Foto: RodrigoDacioli |
Todos estes avanços, porém, mostram-se ainda insuficientes. A “jornada de junho” comprova que a sociedade brasileira quer mais, que almeja mudanças mais profundas. Ainda persistem enormes gargalos no Brasil, que se mantém como uma nação extremamente injusta. As mudanças efetuadas nos governos Lula e Dilma não mexeram com os graves problemas estruturais do país. O chamado lulismo optou pela via da conciliação de classes, que melhora lentamente a distribuição de renda sem enfrentar os interesses da minoria de rentistas e ricaços. Como não dá para fazer omelete sem quebrar ovos, as mudanças são lentas e tímidas.
As reformas estruturais que o país exige não saem do papel. A reforma agrária empacou nos últimos anos, perpetuando a absurda concentração de terra em que 1% dos latifundiários detém mais de 50% das áreas agricultáveis do imenso território nacional. A reforma urbana, que combata a especulação imobiliária e garanta serviços de melhor qualidade nas áreas da saúde, educação e mobilidade, foi a principal demanda dos protestos de rua. Já a reforma tributária esbarra nos interesses dos bilionários, que pagam proporcionalmente menos impostos que os assalariados, são isentos de inúmeros impostos (como na aquisição de jatinhos e iates de luxo) e ainda remetem ilegalmente divisas para os paraísos fiscais no exterior.
No campo político, os problemas brasileiros também vão se acumulando. A reforma política não avança no fisiológico Congresso Nacional e agrava as distorções da democracia nativa, que é refém das contribuições interesseiras das grandes corporações empresariais e que se afasta cada vez mais da sociedade. Já a reforma do Judiciário nem é pautada, o que reforça o poder hermético, elitista e corrompido da Justiça brasileira. O governo federal também não demonstra qualquer interesse em enfrentar a ditadura midiática, que manipula as informações e deforma os comportamentos, evitando a discussão sobre urgente reforma dos meios de comunicação. Sem reformas estruturais, o Brasil corre o sério risco de graves retrocessos no futuro próximo. Nem as tímidas mudanças efetuadas nos últimos dez anos estariam garantidas.
Além de não enfrentar os crônicos problemas estruturais, os governos Lula e Dilma também revelaram timidez diante das questões mais imediatas. O tripé neoliberal da política macroeconômica herdada do reinado de FHC – baseado no arrocho monetário (juros elevados), aperto fiscal (superávit primário) e libertinagem financeira (câmbio flutuante) – ainda continua de pé. No início do seu mandato, a presidenta Dilma até foi mais ousada do que Lula no enfrentamento destes entraves. O Banco Central reduziu a taxa básica de juros (Selic) e o governo abrandou a austeridade fiscal e adotou medidas contra a especulação do dólar.
Diante do agravamento da crise mundial e da pressão dos banqueiros e da sua mídia rentista, porém, ela voltou atrás. Pela quarta vez seguida, o Banco Central elevou os juros em agosto passado e sinalizou com novos aumentos até o fim de 2013. Entre outros efeitos nocivos, esta política ortodoxa barrou o desenvolvimento econômico do país – em 2012 o PIB teve um crescimento medíocre de 0,9%, o que reduziu o ritmo de geração de empregos e conteve o aumento da renda dos assalariados.
Para piorar, a manutenção deste tripé neoliberal, mesmo que nuançado, gera graves problemas para a economia nacional nas próximas décadas. O processo de desnacionalização e desindustrialização já dá sinais de alerta. No ano passado, 296 empresas brasileiras foram adquiridas por multinacionais – em 2011, foram 208; e em 2010, outras 175. As operações de fusões e aquisições traduzem um processo de concentração e centralização do capital altamente nocivo para o país. Elas travam o desenvolvimento tecnológico, já que as matrizes no exterior não tem qualquer interesse na autonomia da nação; estimulam a desindustrialização, já que as multinacionais priorizam a compra de componentes e bens intermediários de seus países de origem; e ampliam a remessa de lucros para o exterior.
De 2004 a 2011, estas remessas cresceram mais de cinco vezes, acumulando um rombo de US$ 404 bilhões nas contas externas. O governo Dilma até tem adotado medidas para conter a sangria das nossas riquezas e para estancar o processo de desindustrialização. Porém, elas se mostram insuficientes e altamente perigosas. A desoneração da folha de pagamento, que visa estimular a produção nacional, abala a arrecadação da União, com impactos diretos na Previdência Social.
A ausência de reformas estruturais e a manutenção do tripé neoliberal na política macroeconômica ajudam a explicar a explosão de revolta nos recentes protestos de rua. As pesquisas de opinião pública indicam que a maioria da sociedade apoia a mudanças promovidas nos últimos dez anos, que não aceita o retorno dos demotucanos com o seu receituário destrutivo e regressivo. Mas elas também confirmam que os brasileiros querem avançar ainda mais nas mudanças. Não basta o que foi conquistado; é urgente dar novos passos para conquista de um Brasil justo, democrático e soberano.
Na “jornada de junho” os manifestantes exigiram maior presença do Estado e mais bem-estar social – num movimento que reforça o ideário socialista de mais justiça e democracia real. As forças conservadores tentaram capturar os sentimentos expressos nas ruas para desviá-los para as suas pautas retrógradas. Os protestos evidenciaram que ainda é baixo o nível de consciência de amplos setores do povo. Esta é outra grave limitação do chamado “lulismo”, que não apostou na politização da sociedade e na luta de ideias contra as forças reacionárias. A mídia patronal ainda possui forte poder para manipular e agendar os anseios populares. O neoliberalismo foi derrotado nas últimas três eleições presidenciais, mas ainda goza de influência no imaginário social.
Este contexto, a exemplo do que ocorre no mundo, é que cria um cenário de incertezas sobre o futuro do Brasil. Mais do que nunca é preciso reforçar a pressão por mudanças estruturais no país e investir na elevação do nível de consciência política dos trabalhadores. O sindicalismo brasileiro precisa adotar uma postura ainda mais protagonista neste processo. Do contrário, os avanços conquistados nos últimos dez anos poderão sofrer abalos e retrocessos. O futuro do Brasil depende de uma ação ainda mais ativa e combativa do movimento sindical.
* Texto elaborado para o congresso do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).
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