STF e os poderes desequilibrados

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  • terça-feira, 10 de dezembro de 2013
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  • Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

    O professor Dalmo Dallari e eu fomos entrevistados pelo Contraponto, programa conduzido por Eduardo Guimarães que foi ao ar ontem à noite.

    O assunto do programa foi, como se poderia imaginar, a ação penal 470.

    Dalmo Dallari dá uma aula de Direito Constitucional em seu depoimento.

    O professor avalia que o julgamento começou a partir de um erro básico, pelo julgamento de cidadãos que o STF não tinha competência legal para julgar. Eram aqueles réus – 37 sobre 40 – que, conforme a Constituição, deveriam ser julgados em tribunais de primeira instância e não pelo STF, corte que não oferece um segundo grau de jurisdição para os condenados, punindo a todos com sentenças de caráter definitivo. É um argumento forte, ainda mais elaborado por um mestre com a estatura de Dalmo Dallari, um dos mais respeitados juristas do país. Resumindo seu pensamento, o julgamento da AP 470 não poderia ter ocorrido da forma que ocorreu.

    Coloquei, no programa, uma análise politica que gostaria de desenvolver um pouco mais aqui. Minha visão é que, ao assumir um papel político e não apenas político, STF criou uma nova situação no tradicional equilíbrio entre os poderes.

    Explico: em situações adequadas de normalidade, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário são poderes distintos, autônomos e harmônicos. Isso quer dizer que a presidência da República, o Congresso e o STF atuam em suas respectivas esferas de competência e respeitam a atuação dos demais. É assim que nós podemos imaginar, com um grau razoável de certeza, qual a opinião de Dilma Rousseff sobre o julgamento. Nunca ouviremos, no entanto, uma palavra da presidente sobre o que se passou no STF. Por que? Porque existe a autonomia entre poderes, e não cabe a quem chefia o Executivo interferir em decisões do Judiciário. Não lhe cabe, sequer, emitir publicamente sua opinião a respeito.

    Agindo conforme a máxima de Oliver Holmes, jurista norte-americano que certa vez disse que “a Constituição é aquilo que o Supremo diz que ela é”, repetida tantas vezes durante o julgamento, o STF avançou sobre áreas de outros poderes, porém.

    A definição sobre perda de mandato, que a Constituição reserva ao Congresso, foi questionada. A decisão de julgar cidadãos que tinham direito a um duplo grau de jurisdição, como apontou Dalmo Dallari, e que também foi questionada no seu devido momento pelo ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, vai na mesma direção. Envolve uma deliberação soberana de representantes eleitos pelo povo, questionada pelos ministros. Quem se recorda dos debates entre ministros, não deixará de lembrar dos momentos em que eles faziam críticas diretas – pela TV -- ao sistema político, ao Partido dos Trabalhadores, ao governo Lula e assim por diante.

    O presidente do STF Carlos Ayres Britto chegou a definir que o mensalão era um instrumento do governo para perpetuar-se por meios ilegítimos no poder de Estado, “um projeto de poder quadrienalmente quadruplicado. Projeto de poder de continuísmo seco, raso. Golpe, portanto”.

    Minha opinião é que essa postura do STF contribuiu para que o Brasil chegasse a uma situação política particular depois do julgamento. Criou um ambiente de conflito entre poderes que ajuda a entender uma situação exótica e intrigante, que se assistiu durante os protestos de junho. Embora a maioria dos brasileiros tenha direito a uma situação positiva no emprego, na distribuição de renda e no consumo, uma massa enorme de cidadãos foi as ruas protestar como se estivesse na Grécia, na Espanha e outros países onde a economia desaba, os empregos desapareceram e o consumo virou privilégio de turista estrangeiro. Vários observadores estrangeiros admitiram sua perplexidade diante do que ocorria no país.

    Defendi, no programa, que esse atrito – ou choque, confronto, ou simples tensão entre poderes -- ajuda a explicar a dimensão desproporcional assumida pelos protestos, numa situação propícia a deslocamentos que já foi vista em outros momentos da história, inclusive sob o regime militar, quando havia conflitos entre o Legislativo e o Executivo.

    A partir do julgamento, muitas vezes o STF assumiu uma postura politica oposicionista aberta, num movimento que criou estímulos pelo alto aos adversários do governo Dilma. Até porque o STF não limitou-se a agir assim na ação penal 470. Interrompeu – e o caso segue parado até hoje – a votação sobre partilha dos royalties do petróleo, que cabe ao Congresso resolver, no pleno exercício de suas atribuições constitucionais. Em várias oportunidades, sem voto popular para avançar propostas de governo, a oposição procura auxílio no STF para encaminhar seus projetos, reforçando a visão de que o Supremo é um poder acima dos demais.
     
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