Em “Cowboy Fora-da-Lei”, gravada em 1987, Raul Seixas já cantava: “Eu não preciso ler jornais/mentir sozinho eu sou capaz/ não quero ir de encontro ao azar...”. Imagine, então, se o Raulzito estivesse vivo e pudesse ver ao que a mídia brasileira tem aprontado nos últimos anos...
1- Luciana Cardoso - filha do ex-presidente e paladino-mor da ética e da moralidade públicas, Fernando Henrique Cardoso - está lotada desde 2003 no gabinete do Senador Heráclito Fortes, do DEM, e dificilmente aparece no Senado Federal para trabalhar. Apesar disto, foi um (a) dos (as) inúmeros (as) funcionários (as) que receberam horas-extras por “trabalharem” durante o recesso parlamentar. A imprensa brasileira deu pouquíssimo destaque a este fato (“O Globo”, do dia 28/03, publicou esta notícia em um pequeno box na página 4). Se fosse um dos filhos de Lula, será que o assunto seria tratado com o mesmo pouco caso?
2- Há alguns meses atrás, ao acompanhar uma pessoa querida em uma consulta no INCA, vi um preso chegar algemado, acompanhado por dois policiais, para fazer um tratamento de radioterapia e ninguém estranhou isto. Ao noticiar a ordem da justiça para a soltura de Eliana Tranchesi, a maior parte da imprensa brasileira - sempre tão disposta a fazer grandes discursos contra a impunidade reinante no país – tem dado grande destaque ao fato da dona da Daslu ser portadora de câncer, procurando assim comover os seus leitores e, de forma subliminar, justificando assim a sua liberdade como uma espécie de ato humanitário. Será que esta mesma imprensa estaria disposta – em nome dos princípios humanitários – a patrocinar uma campanha nacional para que todos os presos acometidos de doenças terminais possam fazer os seus tratamentos em liberdade?
3- Por que todas as vezes que a Polícia Federal e o Ministério Público investigam e indiciam pessoas ligadas à elite empresarial e aos partidos de oposição ao governo Lula, como nas Operações Satiagraha ou Castelo de Areia, a imprensa sempre insinua que tais indiciamentos têm “conotações políticas”?
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das maiores poetisas portuguesas do século XX, deixando-nos alguns dos mais belos versos desta “última flor do Lácio, inculta e bela”. Um de seus melhores poemas – que reproduzo abaixo -, bem que poderia ter sido escrito para o seleto grupo de clientes da Daslu, que vive lamentando o “absurdo” que foi a condenação de Eliana Tranchesi.
Retrato de uma princesa desconhecida
Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino