Ricardo Melo
Fatos e versões
DE SÃO PAULO
Não bastassem as agruras da política, a metralhadora giratória dos "analistas econômicos" trabalhou a todo vapor. Um desavisado que desembarcasse no Brasil nesta época imaginaria um país à beira da catástrofe. O governo está falido, metas fiscais não são cumpridas, a inflação foge ao controle. A Petrobras, então, ocupa manchetes como empresa a um passo da insolvência. Nem os índices invejáveis de baixo desemprego escapam do mau-humor dos distintos especialistas. Que ninguém se iluda, adverte este pessoal. Logo, logo haverá uma enxurrada de demissões e o desemprego vai disparar.
Claro, não cabe à imprensa livre dizer amém a governos, qualquer governo. Deve investigar tanto falcatruas da situação quanto roubalheiras da oposição. Mas o espantoso de tudo isso é que, mesmo com o suposto ambiente de véspera do apocalipse, os números informam que, veja só, a popularidade do governo petista cresceu. Mais. Em qualquer dos cenários eleitorais, a presidente Dilma Rousseff surge à frente dos seus prováveis rivais nas urnas. Num hipotético cenário em que Lula fosse o candidato, os prognósticos são ainda mais acachapantes. Como até onde se sabe os brasileiros não professam o masoquismo social, os dígitos indicam, no mínimo, uma distância notável entre fatos e versões.
Na minha opinião, o governo Dilma não é nenhuma Brastemp --longe disso. É tímido diante dos banqueiros, amplo demais nas alianças, limitado na política social e timorato em questões como a apuração dos crimes da ditadura militar. Mesmo com seus tropeços, no entanto, aos olhos (e no bolso) do povo a administração petista é superior às alternativas disponíveis no mercado. A própria oposição assina embaixo. Alguns exemplos: Aécio Neves, do PSDB, quer tirar uma casquinha do sucesso do programa Bolsa Família e incorporá-lo à Constituição. Em São Paulo, o governo Alckmin se rendeu às vantagens da proposta do Bilhete Único.
No plano nacional, o quadro é ainda mais revelador. O recém-criado partido Solidariedade, o SDD, só abandonou o anonimato quando o helicóptero de um de seus deputados foi pilhado traficando meia tonelada de cocaína. Vendida como renovação e novidade, a aliança pragmática, desculpe, programática entre Eduardo Campos e Marina Silva no PSB não sai do lugar. Sua plataforma por enquanto se resume a platitudes como "está bom, mas vamos fazer melhor", ou então "colocaremos o programa acima dos interesses puramente eleitorais". Resumindo: me engana que eu gosto.
A continuar nesta toada, a eleição que muitos esperavam disputada corre o risco de cair na monotonia. Não que o povo rejeite mudanças. Como mostra a mesma pesquisa, 66% dos entrevistados querem ações inovadoras dos próximos governos. Mas considerando o quadro político brasileiro atual, as chances de isto acontecer vão depender sobretudo da volta à cena dos atores que protagonizaram as Jornadas de Junho.
Ricardo Melo, 58, é jornalista. Na Folha, foi editor de "Opinião", editor da "Primeira Página", editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do "Diário de S. Paulo", do "Jornal da Band" e do "Jornal da Globo". Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil "Liberdade e Luta" ("Libelu"), de orientação trotskista.