Não que o governo Luiz Inácio da Silva se importe com questões de conflitos de interesses. Em diversos episódios o presidente já deixou patente que desvios de conduta em agentes públicos podem ser enquadrados na categoria dos "erros" e não devem necessariamente ser julgados por padrões rigorosos antes que se comprove sua natureza ilícita.
Mas, no caso do, ao que tudo indica nessa altura, ex-secretário nacional de Justiça Romeu Tuma Júnior, o governo extrapolou na tolerância. Durante meses aceitou a permanência na presidência do Conselho Nacional de Combate à Pirataria de um amigo íntimo de prisioneiro da Polícia Federal acusado por contrabando e comercialização de artigos eletrônicos pirateados.
Por ocasião da prisão, Tuma Júnior disse ao jornal O Globo ter procurado seu superior à época, o então ministro da Justiça Tarso Genro, para perguntar se deveria se afastar do cargo.
"Ele respondeu: toca o pau", relatou Romeu Tuma Júnior na edição do último dia 12 de maio. Ou é mentira e deveria ser desmentido, o que até agora não foi, ou é verdade, o que explica em parte os salamaleques do governo para conseguir que o secretário se afastasse do cargo.
Foi mantido no posto devidamente autorizado a despeito da ciência de que privava da amizade de contrabandista. Preso. E mais: Tuma Júnior era alvo de investigações da Polícia Federal por suspeita de envolvimento em tráfico de influência na liberação de dólares apreendidos em aeroporto e na legalização de estrangeiros em situação irregular no Brasil, atos que caberiam à secretaria sob seu comando combater.
Pois bem. Suponhamos que Tuma Júnior não tenha culpa. Ainda assim resta a absoluta ausência de razoabilidade na situação. Vai além de qualquer manual.
O estatuto da Comissão de Ética Pública, perante a qual o governo pediu que Tuma Júnior se defendesse, existe não para julgar crimes, mas para examinar se a autoridade se enquadra nos preceitos de preservação de imagem do agente público.
Considera, por exemplo, que receber presentes acima de R$ 100, frequentar camarotes de empresas privadas em desfiles de escolas de samba e desfrutes assemelhados prejudicam a aferição da "lisura e da integridade" do processo decisório governamental por parte da sociedade.
Imagine-se o que se infere quando o acusado de integrar a máfia chinesa em São Paulo segue na comitiva do secretário nacional de Justiça em viagem oficial à China.
Tropa da troça. O presidente da Câmara, Michel Temer, proibiu o cineasta José Padilha de rodar cenas do filme Tropa de Elite 2 nas dependências da Casa, emprestando sua autoridade ao autoritarismo.
Limitou a expressão do diretor, em cuja obra retrata deputados envolvidos com milícias do Rio de Janeiro, mas ainda assim até aí as coisas estavam no campo político institucional.
Agora tomaram o rumo do risível. Temer foi levado por seus pares a enveredar pelo terreno da galhofa quando resolveu encaminhar o "caso" para análise da procuradoria da Casa.
E qual é o caso? O fato de o roteiro ter cenas inspiradas na rotina da Câmara e de um ou outro parlamentar, cenas de depoimentos em ambientes semelhantes ao Conselho de Ética e um personagem de nome Fraga.
E daí? Daí que alguns deputados acham uma afronta um diretor de cinema, um roteirista não lhes pedirem licença para escolher a temática de suas obras. A Câmara é intocável.
E o deputado Alberto Fraga, um entre os 513 deputados federais achou que o "Fraga" do filme só podia ser uma inspiração do cineasta José Padilha em tão famosa figura.
Padilha explicou que nunca ouvira falar no deputado eleito por Brasília, mas Fraga não se conformou: "Não é um nome comum, como João. Eu sou o antagonista, o bandido. Peço à procuradoria que analise isso."
"Isso" o quê? Analisar para quê? Para levar José Padilha ao Conselho de Ética, cassar a exibição do filme por quebra de decoro parlamentar?
O deputado José Genoino apoia providências: "Estão tentando colocar o Parlamento como piada."
De fato, mas quem faz isso não é o cineasta.