola. A história é cheia de partidos que dilapidam patrimônio brigando internamente. Serra já fez isso uma vez e ameaça repetir ao resistir a ceder a liderança.

Valor: Se a tendência de polarização na eleição presidencial é tão forte assim, por que não afeta a disputa pelo Congresso?

Limongi: O resultado mais intrigante dessas eleições foi o descasamento entre as eleições majoritárias e proporcionais. A eleição presidencial vertebra a disputa nos Estados, que foi totalmente casada com a presidencial. Em todo Estado teve o candidato da Dilma e do Serra. E o PMDB ora jogou com um, ora com o outro. Agora, no Congresso, os sinais de que o número de partidos estava diminuindo desapareceram. E não apenas porque PP, PDT, PTB, que eram partidos médios, caíram e se igualaram ao PR ou ao PSB. PMDB, PT e PSDB também caíram. Pode ter a ver com esse terreno pantanoso que saiu da órbita do PSDB e caiu na do PT, mas ainda não está fazendo muito sentido. O que parece de fato diferente é essa coisa de o PMDB votar unido.

Valor: Esse pacto político pela distribuição de renda, contra o qual ninguém se rebela, não é o substrato dessa fragmentação tão acentuada?

Limongi: Há uma certa indistinção entre o PT e o PSDB quanto às propostas. A gente não sabe o que o PSDB teria para fazer de diferente do PT. O discurso do Serra foi da eficiência, faço-melhor-do-que-eles-que-só-seguem-nossa-cartilha. Mas não deu certo. O PSDB não tem realmente uma agenda alternativa. O PT, enquanto na oposição, conseguia fazer uma imagem de que era diferente e tal, que depois com o mensalão se viu que não era tão diferente assim.

Valor: E como conseguem polarizar o eleitorado se não têm propostas diferentes?

Limongi: Não é fácil entender qual é a percepção que de fato os eleitores têm dos partidos, se os veem ou não como diferentes e se essas diferenças são programáticas ou de outra natureza. Para saber essas coisas é preciso fazer pesquisa de opinião, entender como os eleitores organizam a disputa partidária na cabeça. E quando a gente lê pesquisa bem feita sobre esse tipo de coisa sempre acaba se surpreendendo. O que me parece interessante é que os partidos brasileiros podem não estar organizados como estavam os da Europa do pós-guerra, mas a divisão do eleitor é forte. Todo mundo diz que brasileiro é pouco politizado. Mas é o contrário. Nessa última eleição presidencial, minha filha mudou de escola e passei a levá-la à casa das novas amiguinhas. Chegava lá e os pais me perguntavam: "Voto em tal partido, e você?" Ouvi inúmeras vezes no metrô gente falando em quem iria votar. Passei duas eleições presidenciais nos Estados Unidos sem ouvir nenhuma pessoa falar sobre eleição presidencial. E estava dentro do departamento de ciência política de uma universidade. Isso é impensável no Brasil. Todo mundo emite opinião política o tempo inteiro. E todo mundo declara suas preferências. E isso não pode se dar sem que os partidos desempenhem um papel. O voto é obrigatório, mas sempre se pode votar em branco ou nulo. E, se os partidos não fossem capazes de mobilizar eleitores, a taxa de votos brancos e nulos deveria ser muito alta. Até foram em algumas eleições, mas caíram violentamente com o voto eletrônico. É possível que votações como a de Enéas, Clodovil e Tiririca venham de eleitores que os partidos não conseguem mobilizar. Sempre há um candidato com discurso antipolítica para o qual um caminhão de eleitores converge.

Valor: Muito se especula sobre o vetor político da chamada nova classe média. Essa seria a última eleição da distribuição de renda?

Limongi: Acho que leva algumas gerações para a ascensão social virar conservadorismo. Não acredito que o cara que subiu na vida em dois anos vai ficar defendendo o dele e virar conservador. O eleitor pode ser extremamente volátil, no sentido de que, se o PT amanhã vem com uma crise econômica e esses ganhos são perdidos de um governo para o outro, o eleitor pode se bandear para a oposição. Com isso estou de acordo. Foi o que aconteceu no segundo mandato de FHC. No primeiro, ele estava com tudo, distribuiu renda e fez crescer. Veio a crise, o eleitor bandeou para o outro lado. Mas se o crescimento se mantiver não vejo esse cenário.

Valor: A última vez em que a política balançou o mercado foi na eleição de 2002. De lá para cá, entra mensalão, sai mensalão, entra PR, sai PR, e a política não abala mais a economia. Por que houve esse insulamento? Por que ninguém se arrisca a mexer no dito tripé da economia?

Limongi: Não sei se foi a política ou se foi a economia que se insulou. No fim do governo, Lula fez um certo keynesianismo e ninguém se insurgiu contra. Até porque se saíssem batendo poderiam colher rejeição eleitoral. Os políticos observam e esperam se vai dar resultado. Se der, não criticam. Na hora em que der errado, a oposição vai sair criticando e aí o PSDB vai montar seu discurso alternativo. Se a economia continuar bem até 2014, não vai haver plano alternativo. O fato é que todo mundo foi surpreendido pelas mudanças estruturais no mercado de trabalho do Brasil, muito mais significativas que a Bolsa Família. O mundo político também parece ter sido surpreendido pelas conexões do Brasil com a China, que o tornaram menos dependente dos Estados Unidos.

Valor: Se a gente olha para o Congresso americano, vê o fracasso tanto das tentativas de aprovar uma regulação mais rígida para o mercado financeiro quanto esse embate republicano com o Obama. Como é que o sr. vê a resposta da política à crise financeira?

Limongi: A má qualidade do sistema politico americano é uma coisa inacreditável. Quem fica falando que o sistema brasileiro não funciona é porque não conhece o americano. Se tem um sistema político travado, parado, incapaz de produzir decisão, é o americano. É um sistema em que a Presidência tem pouco poder efetivo, depende muito de um Congresso que é capaz de barrar e está repleto de traidores. [Paul] Krugman afirmou em artigo recente que esse limite de endividamento foi renegociado e ampliado mais de uma vez ao longo do governo Bush. Que rever e readaptar o limite à realidade não teria consequência econômica alguma. Que o ponto é pura ideologia. Que os republicanos querem nocautear o Obama. Creio que ele esteja certo. Acompanhei in loco a reforma da saúde pública. Vi e ouvi os argumentos dos republicanos. É pura ideologia. Desculpe o exagero, mas é realmente primitivo. O reacionarismo é impressionante. E já radicalizaram dessa forma no passado. Fecharam o governo Clinton ao não aprovar o Orçamento. Tomaram uma tunda depois. No que fechou o governo, a população se voltou contra os republicanos.

Valor: Foi naquele momento que Clinton conseguiu a reeleição, não foi?

Limongi: Clinton estava morto e aí eles resolveram pisar em cima e espicaçar. E aí o Clinton renasceu e foi reeleito. Então é mais ou menos a mesma situação que Obama, só que agora em proporções muito maiores. A única coisa que os republicanos querem é corte de gasto e de imposto. Estão criando um sistema inviável. Todos os dados que se tem sobre desigualdade nos Estados Unidos mostram que aumentou uma barbaridade no governo republicano porque se cortou imposto no topo e gasto para base sem se conseguir, com isso, dar impulso à economia. É um exemplo de mau funcionamento do sistema político inacreditável. Faz a gente falar "puxa, estamos numa maravilha!"

Valor: Os EUA, ao contrário do Brasil, não têm um Congresso que reproduz mais ou menos as mesmas divisões da eleição presidencial?

Limongi: Nos Estados Unidos você tem a eleição presidencial e o "coattail", que é o efeito do voto puxado pelo presidente sobre o Congresso. Mas depois você tem reversão no meio do ano - em geral, o partido do presidente perde cadeira no meio do mandato. Quanto perde é que varia. Obama perdeu muito porque o americano médio é da direita brava. Se existe um sistema político que dá veto a minorias, esse sistema é o americano. No Senado há o que se chama de "filibuster", que é basicamente o direto de a minoria estender indefinidamente o debate, evitando que a matéria venha a voto. Se a minoria é contra, a coisa não vem a voto. Bloqueia. Para tudo. O que Obama passou de reforma da Previdência foi um negocinho desse tamanho sob um custo inacreditável. Aqui o presidente passaria aquilo tranquilo.

Valor: Os dividendos políticos dessa crise que já dura três anos é o crescimento da direita, em alguns países, como a Noruega, tragicamente?

Limongi: A Europa tem um problema grave, que é a pouca tolerância para com o imigrante. Tem dificuldade para assimilá-lo, ao mesmo tempo em que precisa dele. Há países que estão com crescimento negativo, como a Itália. Todo mundo sabe que eles precisam de mão de obra, mas não querem imigrantes. Vão acabar com déficit populacional. Todos os estudos mostram. Isso pode ser fonte de tensão política grande, mas qualquer projeção seria arriscada de como é que isso vai se resolver. Olhando para o que está acontecendo nos EUA e Europa, essas ideias de que o Brasil tem um sistema político problemático, que atrapalha a economia, a distribuição de renda, é história para boi dormir. Tudo se provou errado. Tivemos todas essas coisas sem reforma do sistema político.

Valor: E por que sistemas políticos tão vigorosos não conseguem dar uma resposta à crise?

Limongi: Esses sistemas políticos que sempre foram modelos estão embaralhados com um problema de decisão. O que pode mostrar que o sistema político é muito menos importante do que se pode achar. Há uma supervalorização das escolhas institucionais, uma expectativa de que se possa reformar tudo por modelos institucionais. Li recentemente uma citação do [Pierre] Rosanvallon [historiador francês], dizendo que logo depois da Revolução Francesa os caras começaram a falar em reforma das instituições, sempre com a expectativa de que assim se poderia eliminar todas as impurezas do sistema político. Estamos pensando isso até hoje.

Valor: Em meio a essa crise, os países emergentes têm reivindicado maior parte da governança global, mas há resistências dos ricos, que não lhes reconhecem maturidade institucional para dividir essa governança. Com que argumento se pode sustentar a justeza dessas reivindicações?

Limongi: Quem quer que olhe para o sistema político americano e seu desempenho recente colocará em questão essa ideia. O governo de Bush filho - aliás, imagina só se tivéssemos pai e filho eleitos em tão curto espaço de tempo em um país latino-americano - já começou com uma lambança institucional sem igual. Não se pode dizer que a eleição na Flórida esteve livre de fraudes e, mais, que as fraudes não influíram no resultado. Ao longo do seu governo, explodiram vários escândalos envolvendo financiadores das campanhas de Bush. Basta lembrar a Enron. Isso para não citar a invasão do Iraque, toda ela montada em relatórios discutíveis. Qual é a maturidade institucional do grande líder? E o pior é que não são só os republicanos. O livro do [Joseph] Stiglitz ["O Mundo em Queda Livre"], deveria ser leitura obrigatória. Mostra que os economistas que dirigiam os bancos que causaram a crise de 2008 foram convocados por Obama para resolvê-la. Não é apenas ideologia ou ideias básicas que guiam as políticas. São as pessoas. São os mesmos caras. E eles fizeram o que se esperava que fizessem: protegeram os bancos e deixaram os eleitores pagar a conta.

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