Tocar fogo em SP: meta da direita

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  • segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
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  • Por Saul Leblon, no sítio Carta Maior:

    A velocidade dos ônibus em São Paulo registou um salto de 45% em 2013 (de 14,2 kms/h para 20,6 kms /h).

    Três milhões de pessoas ganharam 38 minutos por dia fora das latas de sardinha, que agora pelo menos andam.

    Embora a maioria ainda desperdice mais de duas horas diárias em deslocamentos pela cidade, é quase uma revolução quando se verifica a curva antecedente.

    Ninguém pagou mais por isso: as tarifas estão congeladas desde junho sob a pressão de protestos legítimos liderados pelo Movimento Passe Livre.

    Financiar a tarifa e modernizar o sistema com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms) , seria a tarefa do aumento progressivo do IPTU previsto pelo prefeito Fernando Haddad.

    A coerência entre os meios e os fins é irretocável.

    1/3 dos moradores mais pobres de SP não pagariam nada de IPTU em 2014; os demais, em média, contribuiriam com um adicional de R$ 15,00 ao mês. Os boletos dos mais ricos, naturalmente, transitariam acima da média.

    O matrimônio de interesses expresso na aliança entre Fiesp, PSDB e a toga colérica implodiu esse reajuste.

    Como Nero, eles querem ver São Paulo pegar fogo para culpar os adversários (os cristãos, no caso do imperador).

    Em meio às labaredas emergiria o palanque conservador como a escada Magirus que os reconduziria com segurança ao Bandeirantes e, quem sabe, ao Planalto.

    O dinheiro grosso fornece a gasolina; o tucanato fino de Higienópolis entra com o maçarico.

    ‘Bum!’, diz a mídia obsequiosa que estampa a foto de Haddad com a legenda: o culpado é o oxigênio.

    Depois de subtrair R$ 40 bi por ano do sistema público de saúde, ao extinguir a CPMF, eles não hesitam agora em usar o sofrimento da população como recheio do seu pastel de vento eleitoral.

    É o de sempre, ataca Haddad: a coalizão da casa-grande contra a senzala.

    Eles retrucam estalando o chicote da mídia.

    A rede de ônibus da capital (linha e fretados) transporta 68% das população e ocupa somente 8% das vias urbanas.

    A frota de automóveis transporta 28% e ocupa cerca de 80% do espaço das vias.

    A informação é da urbanista Raquel Rolnik, em artigo reproduzido no Viomundo.

    A rigor, portanto, a mobilidade melhorou para a maioria dos habitantes da cidade, com uma redistribuição pontual do uso do espaço viário.

    Mas a emissão conservadora atiça o fim de ano da classe média com bordão do caos no trânsito –por culpa do privilégio concedido aos ônibus.

    Na edição de sábado (21/12), o jornal Folha de SP estampa a manchete capciosa em seis colunas, no caderno Cotidiano: ‘Trânsito piora, e ônibus anda mais rápido’.

    No manual de redação dos Frias , trânsito é sinônimo de transporte individual.

    Há um traço comum entre esse entendimento do que seja interesse coletivo e individual e o belicismo conservador contra o programa ‘Mais Médicos’.

    O programa subverteu a lógica protelatória e alocou médicos estrangeiros, cubanos em sua maioria, ali onde os profissionais locais não querem trabalhar: periferias conflagradas e socavões distantes.

    Produz-se assim uma mudança instantânea na vida de 23 milhões de brasileiros até então desassistidos.

    Quantos não morreriam à espera do longo amanhecer incremental preconizado pelo conservadorismo?

    A dimensão estrutural desse antagonismo perpassa a luta pelo desenvolvimento brasileiro desde Getúlio.

    Reformas de base ou a delegação do futuro da economia e do destino da sociedade aos mercados?

    Em 1964 o pelourinho midiático, a Fiesp e o tucanismo, na versão udenista, resolveram a pendência da forma sabida.

    Meio século depois, São Paulo reproduz em ponto pequeno a mesma confluência de interesses que se reivindica o direito consuetudinário de tocar fogo no canavial e estalar o açoite para fazer a moenda girar.

    Primeiro, a garapa; resto a gente conversa depois.

    Com a tigrada guardada nas senzalas.

    Ou imobilizada em ônibus-jaula.

    A gestão Haddad precisa modular o timming de suas ações para discuti-las antes com a população.

    Tem agora um inédito conselho de participação popular para isso.

    Mas é indiscutível que o prefeito lidera hoje um conjunto de reformas imperativas, as reformas de base da São Paulo do século XXI.

    Sem elas a cidade afundará no destino que lhe reservou a elite brasileira branca e plutocrática: ser um exemplo de viabilidade de uma das mais iníquas versões do capitalismo no planeta.

    Esse é o embate dos dias que correm na metrópole.

    Diante dele, o silêncio de quem liderou os protestos de junho chega a ser desconcertante.

    Mas não é inédito.

    Há inúmeros antecedentes gravados na história com os predicados de cada época .

    E nenhum deles é inocência.
     
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