A Venezuela vive uma situação dramática. Hugo Chávez luta pela vida em Cuba, depois de quatro cirurgias. Há dúvidas sobre quem toma posse e quando, e sobre quem vai governar nos próximos seis anos. Mas não há dúvidas sobre a divisão profunda do país, a crise econômica, a fragilidade da maior empresa venezuelana usada durante anos como arma política por Chávez.
Nos últimos 14 anos, Chávez governou alterando a Constituição quando interessava aos objetivos do seu governo, convocando plebiscito quando estava com alta popularidade para fazer as mudanças que queria, não cumprindo a vontade popular quando perdia os referendos, eliminando ou ameaçando a imprensa que não seguia o seu comando e usando o caixa da PDVSA para seus programas.
Foi tão personalista em seu projeto de poder que não criou lideranças alternativas. Mesmo agora, não há um sucessor óbvio. Nicolás Maduro é considerado pelo próprio chavismo como um político sem a capacidade do chefe de hipnotizar as massas. Virou candidato a vice-presidente porque Elías Jaua, o último vice-presidente, foi indicado por Chávez para candidato ao governo de Miranda e perdeu a eleição. O homem mais forte do chavismo é o presidente da Assembleia, Diosdado Cabello Rondón, companheiro de Chávez na tentativa de golpe em 1992.
Com a oposição enfraquecida pela última eleição de governadores, a Constituição está sendo interpretada da forma mais conveniente ao chavismo: a posse deve ser adiada. Henrique Capriles, lider da oposição e governador eleito de Miranda, já disse que concorda com essa solução.
Nas eleições recentes para os governos estaduais, o Partido Socialista Unido da Venezuela, o partido chavista, tomou quatro estados da oposição e agora governará 20 dos 23 estados do país. Miranda é o único importante, o segundo maior colégio eleitoral e economicamente forte. Os outros dois estados foram Amazonas e Lara.
O governo, em 2012, abusou de novo do seu poder durante as campanhas e usou a comoção em torno da doença do presidente. O chavismo mostrou enorme força ao conseguir nas urnas um mandato para Chávez, que vai até 2019, e 20 governos estaduais.
O chavismo controla o legislativo, a Suprema Corte e o Conselho Nacional Eleitoral. As Forças Armadas também estão hoje sob controle. Logo que assumiu o poder, há 14 anos, Chávez colocou na reserva seus adversários e promoveu o então jovem oficialato que havia estado do lado dele na tentativa de golpe de 1992.
Na economia, é a crise de sempre. A inflação é a mais alta da América Latina, em torno de 30%, apesar dos preços controlados. O país cresce este ano por força do aumento dos gastos públicos para sedimentar a campanha presidencial. A PDVSA, ordenhada ao longo dos anos, tem pouca capacidade de investimento. A Venezuela vive unicamente do petróleo abundante em seu território.
Chávez pode tomar posse, ainda que doente, e pedir licenças sucessivas para se tratar. Maduro governaria como representante. Mas se Chávez não vencer o câncer, e for decretada sua "ausência absoluta", terão que ser convocadas eleições em 30 dias. O mais forte herdeiro é Cabello. Sobre ele pairam indícios de envolvimento com o narcotráfico, mas é o homem mais poderoso no chavismo, depois do insubstituível líder. Controla o partido, uma facção importante das Forças Armadas e a Assembleia Legislativa. O chavismo sem Chávez passará primeiro pela disputa interna pelo espólio. Nela, o movimento se enfraquecerá. Qualquer que seja o cenário, a Venezuela viverá dias de incerteza e anos de instabilidade política.
Fonte: O Globo