Inflação além da meta até 2015 e PIB de 2,3% Banco Central admite que os juros altos ainda não conseguiram conter os reajustes disseminados de preços e, por isso, deve pesar um pouco mais a mão na taxa Selic. A projeção de crescimento da economia neste ano foi revista pela terceira vez para pior
VICTOR MARTINS
DECO BANCILLON
DECO BANCILLON
A inflação se tornou mais resistente. Mesmo com o aumento da taxa básica de juros (Selic) para dois dígitos — de 7,25%, em abril, para 10% ao ano em novembro —, tornou-se quase impossível derrubar a carestia, pelo menos até 2015, à meta perseguida pelo Banco Central, de 4,5%. Com isso, a autoridade monetária e as famílias terão de se resignar a um dos custos de vida mais elevados do planeta. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará preso à banda superior do limite de tolerância, de 6,5%.
Durante divulgação do Relatório Trimestral de Inflação, ontem, o BC explicitou a perda de força da política monetária, diante da enorme desconfiança dos agentes econômicos em relação ao governo. Para o ano que vem, mesmo com o crescimento mais baixo da atividade e os juros maiores, a previsão é de uma inflação de 5,6%. Em 2015, esse número cai apenas 0,2 ponto percentual, para 5,4%.
O que mais chamou a atenção dos especialistas foi o fato de as previsões do BC, divulgadas pelo diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton Araújo, levarem em consideração reajuste zero para a gasolina e o diesel em 2014. O mercado vê esse quadro como insustentável, devido à fragilidade do caixa da Petrobras. Como o governo faz o controle de preços da estatal, é impossível prever a correção. Hamilton informou que a autoridade monetária estima alta de 7,5% para a energia elétrica.
Fatura
Caso se confirme o desempenho projetado pelo BC, a presidente Dilma Rousseff chegará ao último ano de mandato com um Produto Interno Bruto (PIB) minguado e inflação próxima ao descontrole. Não à toa, o próximo governo, seja quem for o vencedor nas eleições de 2014, terá que pagar parte dessa fatura. “Diante do que o BC mostrou, podemos pensar que ou os juros não conseguem mais controlar a inflação ou temos algum motivo não explícito influenciando o custo de vida”, disse Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco ABC Brasil. Segundo ele, o desafio do BC está nos preços administrados que, durante este ano, ficaram represados e, em algum momento, terão de ser corrigidos.
“A confiança do mercado, em geral, reflete a percepção de que a inflação não vai ceder, mesmo com o aperto dos juros que o BC colocou em curso desde abril”, afirmou o economista-chefe do Rabobank Brasil, Robério Costa. Ele lembrou que a opção lançada pelo governo para controlar o carestia, ao segurar o reajustes da gasolina, da conta de luz e de passagens de ônibus, contribuiu para aumentar a desconfiança dos investidores. “Isso quer dizer o seguinte: senão tivesse a mão grande do governo, certamente o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) estaria rodando hoje num patamar superior a 7,5% e 8%”, calculou.
Desconfiança
Hailton admitiu que o custo de vida está longe de convergir para 4,5%. “A inflação está recuando a uma velocidade baixa”, disse. Ele, porém, deu a entender que o BC pode apertar ainda mais os juros, além dos 10,25% ao ano esperados pelo mercado em janeiro, para segurar os reajustes ao consumidor. “O BC está de olho na inflação. Não estamos jogando com a sorte”, frisou, ao ser questionado se a instituição mirava um alvo maior que o centro da meta.
O diretor avaliou ainda o desempenho da condução da política monetária como adequado, classificou o trabalho do BC como “bom” e criticou os reajustes salariais acima do nível de produtividade dos trabalhadores e das empresas. Segundo ele, a “inflação dos salários” está em 8,6%. “Isso é um ganho elevado em qualquer lugar do mundo”, ressaltou.
No documento apresentado por Hamilton, o BC revisou a estimativa de crescimento do PIB deste ano de 2,5% para 2,3%. Essa foi a terceira revisão ao longo do ano. No início do ano, a autoridade monetária projetava avanço de 3,1%. Muito dessa queda tem a ver com a retração dos investimentos produtivos, uma vez que os empresários estão assustados com a postura intervencionista da presidente Dilma Rousseff.
O diretor do BC também demonstrou preocupação com o dólar. Segundo ele, apesar de deixar a indústria mais competitiva, a alta de quase 15% da moeda norte-americana teve impacto na inflação. O processo de retirada gradual dos estímulos monetários nos Estados Unidos, programados para ter início em janeiro, a despeito de ser avaliado como positivo, deve pressionar ainda mais a divisa. “Isso, em termos de inflação, pode ter impacto aqui”, observou.
» E EU COM ISSO
Com a credibilidade do Banco Central e do governo em baixa, o combate à inflação fica comprometido e o custo de corrigir os rumos da economia para a sociedade aumenta. Para manter os preços dentro de um limite razoável, o BC tem de subir os juros mais do que faria em um momento de confiança elevada. Com isso, empréstimos e financiamentos se tornam mais pesados para as família e as empresas e, em última instância, o crescimento do país fica limitado, e, os empregos, ameaçados.