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Mandela, sem hipocrisias
Nélson Mandela fez a grande viagem. Está sendo reverenciado em todas as partes do mundo, mas nem todos os elogios o acompanharam ao longo de sua história. Os líderes de países que o cultuam hoje tentam de todas as formas evitar sejam lembrados o que seus antecessores disseram sobre ele em outros tempos.
Mandela transformou-se em uma personalidade mundial acima do bem e do mal, mas quando defendia o seu povo era considerado “terrorista”.
O jornal New York Times em 1990 revelava que a CIA ajudou a polícia racista do apartheid a prender Mandela em 1962. Ele permanceu 27 anos encarcerado em precárias condições. Era então o “elemento perigoso” e não foi poupado por figuras como Margareth Thatcher, Ronald Reagen e outros.
O Ocidente apoiava o apartheid, inclusive defendido por Henry Kissinger, um secretário de Estado de triste memória porque apoiou outros regimes tão odiosos como o que estava em vigor na África do Sul.
O Presidente Ronald Reagen chegou a afirmar que o apartheid era um regime necessário para o mundo livre. Em 1987, uma figura do conservadorismo europeu, o Primeiro Ministro português, Cavaco Silva, que continua atuante hoje, se juntava à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos ao votar contra o fim do apartheid e a libertação de Nélson Mandela.
Madame Thatcher não fez por menos ao afirmar que “o Congresso Nacional Africano (CNA), o partido de Mandela, é uma típica organização terrorista e qualquer um que pense que vá governar a África do Sul está a viver na terra do faz de conta”.
Para se ter uma ideia, o nome de Mandela e do seu partido permaneceram no rol dos terroristas nos arquivos da inteligência estadunidense até 2008. Isso mesmo, depois dele ter se tornado Presidente da República e o responsável pelo fim do apartheid, para ingressar nos Estados Unidos ele tinha de receber autorização especial.
Quando o Ocidente repudiava Mandela, líderes como Fidel Castro, Muammar Khadafi e Yasser Arafat, entre outros, o apoiavam de todas as formas. Eles também, claro, não eram bem vistos pela inteligência estadunidense, que fez de tudo para matá-los.
Tudo isso não chega a ser novidade, mas é importante recordar, sobretudo porque no obituário do líder sul africano impera uma grande hipocrisia.
Vale lembrar também que o Ocidente teve de aceitar o desmantelamento do regime do apartheid, não por bondade, mas porque estava sendo minado pela luta popular.
O próprio Mandela, ainda preso, reconheceu um fato que não é mencionado pela mídia conservadora que hoje endeusa Mandela. Para ele, o início do fim do apartheid ocorreu na batalha de Cuito Canavale, em março de 1988, quando contingentes angolanos reforçados por militares cubanos combatiam o poderoso exército racista apoiado pela CIA e pelo serviço secreto de Israel. Um exército que tinha a seu dispor a bomba atômica.
A batalha de Cuito Canavale foi considerada por Mandela como a “Stalingrado africana”, porque com o resultado favorável aos angolanos teve início, nas palavra de Mandela, “a libertação do nosso continente, de meu povo, do flagelo do apartheid”.
A derrota da África do Sul de fato desfechou também um golpe mortal na ocupação da Namíbia e culminou em pouco tempo com o início das negociações com o CNA e o fim do regime racista.
Mandela reconheceu em várias ocasiões o que fizeram os cubanos. Entre 1975, ano da independência de Angola e 1991, 450 mil cubanos estiveram no país africano e 2.600 perderam a vida na luta contra os racistas sul-africanos.
A solidariedade efetiva, não apenas com a ajuda militar, mas a presença de médicos, de técnicos e a concessão de bolsas de estudos aos africanos foi a forma que os cubanos encontraram para se penitenciar do passado de escravidão.
Mandela também demonstrou ao longo do tempo solidariedade efetiva com outros povos, como os palestinos, que enfrentam até hoje um apartheid do gênero que conheceram os sul africanos. O líder sul africano sempre se posicionou efetivamente em favor de uma pátria palestina e condenou a opressão israelense nos territórios ocupados.
Por estas e muitas outras é importante conhecer este período da história que viveu Mandela e que está sendo escondido pela mídia conservadora. Em anos passados esta mesma mídia acompanhava de forma acrítica os posicionamentos dos líderes ocidentais. Hoje, prefere esquecer a parte do passado que compromete o Ocidente.