A agenda do premiê Monti prega um "rendimento de sustento mínimo" e deve ser pauta na campanha
O projeto renda mínima, a quixotesca obsessão do senador Eduardo Suplicy, acabou por se materializar, quem diria, na Itália.
A "Agenda Monti", apresentada domingo pelo premiê em funções Mario Monti, agasalha um "rendimento de sustento mínimo", que "tanto se assemelha a aquele salário mínimo garantido do vocabulário da esquerda", segundo o jornal "La Repubblica".
É paradoxal que Suplicy, petista histórico, não tenha conseguido que os governos de seu partido acolhessem o projeto, apenas para vê-lo apresentado por um tecnocrata centrista. Mais paradoxal ainda porque a necessidade de garantir um sustento mínimo é bem menor em uma Itália de renda per capita mais de três vezes superior à do Brasil (US$ 35.290 contra US$ 10.720, dados do Banco Mundial para 2011).
Monti já disse que não será candidato, mas a renda mínima entrará na campanha assim mesmo.
Ele não precisa ser candidato porque já é senador vitalício e, portanto, já faz parte do Parlamento, condição essencial para ser escolhido premiê. Ofereceu-se para governar desde que partidos ou movimentos que aderirem à sua agenda obtenham votos suficientes para, depois, chamá-lo para "guiar" a implementação da agenda.
Ou seja, não corre o risco de perder a eleição por não ser candidato, mas pode vencê-la dependendo de quanto a agenda agradar aos eleitores.
De saída, ela já subverteu a lógica política italiana. Aderiram a ela -além dos centristas, seus destinatários naturais- políticos da direita, como Franco Frattini, chanceler de Silvio Berlusconi, e da esquerda (quatro senadores do PD -Partido Democrático).
Está se rompendo, pois, a bipolaridade que marcou os 20 anos mais recentes de eleições na Itália, entre a direita burlesca de Berlusconi e a esquerda pós-comunista hoje majoritariamente concentrada no PD.
Há um segundo elemento digamos subversivo na agenda Monti: inverte a lógica usual de eleições em qualquer país. O normal é um candidato caçar votos para implantar um programa de governo que, em geral, é superficialmente esboçado na campanha eleitoral.
Monti faz o oposto: põe um programa de governo a caçar votos para que, depois, o chefe de governo o execute.
A pauta do premiê tem componentes para seduzir a esquerda, como a renda mínima e impostos sobre bens de luxo, mas também agrada à direita, ao deixar claro que vai perseguir o crescimento, mas seguindo a lógica ortodoxa de que ele "não nasce da dívida pública".
Ou seja, a austeridade, que é a marca das políticas econômicas em toda a Europa, não será abandonada.
O sucesso da Agenda Monti e, no bojo dela, da renda mínima, depende agora de qual a sensação que predominará nos escassos dois meses de campanha até a eleição de 24/25 de fevereiro. Será o Monti que promete um futuro de crescimento ou o Monti que, nos seus 401 dias de governo, fez o ajuste ortodoxo que empurrou a Itália para a recessão e o consequente aumento do desemprego e da pobreza?
Fonte: Folha de S. Paulo