Soneto da Separação




* Soneto da Separação - Vinícius de Moraes

De repente do riso fêz-se o pranto 
silencioso e branco como a bruma 
E das bocas unidas fêz-se espuma 
E das mãos espalmadas fêz-se o espanto. 

De repente da calma fêz-se o vento 
Que dos olhos desfez a última chama 
E da paixão fêz-se o pressentimento 
E do momento imóvel fêz-se o drama. 

De repente, não mais que de repente 
Fêz-se de triste o que se fêz amante 
E de sozinho o que se fêz contente. 

Fêz-se do amigo próximo o distante 
Fêz-se da vida uma aventura errante 
De repente, não mais que de repente. 
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ECONOMIA - Desigualdade mundial.

Controvérsia
O homem prudente não diz tudo quanto pensa,
mas pensa tudo quanto diz

Aristóteles
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Mapa da desigualdade em 2013: 0,7% da população detém 41% da riqueza mundial
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Nova pesquisa revela que PIB mundial atinge maior valor da história, mas divisão segue extremamente desigual

Dodô Calixto
Cinco anos depois do início da crise econômica mundial, marcada pela quebra do banco norte-americano Lehamn Brothers, os indicadores financeiros seguem apontando para uma concentração da riqueza ao redor do globo. De acordo com o relatório "Credit Suisse 2013 Wealth Report", um dos mapeamentos mais completos sobre o assunto divulgados recentemente, 0,7% da população concentra 41% da riqueza mundial.
Em valor acumulado, a riqueza mundial atingiu em 2013 o recorde de todos os tempos: US$ 241 trilhões. Se este número fosse dividido proporcionalmente pela população mundial, a média da riqueza seria de US$ 51.600 por pessoa. No entanto, não é o que acontece. Veja abaixo o gráfico da projeção de cada país se o PIB fosse dividido pela população:



A Austrália é o país com a média de riqueza melhor distribuída pela população entre as nações mais ricas do planeta. De acordo com o estudo, os australianos têm média de riqueza nacional de US$ 219 mil dólares.

Apesar de serem o país mais rico do mundo em termos de PIB (Produto Interno Bruto) e capital produzido, os EUA têm um dos maiores índices de pobreza e desigualdade do mundo. Se dividida, a riqueza dos EUA seria, em média, de mais de US$ 110 mil dólares. No entanto, é atualmente de apenas US$ 45 mil dólares - menos da metade.

Entre os países com patrimônio médio de US$ 25 mil a US$ 100 mil, se destacam emergentes como Chile, Uruguai, Portugal e Turquia. No Oriente, Arábia Saudita, Malásia e Coreia do Sul. A Líbia é o único país do continente africano neste grupo. A África, aliás, continua com o posto de continente com a menor riqueza acumulada.

Mesmo com o crescimento da riqueza mundial, a desigualdade social continua com índices elevados. Os 10% mais ricos do planos detêm atualmente 86% da riqueza mundial. Destes 0,7% tem posse de 41% da riqueza mundial. 
Veja no gráfico abaixo a pirâmide da riqueza. Apenas 0,7% da população detém US$ 98,7 trilhões de dólares:



Os pesquisadores da Credit Suisse também fizeram uma projeção sobre o crescimento dos milionários ao redor do mundo nos próximos cinco anos. Polônia e Brasil, com 89% e 84% respectivamente, são os países que mais vão multiplicar seus milionários até 2013. No mesmo período, os EUA terão um aumento de 41% do número de milionários, o que representa cerca de 18.618 de pessoas com o patrimônio acima de 1 milhão de dólares.


Em meados deste ano, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) divulgou um estudo sobre o crescimento da desigualdade social nos países desenvolvidos, como consequência da crise financeira.

A organização diz que o número de pobres cresceu entre 2010 e 2011 em 14 das 26 economias desenvolvidas, incluindo EUA, França, Espanha e Dinamarca. Nos mesmos países, houve forte aumento do desemprego de longa duração e a deterioração das condições de trabalho. Atualmente, o número de desempregados no mundo supera os 200 milhões.

Em contrapartida, entre os países do G20, o lucro das empresas aumentou 3,4% entre 2007 e 2012, enquanto os salários subiram apenas 2,2%.

Segundo informações da imprensa europeia, na Alemanha e em Hong Kong, os salários dos presidentes das grandes empresas chegaram a aumentar 25% de 2007 a 2011, chegando a ser de 150 e 190 vezes maiores que o salário médio dos trabalhadores do país. Nos Estados Unidos, essa proporção é de 508 vezes.


Centro comercial em Hong Kong: um dos maiores centros empresariais e de riqueza do mundo

América Latina

Na contramão das grandes potências, a situação econômica e social da América Latina melhorou. Entre 2010 e 2011, 57,1% da população dos países da região estava empregada, um ponto percentual a mais que em 2007, último levantamento antes da crise financeira internacional.

Em alguns países, como Colômbia e Chile, o aumento superou quatro pontos percentuais. Com o aumento do trabalho assalariado, cresceu também a classe média. Na comparação entre 1999 e 2010, a população dentro do grupo social cresceu 15,6% no Brasil e 14,6% no Equador.

No entanto, a OIT destaca que a região ainda enfrenta como desafios a desigualdade social, maior que a média internacional, e o emprego informal. A média da região é de 50%, sendo que em países mais pobres, como Bolívia, Peru e Honduras, supera os 70%.

Em todo o mundo, a organização afirma que há mais de 200 milhões de desempregados. A expectativa é que, ao final de 2015, esse número chegue a 208 milhões.
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ECONOMIA - Hiperglobalização.

Hiperglobalização
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Expansão das transnacionais, transportes facilitados e em especial novos acordos comerciais ameaçam desencadear outra rodada de ataques a direitos sociais

Christophe Ventura

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Segundo a expressão dos economistas Arvind Subramanian e Martin Kessler, nossas sociedades entraram em uma era de “Hiperglobalização” [1]. Entre 1980 e 2011, o volume de mercadorias comercializadas na esfera planetária foi multiplicada por quatro, o nível do comércio mundial aumentou quase duas vezes mais rápido que a produção mundial de cada ano [2]. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), “o valor em dólares do comércio global de mercadorias aumentou mais de 7% por ano em média (…), atingindo um récorde de 18 bilhões de dólares ao final deste período.” De acordo com eles, “a troca de serviços comerciais aumentou ainda mais rápido, a uma taxa anual média de aproximadamente 8%, atingindo cerca de 4 bilhões de dólares” [3].
O comércio internacional, que representava 9% do PIB mundial em 1870, 16% em 1914, 5,5% em 1939 e cerca de 15% nos anos 1970, agora equivale a 33% [4].
Mesmo afetado pela crise financeira de 2008 e suas repercussões na redução do consumo, principalmente nos Estados Unidos, na China e na Europa – o volume do comércio global cresceu 2% em 2012 contra 5,1% em 2011 (2,5% são esperados para 2013). Esse montante com força inédita na integração comercial mundial, constitui, segundo os dois pesquisadores, a primeira característica da “Hiperglobalização”.
A redução tarifas alfandegárias [5], do custo dos transportes – principalmente marítimos – e das telecomunicações, o crescimento de tecnologias facilita a desmaterialização das trocas e serviços, a mobilidade do capital e dos fatores de produção, bem como a multiplicação de acordos bilaterias e multilaterais de livre-comércio que tornaram possível esta nova etapa da globalização econômica e financeira.
Neste vasto movimento, novas tendências estão surgindo. A hiperglobalização não se avalia apenas quantitativamente pelo aumento do comércio internacional integrado, mas também qualitativamente. Deste ponto de vista, ela corresponde à uma mutação profunda e ainda não concluída das formas do sistema de produção e de comércio em escala mundial que provoca impactos em todos os países e regiões.
Algumas das manifestações mais relevantes são agora regularmente comentadas pelas mídias e convocadas pelos governos para tentar justificar, junto à opinião pública, a necessidade de colocar em pauta políticas de austeridade (salarial e social) a fim de ganhar em competitividade no quadro de uma concorrência global acirrada. Trata-se da ascensão da China, que ocupa agora o lugar de primeira potência comercial com 11% de exportações mundiais (contra 1% em 1980), dos países do Sul [6], dos fluxos comerciais Sul-Sul [7] e do desenvolvimento de múltipplas configurações de integrações econômicas regionais.
No entanto, outras dinâmicas modificam, pouco a pouco e mais subterraneamente, as estruturas da globalização. A Hiperglobalização designa, na verdade, o novo estado de seu desenvolvimento. Ela indica, em primeiro lugar, uma nova fase de fragmentação geográfica da produção e de dissociação de funções produtivas na escala mundial. Os fluxos comerciais se inserem agora nas “cadeias de valor” internacionais que organizam os processos de produção em sequências distintas, realizadas (normalmente de maneira simultânea) em diferentes lugares do planeta, segundo as lógicas de otimização de territórios. E isto tudo em função de sua organização fiscal, social, salarial, financeira, tecnológica, educativa, institucional, etc.
Ao longo dos últimos vinte anos, vivemos a implementação de um esquema agora já estabilizado. A propriedade das empresas, de patentes, de marcas, bem como a pesquisa e desenvolvimento (P&D), concentram-se nos centros da economia-mundo (países da tríade, essencialmente), a concepção, a montagem e a fabricação de produtos se realizam nos países (Ásia, América Latina, África, Oriente Médio) e empresas às quais são submetidas tais funções, bem como a distribuição, a venda e serviços pós-venda (Magreb ou Índia, por exemplo) [8].
Assim, as 80 000 multinacionais pesquisadas no mundo [9] (seguramente dois terços do comércio internacional) são as principais matrizes da construção desta nova organização da produção. Como explica a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), “as empresas multinacionais dos países desenvolvidos transferem ou submetem uma parte de seus processos produtivos para países em desevolvimento ou em transição. Esta fragmentação geográfica da produção opera pelo intermediário de vários canais como investimento direto estrangeiro [10], comércio de bens intermediários [vindos de países diferentes] [11] e da subcontratação de serviços [12]”. Mas acrescentam: “Em temos simples, o que é pesquisado [em um contexto de redução de taxas alfandegárias e dos custos de transportes, de informação e de telecomunicação que permitem uma circulação sem entraves, multiplicada, cruzada e à grande velocidade da mercadoria], é combinar tecnologia, inovação e know-how de países desenvolvidos (économies de maison mère) com os custos reduzidos da mão de obra dos países em desenvolvimento (economias de fabricação)” [13].
Para a Cepal, assim será possível “identificar três grandes redes de produção no mundo. A ‘usina Europa’ (com seu centro na Alemanha), a ‘usina América do Norte’ (com centro nos Estados Unidos) e a ‘usina Ásia’ (com centro no Japão, de maneira tradicional e a China desde o último período). Estas três ‘usinas’ se caracterizam por uma taxa elevada de comércio intra regional que se organiza em torno da produção de bens intermediários” para estes centros.
Segundo estimativas do ministério francês do Comércio Exterior, a metade do valor das mercadorias exportadas no mundo é constituida pelas peças e componentes importados. Na França, essa proporção é de 25%. Nos países em desenvolvimento, ela se situa em torno de 60%. O iPhone da Apple ou a boneca Barbie são os símbolos desta mercadoria “Made in the World” (produzida no mundo).
É neste contexto que emergem, desde o início dos anos 2010 e ainda mais desde 2013, as novas formas de acordos de livre-comércio fora do quadro multilateral da OMC. Trata-se de acordos ditos “mega-regionais” ou “mega-bilaterais”: Grande mercado transatlântico [14], Parceria transpacífica [15], Parceria Econômica Integral Regional (que envolve 10 países da Associação das Nações da Ásia e do Sudeste – ASEAN – [16]), Acordo de livre comércio União Européia-Japão (em negociação), Acordo de livre comércio entre a China, Japão e Coréia do Sul (idem).
A função destes acordos é ao mesmo tempo política, geopolítica e econômica. Trata-se de organizar, a longo prazo, a garantia de investimentos e de atividades dos atores financeiros e econômicos globalizados. Isto, a fim de consolidar e de desenvolver o valor adicionado da mercadoria no âmbito de espaços transnacionais constituídos pelas cadeias de produção global nas quais agem e se apoiam as multinacionais que têm interesses comuns com os atores econômicos comerciais e financeiros regionais e locais.
Estes acordos de nova geração têm diversas particularidades. Eles concernem os espaços calcados nas cadeias de produção. Podem, se necessário, estender as geografias regionais e desenhar novas fronteiras econômicas, financeiras e comerciais entre países e blocos de países ou regiões. Recobrem os territórios físicos, demográficos, políticos e econômicos imensos. Visam harmonizar não somente as tarifas alfandegárias, mas também – diante dos padrões jurídicos dos países hegemônicos da Tríade – as barreiras ditas “não tarifárias” (normas sanitárias e fitosanitárias, condições de acesso aos mercados públicos, direitos de propriedade intelectual (patentes), seguridade de investimentos, política da concorrência, etc.).
Estas novas transformações do capitalismo reforçam as dinâmicas de fusão entre os Estados envolvidos e os interesses do mercado. Ao fazê-lo, promovem a desconexão entre a capacidade de intervenção democrática dos povos – a única maneira de controlar a força do capital – e a força do mercado para submeter nossas sociedades ao seu domínio destruidor.
N’A Dinâmica do Ocidente (1939), o sociólogo alemão Norbert Elias destaca: “Como isto se produz em cada sistema ao equilíbrio instável, submetido a uma tensão concorrencial em rápida progressão e desprovida de monopólio central, os Estados mais potentes, que constituem os eixos principais do sistema, exercem pressão uns sobre os outros, em um movimento de circular sem fim, para expansão e fortalecimento de sua posição. Assim encontra-se a lógica do mecanismo da luta pela hegemonia e – internacionalmente ou não – para a criação de centrais monopolistas se estenderem pelos territórios de uma ordem de grandeza claramente superior. E se é verdade que se trata, por enquanto, de uma dominação limitada a alguns continentes, já vemos desenhar-se, seguindo o transbordamento de interdependências em outras regiões, a luta pela hegemonia em um sistema englobando toda a terra habitada” [17].
A hiperglobalização se contituirá uma nova etapa para a monopolização do mundo pelas potências econômicas, financeiras e estatais do “mundo ocidental” ? Esta última noção designará a integração das elites – de onde que elas vêm, do norte ou do sul – no seio de uma classe superior oligárquica mundializada?
De qualquer forma, a hiperglobalização constitui o novo quadro de enfrentamento objetivo entre os movimentos anti-sistêmicos do planeta – enfraquecidos e localizados hoje em dia – e das forças do capitalismo financeiro.
NOTAS
[1] Arvind Subramanian e Martin Kessler, “The Hyperglobalization of Trade and Its Future”, Peterson Insitute for International Economics, Julho 2013. (http://www.iie.com/publications/interstitial.cfm?ResearchID=2443)
[2] Exceto durante os dois últimos anos. Relatório sobre o comércio mundial 2013. Fatores determinam o porvir do comércio mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC), 18 Julho de 2013. (http://www.wto.org/french/res_f/publications_f/wtr13_f.htm)
[3]  Ibid.
[4]  Ibid.
[5] A respeito deste assunto, ler Christophe Ventura, “Que sont les douaniers devenus…” , Le Monde Diplomatique, Octobre 2013.
[6] Eles representam 47% das exportações mundiais contra contra 34% em 1980. Para eles os economistas do centro do sistema-mundo representavam 53% contra 66% em 1980.
[7] Isto representando 24% dos fluxos globais em 2011, contra 8% em 1990. Os fluxos Norte-Norte representando 36%, contra 56% em 1990.
[8] A respeito deste assunto, ler Jean-Luc Mélechon, “La Nouvel Ordre Transnational”. Nesta reflexão, o co-presidente do Partido de Esquerda (França) precisa: “um novo modelo de empresa (…) se contenta em possuir patentes, marcas, um talão de cheques e cadastro de clientes. Esta forma particular de desmaterialização da propriedade nos retorna imediatamente à importância da questão das patentes e de licenças de marcas e logos, que constitui o coração das novas formas de poder e de propriedade capitalista. Inúmeras são as multinacionais que desenvolvem esta estratégia visando retirar-se ou até desconectar-se totalmente da produção para o lucro de atividades limitando o risco de investimento: gestão de marcas, comercialização, distribuição, atividades financeiras”(http://www.jean-luc-melenchon.fr/2013/07/24/du-chaud-et-du-froid-des-hauts-et-du-bas/).
[9] Arvind Subramanian e Martin Kessler, “The Hyperglobalization os Trade and Its Future”, Peterson Institute for International Economics, julho 2013.
[10] O estoque de IDE no mundo passou de 10% do PIB mundial nos anos de 1990 à 30% em 2011. Ibid.
[11] Segundo a OMC, “30% do total do comércio, consistem em reexportações de bens intermediários, (…). Desde meados dos anos 1990, esta porcentagem aumentou quase 10 pontos.
[12] Segundo a OMC, em termos de valor adicionado, “a contribuição de serviços no comércio total (…) foi quase duas vezes maior que a parte correspondente medida em termos brutos, passando de 23% à 45% em 2008. Os serviços contribuem significativamente ao comércio de mercadorias, seja pelo seu papel de facilitador de transações internacionais, seja através da sua incorporação no custo de produção total da mercadoria”.
[13] Panorama da inserção internacional da América Latina e do Caribe, Cepal, 2013.
[14] Ler Bernand Cassen, “L’alibi de l’emploi pour un grand marché (transatlantique) de dupes”, Mémoire de Luttes (http://www.medelu.org/L-alibi-de-l-emploi-pour-un-grand).
[15] Ler Christophe Ventura, “Washington se relance dans le nouveau jeu latino-américain”, Mémoire de luttes (http://www.medelu.org/Washington-se-relance-dans-le) e “Le Partenariat transpacifique, nouvel outil de l’hégémonie de Washigton”, Mémoire de luttes (http://www.medelu.org/Le-Partenariat-transpacifique).
[16] Austrália, Birmânia, Bruneï, Comboja, China, Coréia do Sul, Índia, Indonésia, Laos, malásia, Nova Zelândia, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã. As negociações lançadas no início de 2013 devem, segundo os iniciadores, ser concluídas em 2016.
[17] Norbert Elias, La Dynamique de l’Occident, Calmann-Lévy, coleção Agora, Paris, 1977 (tradução do tomo 2 de Uber den Progress der Zivilisation, 1939).
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ECONOMIA - O marxismo e o capitalismo.

Controvérsia
Liberdade significa responsabilidade, é por isso
que tanta gente tem medo dela

George Bernard Shaw
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O marxismo continuará vivo enquanto perdurar o capitalismo
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O meu primeiro contato com Caio N. de Toledo, professor aposentado do Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, foi no comecinho de outubro de 2011.

Conceição Lemes

O Viomundo havia denunciado: USP homenageia vítimas da "Revolução de 1964″? 
Alunos, professores e funcionários administrativos da USP estavam sem entender. Como num verdadeiro abracadabra, um "Monumento em Homenagem a Mortos e Cassados na Revolução de 1964" começou a ser feito na Cidade Universitária. Mais precisamente na Praça do Relógio, em frente ao anfiteatro, ao lado do bloco A do CRUSP.
Ninguém sabia de onde havia partido a ordem para fazê-lo. Ninguém havia debatido nem opinado sobre a sua construção. Nem mesmo professores que trabalham com direitos humanos tinham ciência do que realmente se tratava.
Nós fizemos então várias reportagens sobre o monumento, que vou listá-las no final para quem quiser conhecer toda a história.
O estudante Luiz Rabello mandou-me um texto que estava circulando numa lista  alunos e professores da Unicamp. 1964: NOTA SOBRE UMA VITÓRIA SIMBÓLICA, assinado por Caio N. de Toledo.
A Nota fazia um relato lisonjeiro das nossas reportagens e criticava a iniciativa do monumento, inclusive a expressão "Revolução de 1964″.
Como ela circulava na lista restrita, fui atrás do professor Caio N. Toledo, para pedir autorização para a publicação. Com a ajuda de Luiz Rabello consegui localizá-lo e publicamos o artigo.
Nascia aí a nossa bela parceria, prestes a comemorar dois anos. Parêntese: o N é de Navarro, que o professor costuma abreviar. Já nós passamos a chamá-lo apenas de professor Caio Toledo.
Um bom tempo depois ele me mandou e um e-mail, contando, muito feliz, que, junto com vários colegas pesquisadores e professores, estava construindo o blog marxismo21. Trocamos a ideias a respeito.
Pois o marxismo21 acaba de completar um ano no ar. Para comemorá-lo,  fizemos esta entrevista com o professor Caio, que integra o comitê do blog. Aproveitamos para resgatar a sua história.
Viomundo - Há um ano nascia o blog marxismo21. O que levou os senhores a criarem-no? 
Caio Toledo -  O marxismo21 foi criado por um grupo de pesquisadores e docentes de diferentes universidades do país com o propósito de ser um banco de dados do conjunto da produção intelectual, difundida na web, que se reivindica marxista; igualmente, trabalhos qualificados que têm como objeto a obra de Marx ou suas diversas correntes teóricas - não identificados com os pressupostos do materialismo histórico e filosófico - integram este conjunto de materiais.
O blog está organizado por seções: textos (artigos de revistas de esquerda e acadêmicas), trabalhos universitários (dissertações e teses de doutorado), materiais audiovisuais (filmes de ficção, documentários, palestras, simpósios etc.), notícias (eventos, lançamentos de livros e revistas), pesquisas em curso etc.
Reconhecendo que existe um extenso e acirrado debate no campo do marxismo em todo o mundo - que se expressa por correntes que se orientam pelas obras de Lenin, Rosa de Luxemburg, Trotsky, Gramsci, Lukács, Althusser, escola de Frankfurt e outras -, marxismo21 tem o caráter inédito de divulgar, sem restrições e interditos, todas estas tradições teórico-ideológicas no terreno do marxismo.
Com toda certeza, é o único blog no Brasil (e provavelmente no interior da cultura política de esquerda em todo o mundo) - que não limita à difusão de uma única corrente teórica dentro do marxismo. Prova disso é a divulgação de matérias (ensaios, artigos, vídeos etc.), informações sobre lançamentos de revistas e livros, eventos etc. que estão vinculados aos distintos marxismos realmente existentes no país.
Acreditamos que o fato de marxismo21 ser, hoje, uma referência na cultura política marxista brasileira - fato assegurado pelo significativo acesso diário ao blog e pelo elevado número de seus leitores cadastrados - se deve ao caráter democrático e pluralista de seu trabalho editorial.
Viomundo - O fato de o marxismo ser "esquecido" na mídia contribuiu para a  criação do blog?
Caio Toledo -- Não diria que a motivação original e central que explicaria a criação de blog se deva ao inegável fato do marxismo ser "esquecido" e sonegado pela grande mídia.
Criamos marxismo21, posto que fomos interpelados por uma necessidade real do debate no interior da esquerda socialista no Brasil: a saber, a de existir um instrumento que informe os pesquisadores e os movimentos sociais e políticos acerca da diversidade da obra de Marx, dos marxismos existentes no país e suas respectivas produções intelectuais (publicações, eventos, debates etc.)
Viomundo - A quem se destina o marxismo21?
Caio Toledo - Produzido por pesquisadores vinculados aos meios acadêmicos brasileiros, reconhecemos que a maioria dos nossos seguidores é constituída de professores, pesquisadores e estudantes universitários.
Mas também temos conhecimento - pela correspondência recebida e pelo cadastramento feito junto ao blog - que entre nossos leitores estão muitos professores do ensino médio e militantes de movimentos sociais e partidos de esquerda. Eles acessam marxismo21 a fim de se informar sobre os eventos, lançamentos de livros, revistas etc. e, notadamente, para baixar gratuitamente textos de revistas, teses acadêmicas e simpósios organizados por entidades de esquerda e marxista. Mais de 230 downloads de textos do blog são feitos por dia.
Problematizando a produção teórica marxista que não ultrapassa os muros da universidade, marxismo21 busca - na tradição dos clássicos do marxismo (Marx. Engels, Lênin, Rosa de Luxemburgo, Trotsky, Gramsci) - ser um recurso intelectual útil no debate sobre os impasses e problemas do capitalismo contemporâneo. Estamos convencidos de que o trabalho editorial do blog apenas será bem sucedido na medida em que reflita as necessidades dos movimentos e partidos que se empenham na luta anticapitalista e construção do socialismo.
Por último, como afirmamos em nossa proposta editorial, o marxismo21 não é propriedade intelectual de seus atuais criadores, mas um compromisso de todos os marxistas que se dispuserem a participar de sua construção, produção e funcionamento.
Viomundo - Nesse um ano de existência o que mudou no blog?
Caio Toledo - Concebido como um banco de dados da produção marxista no Brasil, marxismo21 passa a se configurar como um blog na medida em que, com frequência, divulga dossiês sobre a obra teórica e política de clássicos do pensamento marxista brasileiro (entre eles, Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Werneck Sodré, Jacob Gorender) e dossiês temáticos sobre questões conjunturais relevantes no debate político e ideológico atual.
Em fins de junho, por exemplo, o blog divulgou um amplo e extenso dossiê sobre as "jornadas de junho" com mais de 80 textos de autores e entidades vinculados a todos os espectros político-ideológicos da esquerda brasileira. Vários textos divulgados pelo Viomundo e outros blogs democráticos ali foram postados.
Dias atrás, foi editada uma página que examina os 40 anos do golpe militar que derrubou o governo democrático e popular de Salvador Allende, ocorrido em 11 de setembro de 1973 no Chile.
Em suma, marxismo21 busca, de forma criativa e inovadora, combinar as características de um blog  com as de um banco de dados da produção intelectual vinculada ao marxismo.
Viomundo - Especialmente depois da queda do Muro de Berlim  e do colapso da ex-URSS e países do leste europeu tem se decretado  a "morte de Marx". Há espaço para o marxismo hoje em dia? 
Caio Toledo - Não apenas depois da queda do muro de Berlim e do colapso do chamado "socialismo real" (da ex-URSS e países do leste europeu) tem se afirmado (e comemorado!) a "morte de Marx". O fato é que o fantasma da obra intelectual de Marx continua rondando o pensamento e a sociedade contemporâneos.
A este respeito, destaquemos alguns fatos e episódios: recentemente, em pesquisa feita pela insuspeita BBC, Marx foi eleito "o mais importante pensador de todos os tempos". (Nada foi comprovado sobre a mobilização de entidades socialistas no sentido de influírem ou manipulares a pesquisa telefônica feita pela BBC...).
De outro lado, sabe-se que a recente crise econômica do capitalismo tem levado renomadas editoras europeias a reeditarem O Capital e os Grundrisse (primeira versão da obra magna de Marx).
Em março deste ano, ao ser indagado "Por que ler Marx hoje?", Delfim Neto, o ex-czar da economia brasileira, durante a ditadura militar, não teve dúvida em responder: "Porque Marx não é moda. É eterno". (É de se convir, pois, que direita e esquerda no Brasil contemporâneo concordam num ponto: Delfim Netto é um intelectual cultivado e inteligente.).
Apenas dogmáticos, sectários e "sicofantas do capital" deixam de reconhecer que o pensamento de Marx está vivo e continuará sempre interpelando todos aqueles que buscam conhecer em profundidade e de forma rigorosa o capitalismo contemporâneo.
Prova da vitalidade da obra de Marx e do marxismo, no Brasil contemporâneo, também pode ser evidenciada por outros dados:
a) existem dezenas de centros de estudos marxistas em funcionamento, fora e dentro das universidades brasileiras. Com frequência, eles promovem eventos (alguns com a presença de pesquisadores internacionais) e editam publicações (livros, anais, cadernos etc.);
b) dezenas de revistas de esquerda, vinculadas ou não a estas entidades, são publicadas (marxismo21 informa a existência de mais de uma dezena destas publicações);
c) editoras como Boitempo, Expressão Popular, Revan, Xamã e outras publicam livros de esquerda e de orientação marxista. Algumas dessas editoras realizam regularmente seminários e debates com autores socialistas brasileiros e do exterior;
d) dezenas de blog de orientação de esquerda participam da luta teórico-ideológica sob a orientação do pensamento socialista e marxista.
Tendo em vista o caráter crítico desses eventos e publicações, eles não são divulgados pela grande mídia que, invariavelmente, se apresenta como democrática, isenta e apartidária.
Bem se sabe que o grande público - hoje alcançado basicamente pela TV - desconhece tais manifestações críticas e nem de longe é apresentado às ideias críticas de Marx e das tradições teóricas vinculadas a esse grande pensador.
Não obstante esta realidade, o marxismo não está inerte nem é inexpressivo na cultura política brasileira. Mas como os marxistas devem sempre exercer a autocrítica, eles sabem que o caráter crítico-revolucionário do pensamento de Marx, no Brasil contemporâneo, longe está de ser incorporado pelos agentes históricos e sociais que podem ter um papel decisivo na radical transformação da ordem capitalista.
Viomundo - Considerando que muitos dos nossos leitores são jovens, daria para o senhor explicar em "linhas gerais" o que é marxismo?
 Caio Toledo -  Em "linhas gerais" e, portanto, de forma bastante sumária, a teoria de Marx - sobre a qual se fundam os distintos marxismos - pode ser sintetizada pela crítica da economia política e pelo materialismo histórico.
Enquanto a primeira visa o conhecimento da lógica da acumulação e reprodução do capital, de sua dinâmica contraditória, de suas crises estruturais e transformações, o materialismo histórico busca desvendar as leis do desenvolvimento histórico e social, a dinâmica da luta de classes, as transformações da superestrutura (política, ideológica, cultural e filosófica) das sociedades classistas.
As diferentes correntes que se reivindicam marxistas nem sempre desenvolvem estas dimensões fundamentais da obra teórica de Marx. Todas elas, contudo, se identificam na afirmação do caráter crítico e dialético do pensamento de Marx.
O marxismo continua vivo e atual, posto que nenhuma outra teoria social no mundo contemporâneo se rivaliza com a produção de Marx. Em termos conceituais e metodológicos, a teoria de Marx é a que melhor permite o conhecimento objetivo da dinâmica e contradições do capitalismo contemporâneo.
De outro lado, nenhuma outra teoria a ela se compara em matéria de crítica fundamentada e radical - não abstrata, moral ou idealizada - das iniquidades e discriminações sociais e econômicas da economia capitalista e da sociedade burguesa. A teoria de Marx é simultaneamente conhecimento e crítica do modo de produção capitalista.
Em Marx, pois, teoria e política estão intrinsecamente articuladas e indissociadas. Dai se afirmar que, ao contrário de outras perspectivas teóricas, a obra de Marx é teoria científica e práxis revolucionária. Sabendo que toda teoria está historicamente enraizada, afirmamos que a obra de Marx terá plena e legítima validade enquanto perdurarem as irreconciliáveis contradições sociais e econômicas da ordem capitalista.
Por último, levando em conta seus pressupostos crítico-dialéticos, a teoria de Marx jamais deve ser encarada como um receituário de fórmulas prontas, acabadas e dogmáticas.
A famosa provocação de Marx, "eu não sou marxista", impõe que os pesquisadores que se orientam por sua obra estejam dispostos a enfrentar as novas interpelações teóricas e políticas postas pelo capitalismo contemporâneo. Obviamente, lacunas e problemas teóricos não deixariam de existir na obra de Marx.
É nesta direção que nossa proposta editorial adverte:
O marxismo apenas conseguirá responder aos desafios do século 21 caso se se mantiver aberto à confrontação permanente com os novos fenômenos da atualidade, seja na economia, seja na política, na cultura, etc., testando sempre a validade de suas hipóteses.
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EUA - O labirinto político dos Estados Unidos.

Controvérsia
A escola é um edifício com quatro paredes
e o amanhã dentro dele

George Bernard Shaw
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Noam Chomsky e o labirinto político dos Estados Unidos
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Em entrevista, intelectual discorre sobre crise política, Síria e América Latina

Noam Chomsky


Noam Chomsky é, aos 84 anos, um dos maiores intelectuais no mundo. Seu trabalho e suas realizações são bem conhecidos – ele é linguista norte-americano, professor emérito no Massachussets Institute of Technology (MIT) há mais de 60 anos, analista e ativista político constante, crítico original do capitalismo e da ordem mundial que tem como centro os Estados Unidos.
Nesse entrevista, Chomsky debate a paralisação do governo norte-americano, por disputas incessantes no sistema político e, em especial, chantagem das forças de direita mais primitivas. Também aborda os sinais de perda de influência de Washington na Síria e da emegência, na América do Sul, de um conjunto de governos que afasta-se dos EUA, pela primeira vez em dois séculos.

Harrison Samphir: Gostaria de começar com a paralisação recente do governo dos EUA. Por que ela é diferente dessa vez, se já aconteceu no passado?

Noam Chomsky: Paul Krugman fez há dias, no New York Times, um ótimo comentário a respeito. Lembra que o partido republicano é minoritário entre a opinião pública. Controla a Câmara [House of Representatives, que junto do Senado representa o Legislativo nos EUA]. Está levando o governo à paralisação e talvez ao calote de suas dívidas. Conseguiu a maioria por conta de inúmeras artimanhas. Obteve uma minoria de votos, mas a maioria das cadeiras. Está se utilizando disso para impor uma agenda extremamente nociva para a sociedade. Foca particularmente a questão do sistema de saúde público.

Os EUA são o único, entre os países ricos e desenvolvidos, que não possue um sistema nacional de saúde pública. O sistema norte-americano é escandaloso. Gasta o dobro de recursos de países comparáveis, para obter um dos piores resultados. E a razão para isso é ser altamente privatizado e não-regulado, tornando-se extremamente ineficiente e caro. Aquilo que alguns chamam de “Obamacare” é uma tentativa de mudar esse sistema de forma suave – não tão radicalmente como seria desejável – para torná-lo um pouco melhor e mais acessível.

O Partido Republicano escolheu o sistema de saúde como alavanca para conquistar alguma força política. Quer destruir o Obamacare. Essa posição não é unânime entre os republicanos, é de uma ala do partido – chamada de “conservadora”, de fato, profundamente reacionária. Norman Orstein, um dos principais comentaristas conservadores, descreve o movimento, corretamente, como uma “insurgência radical”.


EUA passam por grave crise política

Então, há uma insurgência radical, que implica grande parte da base republicana, disposta a tudo – destruir o país, ou qualquer coisa, com o intuito de acabar com a Lei de Assistência Acessível (o Obamacare). É a única coisa a que foram capazes de se agarrar. Se falharem nisso, terão de dizer a sua base que mentiram para ela, ao longo dos últimos cinco anos. Por isso, estão dispostos a ir até onde for necessário. É um fato incomum – penso que único – na história dos sistemas parlamentaristas modernos. É muito perigoso para o país e para o mundo.

Como a paralisação poderia terminar?

Noam Chomsky: Bem, a paralisação por si só é ruim – mas não devastadora. O perigo real surgirá nas próximas semanas. Há, nos Estados Unidos, uma legislação rotineira – aprovada todo ano – que permite ao governo tomar dinheiro emprestado. Do contrário, ele não funciona. Se o Congresso não autorizar a continuação da tomada de empréstimos, talvez o governo peça moratória. Isso nunca aconteceu e um calote do governo norte-americano não seria muito prejudicial apenas aos EUA. Ele provavelmente afundaria o país, de novo, numa profunda recessão – mas talvez também quebre o sistema financeiro internacional. É possível que encontrem maneiras para contornar a situação, mas o sistema financeiro mundial depende muito da credibilidade do Departamento do Tesouro dos EUA. A credibilidade dos títulos de dívida emitidos pelos EUA é vista como “tão boa quanto ouro”: esses papéis são a base das finanças internacionais. Se o governo não conseguir honrá-los, eles não possuirão mais valor, e o efeito no sistema financeiro internacional poderá ser muito severo. Mas para destruir uma lei de saúde limitada, a extrema direita republicana, os reacionários, estão dispostos a fazer isso.

No momento, os EUA estão divididos sobre como o tema será resolvido. O ponto principal a observar é a divisão no Partido Republicano. O establishment republicano, junto com Wall Street, os banqueiros, os executivos de corporações não querem isso – de maneira nenhuma. É parte da base que deseja, e tem sido muito difícil controlá-la. Há uma razão para terem um grande grupo de delirantes em sua base. Nos últimos 30 ou 40 anos, ambos os partidos que comandam a política institucional dos EUA inclinaram-se para a direita. Os democratas de hoje são, basicamente, aquilo que se costumava chamar, há tempos, de republicanos moderados. E os republicanos foram tanto para a direita que simplesmente não conseguem votos, na forma tradicional.

Tornaram-se um partido dedicado aos muito ricos e ao setor corporativo – e você simplesmente não consegue votos dessa maneira. Por isso, têm sido compelidos a mobilizar eleitores que sempre estiveram presentes no sistema político, mas eram marginais. Por exemplo, os extremistas religiosos. Os EUA são um dos expoentes no que se refere ao extremismo religioso no mundo. Mais ou menos metade da população acredita que o mundo foi criado há alguns milhares de anos; dois terços da população está aguardando a segunda vinda de Cristo. A direita também teve de recorrer aos nativistas. A cultura das armas, que está fora de controle, é incentivada pelos republicanos. Tenta-se convencer as pessoas de que devem se armar, para nos proteger. Nos proteger de quem? Das Nações Unidas? Do governo? Dos alienígenas?

Uma enorme parcela da sociedade é extremamente irracional e agora foi mobilizada politicamente pelo establishment republicano. Os líderes presumem que podem controlar este setor, mas a tarefa está se mostrando difícil. Foi possível perceber isso nas primárias republicanas para a presidência, em 2012. O candidato do establishment era Romney, um advogado e investidor em Wall Street – mas a base não o queria. Toda vez que a base surgia com um possível candidato, o establishment fazia de tudo para destruí-lo, recorrendo, por exemplo, a ataques maciços de propaganda. Foram muitos, um mais louco que o outro. O establishment republicano não os quer, tem medo deles, conseguiu nomear seu candidato. Mas agora está perdendo controle sobre a base.

Sinto dizer que isso tem algumas analogias históricas. É mais ou menos parecido com o que aconteceu na Alemanha, nos últimos anos da República de Weimar. Os industriais alemães queriam usar os nazistas, que eram um grupo relativamente pequeno, como um animal de combate contra o movimento trabalhista e a esquerda. Acharam que podiam controlá-los, mas descobriram que estavam errados. Não estou dizendo que o fenômeno vai se repetir aqui, é um cenário bem diferente, mas algo similar está ocorrendo. O establishment republicano, o bastião corporativo e financeiro dos ricos, está chegando em um ponto em que não consegue mais controlar a base que mobilizou.


Na política externa, as notícias sobre a Síria sumiram da mídia convencional, desde a aprovação do acordo para confiscar as armas químicas do arsenal de Assad. Você pode comentar esse silêncio?

Noam Chomsky: Nos EUA, há pouco interesse sobre o que acontece fora das fronteiras. A sociedade é bem insular. A maioria das pessoas sabe bem pouco sobre o que acontece no mundo e não liga tanto para isso. Está preocupada com seus próprios problemas, não têm o conhecimento ou o compreensão sobre o mundo ou sobre História. Quando algo, no exterior, não é constantemente martelado pela mídia, esta maioria simplesmente não sabe nada a respeito.

A Síria vive uma situação muito ruim, atrocidades realmente terríveis, mas há lugares muito piores no mundo. As maiores atrocidades das últimas décadas têm ocorrido no Congo – na região oriental –, onde mais ou menos 5 milhões de pessoas foram mortas. Nós – os EUA – estamos envolvidos, indiretamente. O principal mineral em seu celular é o coltan, que vem daquela região. Corporações internacionais estão lá, explorando os ricos recursos naturais Muitas delas bancam milícias, que estão lutando umas contra as outras pelo controle dos recursos, ou de parte deles. O governo de Ruanda, que é um cliente dos EUA, está intervindo maciçamente, assim como Uganda. É praticamente uma guerra mundial na África. Bem, quantas pessoas sabem disso? Mal chega à mídia e as pessoas simplesmente não sabem nada a respeito.

Na Síria, o presidente Obama fez um discurso sobre o que chamou de sua “linha vermelha”: não se pode usar armas químicas; pode-se fazer de tudo, exceto utilizar armas químicas. Surgiram relatórios credíveis, afirmando que a Síria utilizou essas armas. Se é verdade, ainda está em aberto, mas muito provavelmente é. Nesse ponto, o que estava em jogo é o que se chama de credibilidade. A liderança política e os comentaristas de política externa indicavam, corretamente, que a credibilidade norte-americana estava em jogo. Algo precisava ser feito para mostrar que nossas ordens não podem ser violadas. Planejou-se um bombardeio, que provavelmente tornaria a situação ainda pior, mas manteria a credibilidade dos EUA.

O que é “credibilidade”? É uma noção bem familiar – basicamente, a noção principal para organizações como a Máfia. Suponha que o Poderoso Chefão decida que você terá que pagá-lo, para ter proteção. Ele tem de “bancar” essa afirmação. Não importa se precisa ou não do dinheiro. Se algum pequeno lojista, em algum lugar, decidir que não irá pagá-lo, o Poderoso Chefão não deixa a ousadia impune. Manda seus capangas espancá-lo sem piedade, ainda que o dinheiro não signifique nada para ele. É preciso estabelecer credibilidade: do contrário, o cumprimento de suas ordens tenderá a erodir. As relações exteriores funcionam quase da mesma maneira. Os EUA representam o Poderoso Chefão, quando dão essas ordens. Os outros que cumpram, ou sofram as consequências. Era isso que o bombardeio na Síria demonstraria.

Obama estava chegando a um ponto do qual, possivelmente, não seria capaz de escapar. Não havia quase apoio internacional nenhum – sequer da Inglaterra, algo incrível. A Casa Branca estava perdendo apoio internamente e foi compelida a colocar o tema em votação no Congresso. Parecia que seria derrotada, num terrível golpe para a presidência de Obama e sua autoridade. Para a sorte do presidente, os russos apareceram e o resgataram com a proposta de confiscar as armas químicas, que ele prontamente aceitou. Foi uma saída para a humilhação de encarar uma provável derrota.

Faço comentário adicional. Você perceberá que este é um ótimo momento para impor a Convenção sobre Proibição de Armas Químicas no Oriente Médio. A verdadeira convenção, não a versão que Obama apresentou em seu discurso, e que os comentaristas repetiram. Ele disse o básico, mas poderia ter feito melhor, assim como os comentaristas. A Convenção sobre Proibição de Armas Químicas exige que sejam banidas a produção, estocagem e uso delas – não apenas o uso. Por que omitir produção e estocagem? Razão: Israel produz e estoca armas químicas. Consequentemente, os EUA irão evitar que tal convenção seja imposta no Oriente Médio. É um assunto importante: na realidade, as armas químicas da Síria foram desenvolvidas para se contrapor às armas nucleares de Israel, o que também não foi mencionado.

Você afirmou recentemente que o poder norte-americano no mundo está em declínio. Para citar sua frase em Velhas e Novas Ordens Mundiais, de 1994, isso limitará a capacidade dos EUA para “suprimir o desenvolvimento independente” de nações estrangeiras? A Doutrina Monroe está completamente extinta?

Noam Chomsky: Bem, isso não é uma previsão, isso já aconteceu. E aconteceu nas Américas, muito dramaticamente. O que a Doutrina Monroe dizia, de fato, é que os EUA deviam dominar o continente. No último século isso de fato foi verdade, mas está declinando – o que é muito significativo. A América do Sul praticamente se libertou, na última década. Isso é um evento de relevância histórica. A América do Sul simplesmente não segue mais as ordens dos EUA. Não restou uma única base militar norte-americana no continente. A América do Sul caminha por si só, nas relações exteriores. Ocorreu uma conferência regional, cerca de dois anos atrás, na Colômbia. Não se chegou a um consenso, nenhuma declaração oficial foi feita. Mas nos assuntos cruciais, Canadá e EUA isolaram-se totalmente. Os demais países americanos votaram num sentido e os dois foram contra – por isso, não houve consenso. Os dois temas eram admitir Cuba no sistema americano e caminhar na direção da descriminalização das drogas. Todos os países eram a favor; EUA e Canadá, não.

O mesmo se dá em outros tópicos. Lembre-se de que, algumas semanas atrás, vários países na Europa, incluindo França e Itália, negaram permissão para sobrevoo do avião presidencial do boliviano Evo Morales. Os países sul-americanos condenaram veementemente isso. A Organização dos Estados Americanos, que costumava ser controlada pelos EUA, redigiu uma condenação ácida, mas com um rodapé: os EUA e o Canadá recusaram-se a subscrever. Estão agora cada vez mais isolados e, mais cedo ou mais tarde, penso que os dois serão, simplesmente, excluídos do continente. É uma brusca mudança em relação ao que ocorria há pouco tempo.

A América Latina é o atual centro da reforma capitalista. Esse movimento poderá ganhar força no Ocidente?

Você está certo. A América Latina foi quem seguiu com maior obediência as políticas neoliberais instituídas pelos EUA, seus aliados e as instituições financeiras internacionais. Quase todos os países que se orientaram por aquelas regras, incluindo nações ocidentais, sofreram – mas a América Latina padeceu particularmente. Seus países viveram décadas perdidas, marcadas por inúmeras dificuldades.

Parte do levante da América Latina, particularmente nos últimos dez a quinze anos, é uma reação a isso. Reverteram muitas daquelas medidas e se moveram para outra direção. Em outra época, os EUA teriam deposto os governos ou, de uma maneira ou de outra, interrompido seu movimento. Agora, não podem fazer isso.

Recentemente, os EUA testemunharam o surgimento de seus primeiros refugiados climáticos – os esquimós Yup’ ik – na costa sul na ponta do Alaska. Isso coloca em mórbida perspectiva o impacto humano no meio ambiente. Qual é sua posição acerca dos impostos sobre emissões carbono e quão popular pode ser tal medida nos EUA ou em outro país?

Acho que é basicamente uma boa ideia. Medidas muito urgentes têm de ser tomadas, para frear a contínua destruição do meio ambiente. Um imposto sobre carbono é uma maneira de fazer isso. Se isso se tornasse uma proposta séria nos EUA, haveria uma imensa propaganda contrária, desencadeada pelas corporações – as empresas de energia e muitas outras –, para tentar aterrorizar a população. Diriam que, em caso de criação do tributo, todo tipo de coisa terrível aconteceria. Por exemplo, “você não será mais capaz de aquecer sua casa”… Se isso terá sucesso ou não, dependerá da capacidade de organização dos movimentos populares.
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